Dom Phillips e Bruno Pereira foram vistos pela última vez no domingo (5), na terra indígena Vale do Javari, na Amazônia

Ana Luiza AlbuquerqueMarcelo ToledoRIO DE JANEIRO e RIBEIRÃO PRETO

O desaparecimento do jornalista Dom Phillips, 57, e do indigenista Bruno Pereira, 41, vistos pela última vez na manhã do domingo passado (5), na terra indígena Vale do Javari, no Amazonas, mobilizou a sociedade civil e ganhou repercussão internacional.

As autoridades à frente das investigações ouviram seis pessoas e apuram a possível relação com o caso de um pescador preso na terça-feira (7), por porte de munição ilegal.

Na sexta (10), a Polícia Federal divulgou que encontrou o que pode ser vestígios de material genético humano na região do rio Itaquaí, último lugar onde ambos foram vistos. Já neste domingo (12) bombeiros encontram mochila com notebook em área de busca por desaparecidos.

As Forças Armadas, as forças de segurança do Amazonas e a Polícia Federal seguem as buscas pelos desaparecidos. Veja o que se sabe sobre o caso até o momento.

Quem são o jornalista e o indigenista desaparecidos? Dom Phillips, 57, é um jornalista britânico que se mudou para o Brasil em 2007. Ele trabalhou muitos anos como freelancer para o jornal britânico The Guardian e também escreveu para outros veículos internacionais, como Washington Post, The New York Times, Financial Times e The Intercept.

Phillips tem vasta experiência na cobertura da Amazônia e está escrevendo um livro sobre como salvar o bioma.

O indigenista Bruno Pereira, 41, é servidor de carreira da Funai (Fundação Nacional do Índio) desde 2010, mas pediu licença depois de ter sido exonerado da Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém-Contatados, em outubro de 2019. Seus colegas dizem que ele estava insatisfeito com as dificuldades que tinha para atuar na fundação e que sofria pressão de superiores.

Na Funai, Pereira esteve por anos à frente da Coordenação Regional do Vale do Javari, território sobre o qual tem extenso conhecimento. Em 2019, ele chefiou a maior expedição para contato com os índios isolados em 20 anos. Hoje ele trabalha na ONG Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari).

O jornalista britânico Dom Phillips em stand up paddle no Rio de Janeiro, em 2020
O jornalista britânico Dom Phillips em stand up paddle no Rio de Janeiro, em 2020 – Arquivo pessoal/Alberto Almendariz

Onde e quando eles foram vistos pela última vez? Desaparecidos desde a manhã do domingo passado (5), os dois faziam uma viagem pelo Vale do Javari, segunda maior terra indígena do país, com 8,5 milhões de hectares, no extremo oeste do Amazonas.

Após visita a uma base da Funai no Lago do Jaburu, pararam na comunidade São Rafael para uma reunião com um pescador conhecido como “Churrasco” —conversaram com a esposa dele, já que ele não se encontrava no local.

Em seguida, seguiram viagem pelo rio Itaquaí em direção a Atalaia do Norte, mas desapareceram no trecho. Segundo a Univaja, o trajeto dura cerca de duas horas.

Os dois foram avistados por moradores da comunidade São Gabriel, situada mais adiante no trajeto pelo rio, mas já em uma terceira localidade, conhecida como Cachoeirinha, os relatos obtidos por equipes de busca dão conta de que os moradores não os viram.https://arte.folha.uol.com.br/poder/2022/06/08/trajeto-dom-bruno/?initialWidth=913&childId=infographic-1&parentTitle=Entenda%20o%20desaparecimento%20de%20indigenista%20e%20jornalista%20-%2009%2F06%2F2022%20-%20Poder%20-%20Folha&parentUrl=https%3A%2F%2Fwww1.folha.uol.com.br%2Fpoder%2F2022%2F06%2Fentenda-o-que-se-sabe-sobre-desaparecimento-de-indigenista-e-jornalista-no-am.shtml

Quais os conflitos existentes no Vale do Javari? A terra indígena tem sido frequentemente invadida por garimpeiros, madeireiros, caçadores e pescadores.

ação de narcotraficantes também tem crescido no território, que fica na fronteira com o Peru e a Colômbia.

