Leis mais rígidas e mais repressão só aumentarão a violência e o crime organizado

Que rumo devemos tomar para interromper a lamentável sequência de assassinatos na Amazônia, como o de Bruno Pereira e Dom Phillips? Há pelo menos dois caminhos.

O primeiro é insistir no modelo atual de combate ao desmatamento e outras ilegalidades. Criar leis ainda mais rígidas de licenciamento, intensificar a repressão a ribeirinhos que não conseguem se legalizar, gastar outros milhões de reais com operações da Polícia Federal e do Ibama para incendiar equipamentos, caminhões e balsas.

Essa alternativa envolve discursos bonitos de celebridades e muitos políticos prometendo medidas duras.

Envolve fingir que a bioeconomia e o ecoturismo são soluções viáveis para todos, e que um povoado instalado sobre a maior mina de diamantes do mundo preferirá catar açaí porque assim decidiram os descolados do Leblon e de Pinheiros.

Se insistirmos nesse modelo, muito mais sangue será derramado. Haverá mais suborno de fiscais e políticos, mais miséria, mais ressentimento contra ambientalistas. Mais violência —e com uma eficácia tão alta quanto o combate ao tráfico em favelas do Rio de Janeiro.

Podemos prever mais conflitos entre índios e garimpeiros, armamentos cada vez mais pesados —gente atirando em helicópteros da PF para evitar ter seu equipamento destruído.

Mas há uma segunda opção: tentar enxergar o problema do ponto de vista de gente pobre da Amazônia. Entender por que populações locais se ressentem com ambientalistas e apedrejam tantas sedes do Ibama e da Funai.

Reconhecer que a população pobre não-indígena não consegue regularizar terras, não pode minerar, leva anos tentando obter uma simples licença.

Nessa segunda linha de ação, o Greenpeace não comemoraria quando o general Mourão trava uma “greenwar” contra as balsas de garimpeiros do rio Madeira, deixando centenas de cozinheiras e operadores de balsa sem emprego de um dia para o outro.

Em vez disso, o Greenpeace ajudaria os garimpeiros do rio Madeira a adotar técnicas mais sustentáveis ou que dispensam o uso de mercúrio. Burocratas facilitariam a legalização das atividades e estipulariam regras de sustentabilidade fáceis de serem seguidas, ao contrário do que fazem hoje.

Folha, em editorial e reportagens, culpou a “ausência de Estado” pelo fato da Amazônia ter se transformado no novo centro do crime organizado no Brasil.

“Se criminosos agem livremente naquele rincão amazônico é porque o Estado dali se ausentou”, disse o editorial. Mas é preciso fazer uma pergunta anterior: por que há criminosos num lugar onde esperaríamos pescadores?

O crime organizado não precisa apenas de governantes desastrosos para se desenvolver. Precisa de um ambiente institucional que, como na guerra às drogas, proíbe ou dificulta a atividade legalizada e dá vantagem aos agentes corruptos e violentos.

Num dos últimos áudios que enviou antes de ser cruelmente assassinado, Bruno contou que pescadores estavam indignados porque perderiam a licença de pesca. “Eles vão perder o manejo do pirarucu que demorou 10 anos para eles tirarem.”

Para evitar mais tragédias como a do indigenista e do repórter Dom Phillips, é preciso lidar com o excesso de leis, proibições e burocracias que dão força à violência e ao crime organizado na Amazônia.1 9

Desmatamento ameaça plantas amazônicas recém-descobertas para a ciência

Planta Tovomita cornuta, encontrada em área de reserva de uso sustentável Uatumã, no Amazonas

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Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/leandro-narloch/2022/06/como-evitar-novas-tragedias-na-amazonia.shtml

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