É preciso combater, investigar e, se necessário, punir com os rigores da lei

Alvaro de Azevedo Gonzaga Kaiowá

Professor e livre docência em direito (PUC-SP), é membro do Parlamento Indígena e do Grupo Prerrogativas; autor de “Decolonialismo Indígena” (ed. Matriosk)

Com a vitória de Lula no penúltimo dia de outubro de 2022, mal começou novembro e uma ideia ganhou força: “Anistia, não!”. A plenos pulmões, as vozes bradam que todos os que praticaram algum crime merecem um julgamento com o devido processo legal —e, se assim for o entendimento, devem ser condenados.

Na democracia, a frase “pau que bate em Chico bate em Francisco” não tem lugar. Vale a frase que preconizo em meus cursos, inclusive de formação de policiais nos mais variados estados do país: “Direitos humanos que protegem Franciscos protegem Chicos e Marielles”.

Concordo com a necessidade de termos uma justiça de transição neste pós-governo Jair Bolsonaro. Afinal, no Brasil dos anos 1980, a ausência de punição e a equivocada interpretação sobre “anistia ampla, geral e irrestrita” trouxe-nos a gestação do ovo da serpente, que foi eleito tendo a mentira como mãe, a vingança como pai e o ressentimento como irmão mais velho.

Aqueles que atentam contra a democracia, contra a humanidade ou contra o meio ambiente não são sujeitos de anistia. Não podemos anistiar alguém que destruiu nosso patrimônio em 8 de janeiro, nem mesmo quem quis superfaturar a vacina contra a Covid-19; não podemos anistiar genocidas ou criminosos contra a humanidade. Logo, porque anistiar garimpeiros?

Recentemente, circulam na internet vídeos de garimpeiros saindo de terras indígenas e “abandonando” o garimpo. Na verdade, eles estão abandonando apenas a área de garimpagem —em novo local, praticarão os velhos atos de destruir o meio ambiente que temos o compromisso de preservar.

Vozes levantam-se: “Mas são trabalhadores”. De fato, os trabalhadores merecem respeito e dignidade no trato. Entretanto, aqueles que trabalham como exterminadores de vida ou da natureza não poderiam trabalhar com isso, pois trata-se de crime e devem responder, dentro da lei, por tudo o que fizeram.

E que sirva de lição o que preconiza o Código Penal em seu artigo 29: que cada um responda na medida de sua culpabilidade. É evidente que um “garimpeiro artesanal”, seja lá o que isso for, deva responder pelos danos ambientais que causou e somente por esses crimes. Já aqueles que, além do crime acima, praticam outros como estupro e tortura de indígenas deverão responder por esses atos.

Nós, progressistas, temos dificuldade de penalizar alguém com receio de sermos julgados como punitivistas. Mas não. Sejamos legalistas, não ativistas nem militantes. Sejamos pela lei de Kelsen, e que possamos debater com seriedade a descriminalização das drogas ou mesmo a proibição de vendas de armas para que possamos ter uma polícia eficiente no combate ao garimpo e a outras violências.

Outro argumento é o utilitarista: “Não há prisão suficiente para prender todos os garimpeiros”. Então fazemos o quê? Devem ser escoltados, como foi feito com os terroristas de 8 de janeiro, levando-os à melhor saída sem algema?

Que se encontrem os mandantes, não só do garimpo, mas do assassinato de Dom e Bruno; que se encontrem os mandantes da morte de Marielle; que encontremos os mandantes do 8 de janeiro; do atraso da vacina; de quem nega água ao povo yanomami.

O Carnaval acabou, mas o garimpo, não. Portanto, é preciso combater, investigar e, se necessário, punir.

Anistia, não —inclusive para garimpeiros.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/03/anistia-tambem-para-os-garimpeiros.shtml

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