Fofoca do Cavalo tem estrutura para cerca de 2.000 pessoas; relatório de associações indígenas expõem descontrole da atividade
Uma operação coordenada pela Polícia Federal na Terra Indígena Yanomami fechou garimpos ilegais ao longo de quatro rios. No maior deles, Fofoca do Cavalo, os agentes se depararam com uma emaranhado de barracos capaz de abrigar 2.000 pessoas, além de mercados, LAN house, restaurantes, prostíbulos e até consultório odontológico.
“Encontramos a estrutura de um município pequeno”, afirma o delegado da PF Adolpho Hugo de Albuquerque.
Era um município alheio à epidemia: um cartaz anunciava o Carnaval dos Garimpeiros 2021. Em outro evento publicizado, um bingo premiou dois revólveres de calibre 357 e duas garrafas de uísque. Um par de cartelas custava 1,5 grama de ouro, a moeda do garimpo.
A operação, que teve apoio da Aeronáutica, do Exército, do Ibama e do ICMBio, apreendeu equipamento de internet, armas, drogas, munição e mercúrio. Os agentes destruíram equipamentos ligados à extração do ouro, como motores.
Com a chegada da operação, via aérea, os garimpeiros fugiram para o mato, deixando para trás cozinheiras e prostitutas. Ninguém foi preso.
A operação ocorreu entre os dias 5 e 14 deste mês e foi batizada de Ianomâmi 709, em referência à ADPF 709 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), referendada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), após provocação da Apib ( Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).
Aprovada em 5 agosto pelo plenário do STF, a ADPF determina que o governo federal adote medidas para conter a disseminação da Covid-19 entre povos indígenas.
DESCONTROLE
“Há mais de 20 mil garimpeiros na Terra Indígena Yanomami”, afirma Dário Kopenawa Yanomami, liderança da associação Hutukara. “Os garimpos estão cada vez maiores. Os policiais federais estão fazendo pequenas operações, mas precisamos de uma ação pesada para fazer a desintrusão do garimpo.”
Um relatório divulgado nesta quarta-feira (25) pela Hutukara e pela Associação Wanasseduume Ye’kwana mostra que, apenas em 2020, os garimpos destruíram 500 hectares da terra indígena, aumento de 30% em relação ao ano anterior.
Além do garimpo em terra firme, que deixa para trás uma terra arrasada, o ouro também é extraído do leito do rio por meio de balsas. A PF recolheu amostras de água para detectar o nível de contaminação de mercúrio. Pesquisa da Fiocruz de 2019 feita em duas aldeias mostrou que 56% dos moradores apresentaram concentrações de mercúrio acima do limite estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
O rio Uraricoera, onde se localiza a Fofoca do Cavalo, concentra 52% da área degradada pelo garimpo. Os yanomamis da região relatam intensa movimentação de embarcações no rio para abastecimento dos garimpeiros, circulação grande de aviões e helicópteros, cobrança de pedágio por garimpeiros para atravessar trechos do rio e contaminação e assoreamento do Uraricoera, berço do mito de Macunaima.
O delegado Albuquerque reconhece que são ações pontuais e que a PF enfrenta limitações. “A gente depende muito da logística, principalmente com relação a aeronaves. Em Roraima, não temos uma aeronave própria. Vem do órgão central, que tem de atender todas as unidades. Mas a nossa ideia é permanecer. O acompanhamento é constante.”
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