COP da Biodiversidade reforçou olhar para uso da ciência, financiamento de metas e povos indígenas
Gabriella Seiler
Consultora do Instituto SerrapilheiraNatasha Felizi
Diretora do Instituto SerrapilheiraMarina Hirota
Professora da Universidade Federal de Santa Catarina e cientista apoiada pelo Instituto Serrapilheira
A 16ª Cúpula das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP16), realizada há poucos dias em Cali, na Colômbia, nos deixou três ensinamentos principais que devem servir de base para as próximas conferências.
O primeiro é o de que é impossível falar em biodiversidade sem pensar na emergência climática: um influencia o outro. O segundo é que ações concretas só acontecerão quando aproximarmos a ciência das tomadas de decisão. E o terceiro é o de que o diálogo com povos indígenas é imprescindível: são eles que detêm o conhecimento de milhares de anos de como manejar ecossistemas mantendo-os de pé.
O primeiro aprendizado merece destaque. Historicamente, a COP da Biodiversidade sempre recebeu menos holofotes do que as Conferências do Clima. É como se o clima e a biodiversidade —a riqueza de todas as formas de vida que existem na natureza— fossem discussões separadas. Entretanto a ciência mostra cada vez mais que é o contrário.
A COP da Biodiversidade costuma ficar relegada ao segundo plano justamente por quem mais maneja a biodiversidade de forma não sustentável: o setor econômico. E sua participação será fundamental para o esforço de financiamento de no mínimo US$ 200 bilhões anuais, necessários para cumprimento das 23 metas estabelecidas no Marco Global da Biodiversidade.
A falta de um roteiro de financiamento detalhado para a proteção de espécies em todo o mundo frustrou a expectativa de diversos países, inclusive do Brasil. Braulio Dias, diretor do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, até destacou uma presença maior de representantes do setor de negócios na COP16 em comparação com a COP15. No entanto, reforçou que é preciso que o “setor privado faça a sua parte”.
Aí entra o segundo aprendizado: para o setor privado fazer a sua parte na conservação da biodiversidade e no combate à crise climática precisamos de políticas públicas embasadas em ciência de ponta. Cientistas em todo o Brasil já mostram o caminho para alcançarmos o desenvolvimento sustentável, mas precisam ser ouvidos.
O Instituto Serrapilheira começou a trabalhar em um projeto-piloto de um centro focado em ecologia, visando produzir ciência aplicada às tomadas de decisão sobre sociobiodiversidade e reforçar a liderança brasileira no tema.
Uma plataforma desenvolvida por cientistas ligados ao projeto revela dados importantes.
Eles mostram como as terras indígenas amazônicas são fundamentais para o ciclo hidrológico, impactando o provimento de água em outras regiões do Brasil. Estima-se que mais de 50% do PIB agropecuário do Brasil hoje seja influenciado pela água reciclada em terras indígenas da Amazônia. Ou seja: o setor agropecuário brasileiro depende da conservação dessas terras.
O terceiro aprendizado é, justamente, a importância da integração da ciência acadêmica com a ciência indígena. O conhecimento dos povos indígenas, bem como o de comunidades locais, tem dimensões muito práticas sobre a manutenção da vida frente às crises ambientais atuais e sobre a recuperação da biodiversidade. Devemos buscar um diálogo de igual para igual, sem que o conhecimento de um dos atores precise ser validado segundo os conceitos do outro.
A COP16 mal terminou e a Conferência do Clima (COP29), iniciada nesta segunda-feira (11), no Azerbaijão, é uma nova oportunidade de fazer a diferença.
Que os resultados insatisfatórios do encontro em Cali sirvam de alerta de que é preciso dar ouvidos à ciência, respeitando os povos indígenas e as comunidades tradicionais, para construir caminhos efetivos e cumprir as metas acordadas.
Os sinais da natureza são claros, não dá mais para esperar tantas outras COPs.
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