MPF e polícia investigam fraudes no fornecimento de remédios como vermífugos, com consequências graves à saúde dos indígenas

Vinicius Sassine

MANAUS

A Polícia Federal e o MPF (Ministério Público Federal) fizeram uma operação na manhã desta quarta-feira (30) para combater um suposto desvio de recursos públicos destinados à compra de medicamentos aos yanomamis.

As supostas fraudes resultaram na retenção de medicamentos, em especial vermífugos, o que deixou 10.193 crianças desassistidas, segundo nota divulgada pela PF. O resultado foi um “aumento de infecções e manifestações de formas graves da doença, com crianças expelindo vermes pela boca”.

Os crimes investigados envolvem o DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) Yanomami, uma unidade do Ministério da Saúde.

Os DSEIs são estruturas que atuam na ponta, em atendimento aos indígenas, com recursos públicos federais voltados à saúde indígena.

O MPF recomendou uma intervenção no DSEI Yanomami, de forma que a sede do ministério assuma a gestão do distrito, investigue as irregularidades e normalize o fornecimento de medicamentos.

Na recomendação, o procurador Alisson Marugal afirma que existe um “desabastecimento farmacêutico generalizado” das unidades de saúde. A empresa contratada para fornecer os medicamentos atuou para cooptar agentes públicos por meio de pagamento de propina, de forma a atestarem falsamente a entrega dos medicamentos, segundo o procurador.

“Os valores apontados pela empresa em notas fiscais eram pagos mesmo sem a entrega dos medicamentos”, diz. “Parte desse valor era posteriormente rateada entre os agentes públicos cooptados.”

O MPF recebeu áudios com relatos desesperados de falta de medicamentos, principalmente para malária e verminoses. A Procuradoria também recebeu imagens de crianças yanomamis altamente desnutridas, reproduzidas na recomendação de intervenção.

Atenção: as imagens abaixo são agressivas.

Crianças desnutridas e uma mão com vermes
Fotos de crianças yanomamis desnutridas e de vermes encaminhadas ao MPF em Roraima, reproduzidas em recomendação do órgão – Reprodução/MPF

De 13.748 crianças aptas ao tratamento de verminoses no primeiro semestre de 2022, apenas 3.555 receberam tratamento, segundo os dados usados pelo MPF.

Um hospital para crianças em Boa Vista (RR) atendeu mais de 300 crianças yanomamis com desnutrição ou malária num período de 15 meses.

Em nota, o Ministério da Saúde disse que a Sesai (Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena), vinculada à pasta, está à disposição para colaborar com as investigações. A nota ignorou os apontamentos feitos por PF e MPF.

A Justiça Federal em Roraima autorizou o cumprimento de dez mandados de busca e apreensão em endereços de suspeitos de participação na fraude.

Segundo a PF, primeiro houve um inquérito civil instaurado pelo MPF para investigar a falta de medicamentos para verminoses e malária na Terra Indígena Yanomami, revelada em reportagens na imprensa. Depois, a PF instaurou um inquérito policial.

Comemoração dos 30 anos da Terra Indígena Yanomani
Comemoração dos 30 anos da Terra Indígena Yanomani

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O MPF constatou que o vermífugo albendazol foi entregue em quantidades inferiores ao total adquirido pelo ministério.

O problema se repetiu com dezenas de medicamentos que deveriam ser fornecidos pelas empresas contratadas pelo DSEI Yanomami. Apenas 30% de mais de 90 tipos de medicamentos foram entregues, conforme a PF.

Somente no que diz respeito ao tratamento de verminoses, o suposto esquema deixou 10.193 crianças sem assistência, segundo a polícia.

O empresário suspeito de participação na fraude é investigado por desvio de recursos públicos no combate à Covid em Roraima.

Na operação nesta quarta, são investigadas fraude em licitação, corrupção ativa e passiva, associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informação.

A operação recebeu o nome de Yoasi. Conforme a explicação da PF, na cultura yanomami é o nome do “irmão de Omama e responsável pela morte no mundo”.

Há um ano, em novembro de 2021, o MPF já havia recomendado uma reestruturação no atendimento em saúde na terra yanomami. Os indicadores de saúde pioraram mesmo com a destinação de R$ 190 milhões para assistência aos indígenas, segundo a Procuradoria em Roraima.

De acordo com o MPF, 52% das crianças yanomamis estão desnutridas. Nas comunidades mais isoladas, o índice chega a 80%. Esses indicadores são piores do que os registrados em países do sul da Ásia e da África Subsaariana, onde estão os países com mais desnutrição infantil, conforme a recomendação do MPF.

O quadro crítico é notado também com a malária. Foram 44 mil casos da doença em menos de dois anos, e o cenário é de que toda a população yanomami, de 28 mil indígenas, foi infectada, com descontrole do surto, como descreve o MPF na recomendação em novembro de 2021.

Pelo menos desde junho o Ministério da Saúde deixou faltar cloroquina para o tratamento de indígenas com malária na Amazônia, mesmo com fornecimento sendo apontado como regular pela principal produtora do remédio para a pasta, a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).

A saída encontrada foi a recomendação de uma associação de medicamentos com efeitos colaterais mais intensos, segundo relatos de pessoas que estão na linha de frente do atendimento aos indígenas, e com restrições de uso por gestantes.

A falta de cloroquina para tratamento de malária ocorreu depois de o presidente Jair Bolsonaro (PL) ter colocado em prática o plano de usar o medicamento para o combate à Covid-19.

O Ministério da Saúde afirmou em agosto ter distribuído em julho aos DSEIs “quantitativo suficiente” de cloroquina para tratamento da malária.

Estudos científicos não apontam eficácia de cloroquina contra o coronavírus. Mesmo assim, Bolsonaro seguiu defendendo o uso do medicamento.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/11/desvio-de-medicamentos-para-yanomamis-impacta-10-mil-criancas-e-pf-faz-operacao.shtml

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