Não compreendo como lugares como a praia podem pertencer a alguém
Txai Suruí
Coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental – Kanindé e do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia
Para mim é difícil compreender como lugares como as praias podem pertencer a alguém. Quem já tomou banho de mar sabe que um lugar desse não tem preço, tampouco deve ter dono. A praia não deveria ter classe social, o dinheiro não deveria importar. O mar está aí para todo mundo se banhar. E quem nasceu lá, como indígenas e caiçaras, está sendo expulso, impedido de pescar, de nadar e de estar em seus territórios ancestrais.
Pouco se fala sobre esses paraísos ambientais estarem sendo ameaçados pela pressão do poder econômico especulativo imobiliário, que pressiona e constrói em regiões de praias, destruindo fauna e flora e expulsando populações tradicionais.
Exemplo dessa pressão, com perda da vegetação nativa da mata atlântica e provável expulsão dos moradores, é o caso da ilha de Boipeba, na Bahia, onde recentemente o Governo do Estado, através do Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos), pela portaria 28.063, de 7 de março de 2023, publicada no Diário Oficial do Estado no dia seguinte, autorizou desmatamento e loteamento para que fosse instalado um empreendimento turístico, que provavelmente tornará a ilha um espaço privado para férias e passeio de milionários em detrimento da população local, que inclui pescadores artesanais, marisqueiras e quilombolas. São estes que verão seu modo de vida tradicional ser inviabilizado e poderão ser expulsos de suas terras.
A população local e as organizações da sociedade civil, como o Gamba (Grupo Ambientalista da Bahia), vêm se posicionando contra o empreendimento já que, segundo o mapa de conflitos, os danos socioambientais são enormes.
Para piorar a situação, em fevereiro foi aprovada pela Câmara dos Deputados a PEC 39/2011, que extingue o Instituto de Terrenos de Marinha.
A situação se agrava mais ainda porque essa mesma Câmara pretende em maio aprovar o PL 4444/2021, que tem em seu artigo 16 um jabuti da privatização das praias, criando uma Zona Especial de Uso Turístico no litoral e nas orlas de rios e lagoas.
O PL 4444/2021, se aprovado, colocará à disposição da especulação imobiliária todo um patrimônio ambiental, que são os ecossistemas das praias e orlas, e promoverá a destruição ambiental e a insegurança climática. Isso vem sendo alertado por parlamentares como o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP).
Aguardamos o posicionamento do Ministério do Meio Ambiente sobre o PL 4444/2021 e sobre a situação da ilha de Boipeba, para solicitar que o Ibama se manifeste sobre o pedido da população quilombola, dos pescadores e dos ambientalistas para que sejam ouvidos.
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/txai-surui/2023/03/nao-tem-dono.shtml
Comentários