Manifestações de transfobia tornaram permanência de codeputada insustentável

Monica Seixas

Codeputada (PSOL-SP) da Mandava Ativista na Assembleia Legislativa de São Paulo

Mandata Ativista, que foi eleita em 2018 para o cargo de deputada estadual em São Paulo, é um projeto democrático, coletivo e diverso. Somos um dos primeiros mandatos coletivos eleitos no país, com uma votação recorde e que, até agora, já apresentou uma enorme variedade de projetos de lei, de requerimentos parlamentares, promoveu reuniões, audiências públicas, encontros comunitários e fiscalizou o Executivo.

Neste momento, somos um coletivo de sete codeputadas, que representam lutas diversas: indígena, negra, mãe, LGBTQIA+, periférica, cultural, educadora e ambiental, entre outras. A mim, que sou uma mulher negra, feminista, socialista, periférica e mãe, cabe a representação institucional do coletivo, no plenário da Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). Fomos eleitas pelo PSOL, a partir do projeto Bancada Ativista e somos oposição ao governo João Doria (PSDB).

Dois pilares sustentam a experiência inovadora que realizamos e que inspirou a multiplicação de mandatos coletivos eleitos em 2020: a coletividade e o comprometimento com o ativismo ligado à classe trabalhadora. A partir deles, equilibramos, em um mesmo coletivo, pessoas que pensam diferente entre si, mas que convivem saudavelmente e geram sínteses inovadoras. Ao mesmo tempo, estabelecemos um limite para a sustentação da unidade, que é a defesa das pautas e do programa político que mereceram o voto dos mais de 149 mil paulistas nas últimas eleições.

A decisão recente de desligamento de Raquel Marques, uma das ex-codeputadas, deu-se em decorrência desses critérios. Além do episódio capital —publicações de viés transfóbico realizadas no Dia da Visibilidade Trans—, um processo de desgaste interno já se acumulava. Após as eleições de 2018 (sem, portanto, a ciência dos eleitores da Mandata), a ex-codeputada, unilateralmente, migrou de partido. Por essa nova legenda, candidatou-se, sem sucesso, a vereadora em 2020. Internamente, passou a defender uma política minoritária em nossa Mandata, que seria pouco comprometida com a denúncia e a oposição ao governo Doria. Também manifestou contrariedade, enquanto mulher branca, em reconhecer o protagonismo, em nosso coletivo, das mulheres indígenas, negras e trans.

As muitas diferenças puderam ser equilibradas por bastante tempo, mas se tornaram insustentáveis perante as manifestações de transfobia. O combate a toda opressão, e à opressão transfóbica em específico, é princípio irrevogável em nossa Mandata, assim como a desconstrução do machismo, do racismo e das injustiças sociais.

Ao contrário do que defendeu em postagens a ex-codeputada, nossa Mandata Ativista não opõe um ativismo ao outro. É porque defendemos as e os trans que defendemos, também, a educação pública, as crianças e as professoras. É porque lutamos contra o racismo e o machismo que estamos ao lado do SUS, dos servidores públicos e de todas as trabalhadoras. E assim por diante, pois nossos inimigos são os opressores, jamais os oprimidos.

Na luta contra a transfobia, especificamente, o PSOL é com muito orgulho o partido de Erika Hilton, de Erica Malunguinho e das recém-eleitas covereadoras Carolina Iara e Samara Shostenes —algumas delas alvos recentes de ataques e tentativas de atentados políticos fascistas, totalmente execráveis.

Não é verdade a acusação dirigida pela ex-codeputada de que algum grupo interno do PSOL exerça controle sobre a coletividade. Pelo contrário, foi ela quem, migrando de partido e de posições políticas, passou a atuar individualmente dentro do coletivo, atentando contra as pautas e os princípios políticos deste. Ao incorrer em discurso transfóbico, quebrou, infelizmente, os últimos laços de unidade com a Mandata. Assim, tornou-se consensual, entre todas as codeputadas, a decisão de seu afastamento.

Convidada a participar de uma última reunião, a ex-codeputada ausentou-se e preferiu promover ataques e desinformações nas redes sociais e na imprensa. Lamento que seja essa a postura adotada por parte de uma ativista importante, mas a quem tem faltado a indispensável prática de reconhecer seus erros e privilégios, inclusive de cor e de classe.

No momento em que o país e o estado de São Paulo atravessam, nada é mais importante do que a atuação dinâmica do ativismo de todos os matizes, em defesa dos direitos sociais e na oposição aos governos, tanto municipal como estadual e federal. É indispensável agir coletivamente e estar do lado certo. Negar o individualismo e jamais transigir com o preconceito ou a discriminação. São esses os nossos princípios na Mandata Ativista —e seguirão sendo. Neste 2021, continuaremos na linha de frente das lutas e mobilizações do povo trabalhador e oprimido, defendendo um mundo mais justo para se viver.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/02/individualismo-e-preconceito-nao-podem-prevalecer-em-mandatos-coletivos.shtml

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