A demissão foi assinada pelo número dois do ministro Sérgio Moro, o delegado de Polícia Federal Luiz Pontel
Neto do cacique Raoni e um de seus mais próximos auxiliares, o caiapó Patxon Metuktire, 34, foi exonerado nesta semana do cargo que exercia na Funai (Fundação Nacional do Índio) em Mato Grosso.
A demissão foi assinada pelo número dois do ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), o delegado de Polícia Federal Luiz Pontel e ocorreu apenas 18 dias depois de Raoni ter organizado um encontro na aldeia Piaraçu, na terra indígena Capoto-Jarina, com mais de 600 indígenas.
O evento na aldeia resultou em uma carta aberta que denunciou riscos de “genocídio, etnocídio e ecocídio” no governo Bolsonaro.
Indagado pela Folha se considera a demissão uma retaliação ao trabalho do avô, Patxon disse que sim.
“O presidente Bolsonaro esteve falando muita coisa do meu avô. Entendo que houve algo [nesse sentido], tanto que não me comunicaram nada, não explicaram nada”, disse o caiapó. Ele não recebeu nenhuma ligação ou mensagem da Funai, em Brasília, explicando a exoneração.
Nomeado para o cargo em dezembro de 2015, Patxon era o coordenador regional Norte de Mato Grosso da Funai em Colíder (MT), um setor relacionado a cinco terras indígenas, cerca de 40 aldeias e 4.000 indígenas de nove etnias diferentes, do norte de Mato Grosso ao sul do Pará. Ele recebia um salário médio líquido de R$ 4.500 mensais.
O novo ocupante do cargo de Patxon será seu próprio substituto interino, um não indígena servidor da Funai oriundo de Franca (SP), que entrou para o órgão indigenista em janeiro de 2018. Patxon disse que o novo coordenador terá seu apoio e confia que ele fará um “bom trabalho”.
No mesmo dia em que a demissão de Patxon foi oficializada em portaria, a indígena Ysani Kalapalo cobrou uma medida do governo contra o neto de Raoni, aparentemente sem saber que a demissão já tinha sido assinada.
Ela foi levada por Bolsonaro para a assembleia da ONU, em setembro, mas é desautorizada com líder pelos caciques do Parque Indígena do Xingu.
Os ataques de Bolsonaro a Raoni começaram depois que o cacique se reuniu com o presidente da França, Emmanuel Macron, em Paris, e com o papa Francisco, no Vaticano, em maio do ano passado.
Na ocasião, Raoni disse que fora procurar apoio e recursos na Europa para financiar atividades de fiscalização e proteção das terras indígenas caiapós no Brasil e que pretendia conversar também com Bolsonaro. O presidente brasileiro, porém, não recebeu o líder caiapó em audiência.
Em julho, Bolsonaro disse que não reconhecia Raoni “como autoridade, uma autoridade aqui no Brasil. Ele é um cidadão, como outro qualquer que nós devemos respeito e consideração. Mas ele não é autoridade”.
Bolsonaro subiu o tom durante o discurso na Assembleia Geral da ONU, em setembro. “Muitas vezes alguns desses líderes, como o cacique Raoni, são usados como peças de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia.”
Em resposta, Raoni disse que Bolsonaro “não tem coração bom” e que o presidente é que “não é liderança e tem que sair [do governo]”. Para o encontro que presidiu na aldeia Piaraçu, Raoni convidou membros do governo, mas nenhum representante foi enviado ao evento.
Patxon Metuktire, ele próprio um líder do movimento indígena jovem, disse que desde 2008 acompanha viagens e atividades do seu avô, funcionando também como seu intérprete.
“Quando o Bolsonaro se elegeu, a gente já sabia que alguma hora ele iria colocar o pessoal dele. Estou muito tempo ao lado do meu avô, acompanhando em reuniões, assessorando, articulando os encontros e recursos em defesa dos povos indígenas”, disse Patxon.
Ele contou que foi indicado pelos caiapós para ocupar o cargo na Funai, quando surgiu a oportunidade, no final de 2015. Tanto Raoni quanto Patxon eram críticos da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, feita pelos governos Lula e Dilma.
“Vou continuar fazendo minha articulação dentro e fora do governo, junto aos municípios, ao governo do estado. Vou estar ao lado do meu povo, da minha comunidade.”
Procurado pela Folha, o Ministério da Justiça e Segurança Pública disse que as informações sobre a exoneração de Patxon deveriam ser buscadas na Funai.
A Folha indagou à Funai se o parentesco de Patxon com Raoni pesou na exoneração do servidor e se as críticas do cacique caiapó tiveram influência na decisão, mas o órgão não respondeu sobre esses dois pontos.
Em nota, afirmou: “Os cargos em comissão e as funções de confiança são de livre nomeação e exoneração por parte do gestor, e devem atender às exigências do decreto nº 9.727, de 15 de março de 2019, que regulamenta critérios, perfil profissional e procedimentos gerais a serem observados para a ocupação dos cargos de Direção e Assessoramento Superiores (DAS) e as Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE)”.
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