A região é marcada pela presença do maior número de indígenas em isolamento voluntário do mundo e pela rota de escoamento de tráfico de cocaína do Peru que é distribuída para Brasil, Europa e África.

A violência no território é um problema antigo, mas vem se intensificando desde 2019. Naquele ano, o colaborador da Funai Maxciel Pereira dos Santos, da Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari, foi morto a tiros em Tabatinga (AM).

Entidades de defesa dos povos indígenas também denunciaram oito episódios de violência armada nos últimos anos contra a base de proteção Ituí-Itaquaí, próxima ao local do desaparecimento de Phillips e Pereira.

O jornalista britânico Dom Phillips (à esq.), colaborador do jornal The Guardian, e o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira – Daniel Marenco/Agência O Globo

Um mês e meio antes do desaparecimento, integrantes da Univaja relataram que foram ameaçados de morte na principal praça de Atalaia do Norte, destino da viagem da dupla.

Como mostrou a Folha, três pessoas da ONG foram confrontadas por dois pescadores na noite de 19 de abril. De acordo com o boletim de ocorrência, um deles tentou agredir um indigenista com um soco. Na sequência, outro se aproximou dizendo para não chamar a polícia, pois sabia onde ele morava e iria pegá-lo.

Ainda conforme o relato, o primeiro pescador “estava ameaçando dar um tiro na cara” de um membro da Univaja e disse que “iria acontecer […] o mesmo que aconteceu com o falecido Max”.

Phillips e Pereira foram ameaçados? Advogado da Univaja, Eliésio Marubo diz que o pescador Amarildo Oliveira, conhecido como “Pelado”, preso na última terça-feira (7) por porte de munição ilegal, fez algumas ameaças contra a equipe da entidade no último final de semana. O grupo era acompanhado por Pereira e Phillips.

Dias antes da viagem, Marubo, Pereira e outros membros da Univaja haviam recebido uma carta com ameaças de morte.

O documento fala em acerto de contas. “Sei que quem é contra nós é o Beto Índio e Bruno da Funai, quem manda os índios irem para área prender nossos motores e tomar nosso peixe”, diz o texto, citando também Beto Marubo, um dos coordenadores do grupo.

A carta segue com as ameaças e afirma que “se continuar desse jeito vai ser pior”. Diz, ainda, que esse é o único aviso que os pescadores dariam.

Reportagem do jornal O Globo mostrou que o indigenista Bruno Pereira mapeou há dois meses, para a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, uma organização criminosa que atua na pesca e caça ilegal no Vale do Javari, com indicação do local e fotos dos suspeitos.

Como está o andamento das buscas e quais órgãos participam das operações? As buscas tiveram início no próprio domingo, por integrantes da Univaja. Ao longo da semana, passaram a atuar também o Exército, a Marinha, a Polícia Federal, a Funai e a secretaria de Segurança Pública do Amazonas.

Na noite de segunda-feira (6), o Comando Militar da Amazônia disse que estava a postos para operações de busca, mas que as ações só seriam “iniciadas mediante acionamento por parte do escalão superior”.

O posicionamento e a alegada ausência de ordem superior para as buscas causaram estranhamento e questionamentos da sociedade civil. Pouco depois, o Comando da Amazônia afirmou que também iria integrar a operação.

Na terça-feira (7), organizações que acompanham o caso, entre elas a Univaja, criticaram a omissão das autoridades e a falta de uma força-tarefa dedicada à operação, alegação rechaçada pelas forças de segurança.

No mesmo dia, a Marinha informou que usava um helicóptero do 1º Esquadrão de Emprego Geral do Noroeste, duas embarcações e uma moto aquática. No mesmo dia, foi enviado ao local o reforço de mergulhadores e especialistas em buscas na selva da polícia estadual do Amazonas.

