Por que povos indígenas devem ser protagonistas na proteção à biodiversidade

Célia Xakriabá

ativista e doutoranda em antropologia social pela UFMG

A ativista e doutoranda em antropologia social pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Célia Xakriabá costuma dizer que os povos indígenas são a solução número 1 para proteger o planeta.
Sua afirmação não é retórica: a ONU (Organização das Nações Unidas) destaca que, embora os povos originários sejam apenas 5% da população global, eles preservam 80% da biodiversidade do mundo e podem fornecer respostas às mudanças climáticas e à insegurança alimentar.

Célia Xakriabá é do povo Xakriabá, comunidade ao norte do estado de Minas Gerais. Em sua aldeia, a conexão dos povos indígenas com a natureza é clara. “Uma vez falei para meu avô: ‘Está tão calor, e a previsão de chuva é só para daqui a 15 dias’. Ele me respondeu: ‘Não, o passarinho está cantando e a são-joão floreou mais cedo esse ano. Vai chover essa noite.’ E choveu. Sabemos observar o tempo, analisar se a semente cai mais cedo e se isso vai ser bom ou ruim para a chuva”, ela diz.


Os povos indígenas podem contribuir para a conservação da biodiversidade porque têm uma relação de parentesco com a terra, se enxergam parte dela. “Produzimos em escala para alimentar o nosso povo sem matar a terra. Afinal, como faremos depois que ela estiver morta? Se ela nos dá alimento, devemos protegê-la”, afirma ela.


Para a ativista, pensar em desenvolvimento sustentável implica discutir bioeconomia das mulheres indígenas, redemocratização do uso da terra, soberania alimentar — e, como ela ressalta, “saborania” alimentar, pois é o sabor que sustenta a identidade. “É pela alimentação de qualidade, sem veneno, que nos fazemos parentes.”


Hoje, 13,8% dos territórios brasileiros são terras indígenas, menos do que a média mundial, que é de 15%, de acordo com artigo de Sonia Guajajara e Eloy Terena publicado em 2021 no jornal “El País Brasil”. E, segundo o Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), enquanto o desmatamento médio na Amazônia foi de 19% entre 2000 e 2014, nas terras indígenas dessa região ele correspondeu a 2%.
Aliás, de acordo com o MapBiomas, as áreas de pastagens destinadas à pecuária — principal uso do solo brasileiro — cresceram 200% na Amazônia entre 1985 e 2020. “Nesse governo anti-humanidade, o verdadeiro Ministério do Meio Ambiente somos nós, povos indígenas”, afirma Xakriabá.


“Onde existe território indígena existe efetividade da lei ambiental e, quando a lei se cala, nossos corpos são a maior barreira ancestral que existe. Não haverá floresta de pé com sangue indígena”, completa a ativista.


Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil. O espaço hoje é de Célia Xakriabá, ativista e doutoranda em antropologia social pela UFMG, entrevistada pela jornalista Clarice Cudischevitch..

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/txai-surui/2022/07/em-defesa-da-floresta-de-pe.shtml

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