De origem indígena, Yaku Pérez aparece entre os 3 mais citados na pesquisa mais recente
Entre as três candidaturas com mais chances de chegar ao provável segundo turno na eleição presidencial do Equador, no domingo (7), está a de Yaku Pérez, 50, da etnia indígena Kichwa-Kañari, segundo as pesquisas.
Apesar de rejeitar comparações com o ex-presidente Evo Morales, ele compartilha com o boliviano, além da origem, a militância em sindicatos indígenas e a defesa de um Estado plurinacional, que reconheça e valorize as distintas etnias que compõem a população do país.
Pérez foi governador da província de Azuay, cuja capital é a cidade histórica de Cuenca, e participou dos protestos indígenas de 2019 contra a política de ajustes do governo do atual presidente, Lenín Moreno.
Embora tenha recebido um nome nada indígena ao nascer, Carlos Ranulfo, Pérez mudou-o legalmente para Yaku Sacha —que significa “água da montanha”— em 2017. Estudou direito e fez doutorado na Universidade Católica de Cuenca, especializando-se em direito indígena.
As pesquisas eleitorais costumam errar muito no Equador. Há dificuldades logísticas para ouvir amostras representativas entre os moradores dos Andes e da região amazônica. Portanto, as previsões são incertas.
As pesquisas eleitorais costumam errar muito no Equador. Há dificuldades logísticas para ouvir amostras representativas entre os moradores dos Andes e da região amazônica. Portanto, as previsões são incertas.
A maioria delas, porém, aponta um grande número de indecisos, entre 45% e 50% do eleitorado. Na mais recente, do instituto Cedatos, a disputa tem como favoritos Andrés Arauz, candidato apadrinhado pelo ex-presidente Rafael Correa, com 21,8% das intenções de voto, e o banqueiro Guillermo Lasso, com 21,2%. Pérez soma 14,5%.
Se nenhum dos candidatos tiver 50% mais um dos votos, ou 40% e uma diferença de dez pontos percentuais para o segundo colocado, haverá segundo turno no dia 11 de abril.
Leia a entrevista que Pérez concedeu à Folha.
Há relação direta entre os protestos de 2019 e a sua candidatura? Em que medida se considera fruto daquele movimento? Nós já estávamos trabalhando muito antes disso e já tínhamos conseguido algumas vitórias eleitorais regionais. Não surgimos nas manifestações. Porém, obviamente, elas chamaram a atenção para nossas causas, nossas bandeiras e, de alguma forma, ajudaram a projetar a nossa candidatura. Mas não estou de acordo com os que consideram que nosso movimento nasceu com aquele episódio. A luta indígena é antiga no Equador.
A sua candidatura representa os indígenas? Como pensar numa gestão para todo o país? Não quero representar apenas os indígenas. Sim, tenho uma trajetória nessa militância, nos sindicatos indígenas e estou nesta luta há 30 anos. Mas nossa candidatura também é a da juventude, a da ecologia, das bandeiras esquecidas pela nossa sociedade e que agora se mostram mais importantes do que nunca, com a ameaça da mudança climática e das pandemias. Não podemos mais ser um país tão desigual, tão cruelmente extrativista e que ignore a natureza.
O senhor é defensor do conceito do “bem viver”, que tem origem indígena e está na Constituição de 2008, mas que, na prática, não foi totalmente implementado. Como entende o “bem viver”? Há muitas maneiras de encarar o “bem viver”. Sim, está na Constituição que [Rafael] Correa implantou como projeto de inclusão da pluralidade cultural do país. Mas não está em prática em questões do funcionamento do modelo de Estado.
Eu entendo o “bem viver” não como um conjunto de valores paralelos ou concorrentes com o [modo de vida] ocidental, mas sim de complementaridade. Não creio numa ciência ou numa justiça indígenas que compitam com as que existem, mas que as complemente. Estabelecer que devam existir propriedades comunitárias não exclui que exista também a propriedade privada, por exemplo.
É preciso ter uma relação mais harmônica com a natureza. E, apesar de essa ser uma lição que vem dos indígenas, não vale só para nós. O mundo todo está acordando para isso, e a juventude equatoriana também. Minha proposta é repensar, principalmente, o modelo econômico, o modo como estamos explorando o petróleo, a mineração, que são nossas riquezas. Essas atividades não devem significar o sacrifício do planeta e da saúde dos trabalhadores. Para mim, isso é o “bem viver”.
O senhor vê diferenças entre o modo como gostaria ver esse conceito incorporado pelo Equador e o que foi incluído como política de Estado na Bolívia? Gostaria de marcar algumas diferenças entre a minha candidatura, a proposta do Pachakutik [partido dele] e a experiência boliviana. Houve avanços em vários sentidos, na inclusão de comunidades e valores indígenas, na lei e na vida dos bolivianos. Mas a Bolívia falhou num ponto essencial do conceito do “bem viver” que é a ética. Considero a ética fundamental num governo que quer harmonia entre a sociedade, o país e o Estado. Coisas como a corrupção não podem ter lugar no sistema que sonhamos para o Equador.
Não se deve confundir uma proposta comunitarista com uma proposta comunista. Somos de esquerda, mas não nos identificamos com a esquerda mais clássica, antiga, não somos comunistas. Acreditamos numa esquerda vanguardista e comunitária, fundada em alguns valores ancestrais.
Das 16 candidaturas, 3 têm mais chances de passar a um segundo turno. A sua é uma delas, assim como a de Andrés Arauz. Ambos estão no território da esquerda. Vê esse eleitorado dividido? Esperamos que o eleitor saiba ver como somos diferentes do que propõem Arauz e o correísmo. [Rafael] Correa, em seu discurso, defendeu valores e conceitos com os quais estamos de acordo. Mas para quem governou de fato? Para o mercado, os interesses econômicos, a cultura capitalista do extrativismo. Não podemos crer que um governo de Arauz seja diferente dessa linha. E não a seguiremos de nenhuma forma. São duas candidaturas bastante diferentes.
O correísmo, representado por Arauz, fez tudo para desmantelar os sindicatos, coibir a liberdade de expressão e reprimir protestos. Mas eu entendo que muita gente se confunda com as similaridades do discurso. Peço que as pessoas avaliem a diferença que houve, nos anos do correísmo, entre o discurso e a prática. E reafirmar que colocaremos em prática o nosso discurso, se formos eleitos.
Um dos principais desafios do próximo governo é a pandemia, sendo que o Equador registra o início de uma segunda onda. Qual seria sua estratégia? É preciso enfrentar a pandemia com a “minga” [conceito indígena que prega solidariedade entre membros de uma comunidade para realizar atividades comunitárias para resolver problemas comuns].
Há que se encarar essa situação ouvindo quem sabe do assunto, convidar os cientistas e os médicos para que trabalhem nisso, em níveis local e internacional. E é preciso garantir que as estratégias de precaução, de tratamento e de vacinação sejam coletivas e simultâneas.
Não podemos ter lista de prioridades na vacinação que se balize por temas econômicos. O pobre e o rico têm de ser vacinados na mesma ordem, os mais vulneráveis e os da linha de frente antes. Mas não podemos permitir que haja corrupção ou favorecimentos indevidos nisso.
E creio que em situações de emergência como esta, deve haver mais intercâmbio de solidariedade, de regiões do país ajudando umas às outras.
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