Manto tupinambá costurado por Glicéria Tupinambá – Divulgação

Peça sagrada foi costurada pela pesquisadora indígena Glicéria Tupinambá, após estudo do traje histórico que retorna ao Brasil


Alessandra Monterastelli

SÃO PAULO

Os indígenas tupinambás tecem mantos há séculos, vestes sagradas usadas em rituais específicos pelo pajé, cacique e pelas sacerdotisas da aldeia. Onze peças sobreviveram ao tempo desde a sua concepção por volta do século 16 e, hoje, todas elas estão na Europa.

Um desses mantos ganhou notoriedade em julho deste ano, quando o Museu Nacional do Rio de Janeiro anunciou que receberia uma doação do Museu Nacional da Dinamarca, o Nationalmuseet, após a conclusão de negociações que se estendiam havia dois anos. O majestoso manto de penas vermelhas de guará, datado do século 17, estará de volta ao Brasil no ano que vem.

Mas o intervalo de séculos foi interrompido quando, em 2006, Glicéria Tupinambá, ativista e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, costurou o primeiro manto se inspirando nos saberes de seus antepassados. Depois que visitou o manto rubro na Dinamarca, ela foi incumbida, em sonho, de retomar a costura dos mantos com o mesmo ponto de costura daquele com 400 anos de idade.

Agora, o último manto que fez, de 2021 e com quase 4.000 penas, ganha uma exposição itinerante em São Paulo. De setembro a outubro, a veste passará pela Casa do Povo, centro cultural no Bom Retiro, pela aldeia Kalipety, pelo Museu das Culturas Indígenas, pela Pinacoteca, pelo Museu do Ipiranga e pela Ocupação 9 de Julho.

“O manto foi feito para as mulheres indígenas que o usavam”, diz Tupinambá. “A exposição é itinerante para despertar a memória da participação dos tupinambás na história do Brasil.”

Segundo Benjamin Seroussi, curador e diretor artístico da Casa do Povo, deixar o manto exposto num mesmo lugar por três meses seria prender a veste, um agente com memórias próprias para o povo tupinambá.

“O manto é um agente para os tupinambás dialogarem com o mundo dos encantados. Ele não é só um objeto a ser exposto, mas um ente, e por isso precisa estar em movimento”, diz Seroussi. “Para mim, é como se ele estivesse morando na Casa do Povo por um tempo.”

O manto costurado por Glicéria Tupinambá é diferente daquele rubro que, em breve, estará no Rio de Janeiro. Formado por penas douradas, pretas com bolinhas brancas, azuis, brancas e laranjas, a veste parece mais curta, mas também tem um capuz.

A pesquisadora Glicéria Tupinambá
A pesquisadora Glicéria Tupinambá – Divulgação

Com um fio de algodão selado por cera de abelha, Tupinambá junta as penas uma a outra. Algumas foram colhidas por crianças que, curiosas, as acharam no chão da aldeia. “O manto envolve várias pessoas e vários saberes”, ela diz.

“Ele não parece exatamente o manto de pena de guará, mas, 500 anos depois da invasão, o manto não poderia voltar a ser igual. A Glicéria não tentou imitar o manto antigo, mas reencontrar o gesto para chegar ao que foi feito”, diz Seroussi, da Casa do Povo.

Classificar a arte feita por indígenas como contemporânea, segundo Seroussi, pode ser uma faca de dois gumes. “Elas [as produções indígenas] correm o risco de serem domesticadas e ocidentalizadas, porque são levadas a entrar em cânone que dialoga mais com a produção europeia. Por outro lado, também promovem a variação [nos museus] e permitem outros caminhos para se pensar a arte.”

O curador diz que o manto é exposto em boa hora, quando a discussão em torno das mudanças climáticas e da demarcação de terras indígenas estão em alta. Segundo Glicéria Tupinambá, um manto chama o outro, e em breve ambos estarão reunidos no Brasil.

MANTO EM MOVIMENTO

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/09/novo-manto-tupinamba-parente-da-peca-que-volta-ao-brasil-ganha-exposicao.shtml

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