Medida suspensa permitia comercializar ouro com base nas informações dos vendedores
BRASÍLIA
O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria em votação para manter a suspensão da previsão legal que instituiu a chamada “presunção de boa-fé” no comércio do ouro.
Esse instrumento permite que ouro seja comercializado no Brasil apenas com base nas informações dos vendedores sobre a origem do produto.
Cinco ministros acompanharam decisão individual proferida por Gilmar Mendes em 4 de abril, que suspendeu a aplicação do uso da chamada boa-fé para atestar a legalidade do ouro.
Ao suspender esse instrumento, que está previsto em lei de 2013, o ministro afirmou que “o diploma legislativo em questão inviabilizou o monitoramento privado ao desresponsabilizar o comprador, o que incentivou o mercado ilegal, levando ao crescimento da degradação ambiental e ao aumento da violência nos municípios em que o garimpo é ilegal”.
O ministro determinou ainda a adoção, em até 90 dias, por parte do Poder Executivo da União, de um novo marco normativo para a fiscalização do comércio do ouro.
Acompanharam o voto do relator os ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber (presidente da corte) e Alexandre de Moraes. Se nenhum ministro apresentar pedido de vista ou destaque, a análise do processo se encerra em 2 de maio.
A boa-fé faz parte de um bloco de normas previstas dos artigos 37 a 42 na Lei nº 12.844, de 2013. Os dispositivos foram inseridos pelo deputado Odair Cunha (PT-MG) durante a tramitação de uma MP sobre seguro agrícola, e o texto, sancionado por Dilma Roussef. A nova lei em elaboração revoga todos esses artigos.
O STF avalia duas ADIs (ações diretas de inconstitucionalidade) contrárias a esse instrumento.
O PSB e a Rede Sustentabilidade apresentaram a primeira ação deste tipo em novembro do ano passado, e a ADI do Partido Verde foi protocolada em janeiro de 2023.
A regra que o Supremo tem maioria para manter suspenso desobriga os compradores de ouro, basicamente DTVMs (distribuidora de títulos e valores mobiliários), de questionarem o primeiro vendedor sobre a origem do produto.
Essa medida é apontada por especialistas em combate ao crime ambiental e financeiro como a principal brecha legal para lavar ouro extraído de terra indígena e reserva ambiental.
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vinha preparando a revogação da lei de presunção de boa-fé. Uma versão do texto obtida pela Folha estabelecia uma série de exigências nas transações com o metal.
A medida provisória em elaboração no governo também poderia abrir caminho para se implementar a rastreabilidade, antigo pleito de quem combate o garimpo ilegal.
O ministro da Ministério da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), já criticou o instrumento numa entrevista no programa à Voz do Brasil, argumentando que a norma servia para legalizar o ouro clandestino e deveria ser considerada inconstitucional.
A fala de Dino foi feita no fim de janeiro, quando a crise humanitária dos yanomamis havia explodido.
No fim de março, a Receita Federal publicou uma instrução normativa em que adota a nota fiscal eletrônica para a comercialização do ouro do garimpo, primeira mudança em um pacote de alterações legais previsto pelo governo federal para a lavra garimpeira.
Desde 2001, a Receita mantinha o uso da nota de papel, apesar de o documento digitalizado já ser usado na maioria dos setores. A nota fiscal eletrônica passará a ser exigida em julho deste ano.
A mudança era um pleito de organizações ambientalistas, entidades do setor de mineração e até da Polícia Federal por ser considerado um instrumento importante para combater o garimpo ilegal, principalmente em terras indígenas e reservas ambientais.
A AGU (Advocacia-Geral da União), porém, defendeu a permanência da norma em parecer enviado ao Supremo, sob argumento de que a lei é mal aplicada e sua revogação pioraria o ambiente regulatório.
Já Ministério dos Povos Indígenas, em sugestão enviada para ajudar a AGU a formular a posição no STF, havia sido categórico em afirmar que a boa-fé é uma das normas que elevam o risco à vida para as comunidades indígenas.
Em voto proferido ao suspender a boa-fé, o ministro Gilmar Mendes ainda afirmou que “é preciso que esse consórcio espúrio, formado entre garimpo ilegal e organizações criminosas, seja o quanto antes paralisado.”
“Além dos evidentes danos ao meio ambiente, com comprometimento para a saúde humana, inclusive, em especial da população indígena, a atividade de garimpo ilegal abre caminho para outros crimes, contribuindo para o aumento da criminalidade e insegurança na região”, escreveu ainda o relator.
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