Na noite daquele dia, o Ministério da Defesa divulgou um comunicado afirmando que o Exército emprega desde o desaparecimento cerca de 150 militares especialistas em operações em ambiente de selva.

O superintendente da Polícia Federal, Eduardo Fontes, afirmou na quarta (8) que o efetivo das buscas é formado por 250 agentes dos diferentes órgãos.

Sem sucesso nas buscas após cinco dias, a Univaja pediu ao governo peruano cooperação para ações de busca no território do país vizinho. A demanda foi feita via Embaixada, que respondeu que transmitiu o pedido às autoridades do país.

O que já foi determinado pela Justiça e órgãos internacionais? Provocada pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública da União, a Justiça Federal da 1ª Região determinou, na quarta (8), que o governo de Jair Bolsonaro efetivasse imediatamente a disponibilização de helicópteros, embarcações e equipes.

Em sua decisão, a juíza federal Jaiza Maria Pinto Fraxe, da 1ª Vara Federal Cível do Amazonas, afirmou que já foi constatada a omissão da União diante da proteção de povos indígenas isolados e de recente contato. Ela escreveu, ainda, que a terra indígena Vale do Javari vem sendo mantida em situação de baixa proteção e fiscalização.

Na sexta-feira (10), o Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos cobrou que o governo brasileiro redobre os esforços para encontrar os dois.

Ainda na tarde de sexta, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, deu prazo de cinco dias para que o governo federal apresente informações à corte sobre as providências adotadas.

No sábado (11), também a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) solicitou ao Brasil que redobre seus esforços na busca e ainda que o país informe sobre as ações que estão sendo adotadas para investigação do caso. O prazo para resposta é de sete dias. A medida cautelar foi concedida após solicitação de um grupo de entidades da sociedade civil ao órgão.

O que investigação identificou? No fim da tarde de sexta (10), a PF divulgou que encontrou o que pode ser vestígios de material genético humano na região do rio Itaquaí, último lugar onde Pereira e Phillips foram vistos. O material estava perto do porto de Atalaia do Norte. A amostra será encaminhada para perícia, assim como os vestígios de sangue encontrados na embarcação de um pescador que foi preso.

No domingo (12), bombeiros encontraram uma mochila, notebook e pertences, submersos na área em que ocorrem as buscas. A mochila estava amarrada numa árvore submersa no igapó e os pertences estavam dentro dela. Ela foi entregue à Polícia Federal. Segundo os bombeiros, o modo como os objetos estavam depositados sob a água indica intenção de ocultamento.

Os objetos foram encontrados numa área que tinha sido isolada no sábado (11) pela Polícia Federal, nas margens do rio Itaquaí. Indígenas que auxiliam nas buscas haviam sinalizado que a mata no local tinha sinais de que um objeto de grandes proporções havia adentrado pelo local.

O que o Presidente da República e outras autoridades disseram sobre o desaparecimento? O presidente Jair Bolsonaro (PL) classificou como uma “aventura” não recomendada a viagem de Phillips e Pereira.

“Realmente, duas pessoas apenas num barco, numa região daquela completamente selvagem é uma aventura que não é recomendada que se faça. Tudo pode acontecer. Pode ser acidente, pode ser que tenham sido executados”, disse o presidente em entrevista ao SBT na terça-feira (7).

“[A gente] espera e pede a Deus que sejam encontrados brevemente. As Forças Armadas estão trabalhando com muito afinco na região”, completou.

Nesta sexta, porém, em discurso na segunda plenária da Cúpula das Américas, o presidente buscou responder a críticas que o governo vem sofrendo por sua atuação no caso ao dizer que “desde o último domingo as Forças Armadas e a Polícia Federal têm se destacado na busca incansável para alcançar essas pessoas“.

O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, afirmou na quarta-feira (8) que “não tem a noção do que pode ter acontecido” com os desaparecidos. Segundo ele, a impressão de que houve atraso para o trabalho das Forças Armadas é resultado da dificuldade de acesso ao Vale do Javari.

“O helicóptero mais próximo é de Manaus, e ele estava pronto, na manhã de ontem [7], para levantar voo e atuar na área. A Marinha da mesma forma. Não houve retardo.”

