Adanilo em cena do filme ‘Noites Alienígenas’, de Sérgio de Carvalho – Divulgação

Celebrado no Festival de Gramado, filme mostra realidade que atinge periferias do Acre e povos indígenas

Leonardo Sanchez

SÃO PAULO

Distante dos morros do Rio de Janeiro e das quebradas de São Paulo, o tráfico surge como alternativa e depois como danação para uma juventude sem perspectiva também num outro canto do país, pouco retratado nas discussões sobre os caminhos da droga até boca, nariz e veias de inúmeros brasileiros.

“Noites Alienígenas”, que estreia nesta quinta-feira (30) nos cinemas, traça por meio da ficção um panorama da tomada das periferias que circundam a Amazônia pelo narcotráfico, com facções que cooptam jovens para suas tropas e bancam o vício, que chega até os povos originários.

Foi sob a bandeira de levar às telas uma realidade constantemente ignorada que a produção desbancou o queridinho “Marte Um” no último Festival de Gramado para embolsar não apenas o Kikito de melhor filme do júri, mas também os de melhor filme da crítica, ator, para Gabriel Knoxx, ator coadjuvante, para Chico Diaz, e atriz coadjuvante, para Joana Gatis. Recebeu ainda uma menção honrosa para Adanilo, ator indígena que vive um jovem tomado pelo vício.

érgio de Carvalho, diretor e roteirista do filme, baseado em seu livro homônimo, foi tomado de surpresa quando viu as estatuetas do deus com cabeça de sol se enfileirando naquela cerimônia. “Noites Alienígenas”, além de sua estreia na direção, é o primeiro longa da história do Acre produzido para o cinema, o que o levou a Gramado num clima de desapego, de alegria apenas por ter sido selecionado.

Com orçamento minúsculo, desbancou gente com histórico muito maior no audiovisual e, de quebra, conseguiu suscitar uma conversa que o Brasil parece ignorar. “Numa sessão, vieram me dizer que o filme furou a bolha. Não só ao levar essa realidade para fora do estado, mas também ao furar uma bolha que existe dentro do próprio Acre, onde as pessoas estão distantes do que vem acontecendo na periferia”, diz.

Depois de se formar em cinema no Rio, há cerca de 20 anos, Carvalho foi ao Acre a trabalho e se encantou pelo que viu. Cercado de matéria-prima mal explorada pelo audiovisual, decidiu fincar raízes na capital Rio Branco. Mas também foi com choque que ele percebeu a presença avassaladora do narcotráfico na região, e decidiu pôr o que viu nas páginas.

Uma década depois, quando “Noites Alienígenas”, o livro, estava sendo adaptado para o cinema, a realidade já era outra, muito mais violenta e opressora. No meio tempo, o crime organizado tinha tomado conta do tráfico mais “familiar”, que imperava, e grupos como o PCC e o Comando Vermelho desembarcaram ali depois que a rota das drogas para dentro do Brasil trocou o Centro-Oeste pelos caminhos furtivos da floresta.

Por ser tão calcado na realidade, “Noites Alienígenas”, o filme, parece até mesmo lidar com personagens reais, com conhecidos de Carvalho. A trama segue um rapaz vivido por Gabriel Knoxx, em sua estreia como ator, que trabalha para um traficante das antigas, este interpretado por Chico Diaz, que age sozinho e adota um tom paternal com o garoto.

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O protagonista se envolve com a moça interpretada por Gleici Damaceno, vencedora do Big Brother Brasil de 2018, que teve um filho com um rapaz indígena, Adanilo. Ele se rende às drogas e, consumido pelo vício e carente de dinheiro, se envolve com o tráfico barra pesada.

Curiosamente, Carvalho conta ter buscado poucas referências em filmes brasileiros sobre o tráfico, tão frequentes entre aqueles que filmam no eixo Rio-São Paulo. Ele relutou em entrar na onda do favela movie, subgênero que lida com o tema, porque “Noites Alienígenas” não tem sangue, quase não tem arma e prefere o simbolismo.

Por isso, as influências que se sobressaíram foram “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”, de Steven Spielberg, e “Mala Noche”, de Gus van Sant.

O primeiro aparece numa espécie de realismo fantástico que guia a trama, com a brincadeira extraterrestre do título se fazendo presente na abdução da juventude local por forças vindas de fora e nas alucinações que a droga provoca, misturando ficção científica e o misticismo dos povos originários locais.

O segundo, nas relações passionais que conectam os personagens, que nem sempre parecem falar a mesma língua. Nesse choque de culturas, floresta e cidade também se encontram, numa Amazônia urbana que é pouco vista e discutida, mas que tem seus problemas, como “Noites Alienígenas” deixa claro.

NOITES ALIENÍGENAS

  • Quando Estreia nesta quinta (30), nos cinemas
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Chico Diaz, Gabriel Knoxx e Adanilo
  • Produção Brasil, 2022
  • Direção Sérgio de Carvalh

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/03/noites-alienigenas-com-vencedora-do-bbb-denuncia-rota-do-trafico-na-amazonia.shtml

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