Crianças tikúnas da comunidade Umariaçu, no município de Tabatinga (AM) – Danilo Verpa – 08.nov.17 / Folhapress
- Também conhecida como magüta, etnia está presente ainda na Colômbia e no Peru
- Censo confirma que o grupo segue como o mais populoso do país, com 74 mil pessoas
São Paulo
Os indígenas pescados com vara, um por um, das águas vermelhas do igarapé Eware, em território sagrado, hoje formam a etnia mais populosa do país, segundo dados do Censo de 2022 divulgados nesta sexta (24) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O povo tikúna, conhecido também como magüta, contabiliza 74.061 indígenas no Brasil. Desse total, 52.678 (71,13%) vivem em terras indígenas, 15.724 (21,23%) em áreas urbanas e 5.659 (7,64%) em zonas rurais.
No Censo 2010, o IBGE apontou que existiam 34.093 tikunas, sendo também o povo indígena mais populoso da época.
Os tikúnas são da região da tríplice fronteira (entre Brasil, Colômbia e Peru). No Amazonas, estão tradicionalmente nos municípios de Tabatinga, Benjamim Constant, São Paulo de Olivença, Amaturá, Santo Antônio do Içá e Tonantins. Sua população vive em mais de 20 terras indígenas.
Na cosmovisão tikúna, os indígenas foram pescados pelo herói Yo’i na região onde residem alguns espíritos imortais e estão vestígios materiais de suas crenças. Os mais velhos mantêm viva a tradição oral, que é repassada para a nova geração com objetivo de nunca ser perdida.
Os tikúnas são divididos em clãs. De um lado os de penas: arara, mutum, japu, tucano, manguari, galinha, urubu-rei e gavião-real. Do outro, os sem penas: auaí, buriti, saúva e onça. Assim, evitam incestos. Os grafismos, principalmente os faciais, compõem essas identidades.
O idioma do povo magüta é tonal, ou seja, o tom de uma sílaba muda o significado da palavra. Considerada como geneticamente isolada, essa língua apresenta, ainda, complexidades em fonologia e sintaxe.
Os primeiros registros dos tikúnas são do século 17, durante a colonização na amazônia. Eles presenciaram a missão jesuíta espanhola e a construção da fortaleza em Tabatinga, no século 18. Nesse período, espanhóis e portugueses disputaram a hegemonia na região do Alto Solimões.
Em 28 de março de 1988, o povo sofreu a mais grave violência da história após suas terras serem demarcadas. O episódio ficou conhecido como o “Massacre do Capacete”, que ocorreu na região de Benjamin Constant, a 116 quilômetros de Manaus.
Naquele dia, lideranças das comunidades Porto Espiritual, Porto Lima, Bom Pastor e São Leopoldo se reuniam para discutir questões coletivas, quando foram atacados por homens armados com rostos escondidos e roupas camufladas.
Segundo a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), foram 16 mortos na hora, 9 desaparecidos e posteriormente dados como mortos e mais 3 mortos após o massacre. Além deles, 4 indígenas ficaram com sequelas. Algumas das vítimas eram crianças.

O ataque foi associado aos conflitos territoriais com ocupantes não indígenas, que não aceitaram as demarcações de terras. Ao todo, 14 homens foram presos como executores e o madeireiro Oscar Castelo Branco foi apontado como mandante do crime.
O caso tratado, inicialmente, como homicídio, foi julgado como genocídio. Castelo Branco chegou a ser condenado a 24 anos de prisão, mas em 2004 foi absolvido pelo Tribunal Regional Federal. Os demais réus tiveram penas de 12 anos em regime fechado.
Nos dias atuais, a violência ainda assola o povo, como relata Luciana Marques (Ngugüna rü Goena), primeira cacica da aldeia Campo Alegre, na terra indígena eware 1, no Amazonas. Ela afirma que, além dos conflitos territoriais, os tikúnas sofrem com invasões e uso de drogas.
“Quando eu assumi a comunidade, a minha aldeia estava passando por desafios relacionados ao suicídio, violência e consumo de álcool”, disse. “Como liderança, convidei a equipe da saúde para combater os problemas com conscientização e valorização da nossa etnia e língua”.

A cacica destaca que outra luta do povo é manter sua cultura entre os jovens. Entre os principais eventos está o ritual da menina-moça, na qual as meninas em suas primeiras menstruações participam de um momento de isolamento para se tornar mulheres.
Neste ritual, surgem os mascarados que representam os espíritos sagrados da floresta, são eles: Õma (pai do vento), Murucututu (coruja), Tai’cüre (macaco danado), Yewae (cobra grande) e Tchoreruma (chefe dos botos). Eles estão entre as maiores manifestações culturais do povo magüta.
“Os mascarados é tudo o que a gente vê na natureza, o que precisa ser preservado, ser cuidado. É a harmonia de tudo isso. O povo magüta tem harmonia, não está destruindo. A natureza faz parte da nossa festa. Então nós agradecemos”, disse a cacica.
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Bernabé Bitencourt Serra (Mecüracü rü Tchaiericü), mestre em linguística pela UEA (Universidade do Estado do Amazonas), faz parte da Organização Geral dos Professores Ticuna Bilíngues (OGPTB), fundada em 1986, que trabalha para fortalecer a educação e a cultura no território.
Para o educador, o idioma do tikúna é fundamental para sua identidade. Ele destaca os projetos educacionais dentro e fora do território para que as crianças aprendam e mantenham a cultura adiante.
“Como professor, colaborei na implantação da língua materna dentro do currículo das escolas municipais, em todos os níveis, E depois, nós criamos o primeiro curso superior, onde o próprio povo tikúna teve autoria para estudos voltados para os povos indígenas”, finalizou.
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2025/10/quem-sao-os-tikunas-maior-povo-indigena-do-brasil.shtml
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