Também na quarta, o secretário da Segurança Pública do Amazonas, general Carlos Alberto​ Mansur, afirmou que não há “indícios fortes de crimes” no desaparecimento. Porém, na mesma entrevista, o superintendente da PF, Eduardo Fontes, disse que nenhuma hipótese está descartada —inclusive a de que ambos tenham sido vítimas de homicídio.

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O pescador Amarildo Oliveira, conhecido como Pelado, foi preso por porte de munição ilegal – Reprodução/TV Globo

Alguém já foi preso suspeito de envolvimento no desaparecimento? O pescador Amarildo Oliveira, 41, conhecido como “Pelado”, foi preso em flagrante na terça-feira (7) por “posse de munição de uso restrito e permitido” —com ele, foram apreendidos balas de fuzil e chumbinhos.

Pelado foi ouvido nas investigações do desaparecimento de Phillips e Pereira e sua possível relação com o caso está sendo apurada.

Na quinta (9), a Polícia Federal identificou vestígios de sangue em sua lancha e enviou o material coletado para Manaus, capital do estado, para ser periciado. A Justiça do Amazonas acatou pedido da PF e decretou a prisão temporária de Pelado por 30 dias.

A Polícia Militar do Amazonas sustenta que Pelado seguiu a dupla pelo rio Itaquaí na manhã do desaparecimento.

Segundo a corporação, testemunhas que viram a lancha dos dois descer o rio rumo a Atalaia do Norte no domingo (5) “avistaram também uma outra lancha de cor verde, com o slogan da ‘Nike’ bem visível, que trafegava no rio, logo após passar a lancha dos desaparecidos”. O barco foi rastreado até ser identificado como sendo do pescador.

De acordo com a Univaja, o pescador tem histórico de ameaças e violências contra indígenas e indigenistas. Eliésio Marubo, advogado da ONG, diz que ele ameaçou a equipe da entidade no último final de semana. O grupo era acompanhado por Pereira e Phillips.

Na tarde de sábado (11), a Folha esteve na comunidade de São Gabriel. Eliclei Oliveira, o Sirinha, irmão de Amarildo, disse não acreditar que Pelado tenha participação no desaparecimento. Segundo ele, o Pelado estava escovando os dentes quando a embarcação com Pereira e Phillips “baixou” o rio. “Ele não saiu [em uma embarcação logo atrás]”, afirmou, contrariando a versão de testemunhas.

Em audiência de custódia em Atalaia do Norte, Pelado disse que foi torturado e agredido por policiais quando foi preso na última terça-feira (7). As suspeitas de tortura foram reveladas pela Agência Pública e confirmadas pela Folha.

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Base da Funai do rio Ituí, na terra indígena do Vale do Javari, no Amazonas – Lalo de Almeida/ Folhapress

Quantas pessoas já foram ouvidas? Até o momento, seis pessoas foram ouvidas nas operações de busca da dupla, sendo cinco na condição de testemunhas e uma na de suspeito —é o caso de Pelado, segundo investigadores.​

Entre as outras pessoas ouvidas, estão os também pescadores Jâneo e Churrasco. Ambos foram liberados na noite da última segunda-feira (6), após o depoimento.

Churrasco é o pescador que Phillips e Pereira tentaram encontrar na comunidade São Rafael, na manhã em que desapareceram.

Quais os próximos passos da investigação? A Polícia Federal encontrou vestígios de sangue na lancha do pescador Amarildo e o material foi encaminhado para ser periciado em Manaus. O mesmo ocorreu com o que pode ser vestígio de material genético humano achado na sexta-feira (10).

Em paralelo, as buscas continuam e não têm prazo determinado para acabar, segundo as autoridades. Os órgãos envolvidos nas investigações criaram um comitê de crise para acompanhar o caso e disseram que informações serão prestadas diariamente.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/06/entenda-o-que-se-sabe-sobre-desaparecimento-de-indigenista-e-jornalista-no-am.shtml

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