Treze ONGs denunciaram nesta sexta (22) à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) o que caracterizam como um desmonte ambiental e um cenário de alto risco a defensores ambientais no Brasil.
As organizações, entre as quais a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos, a Justiça Global e a Plataforma Dhesca, afirmam que o país é historicamente um dos que mais matam ativistas e salientam que a postura do governo Bolsonaro agrava um quadro de “perseguição e criminalização por parte dos agentes estatais”.
Os argumentos apontam que o governo, ao asfixiar a legislação socioambiental, favorece um cenário de vigilância e perseguições a ativistas. São mencionados o sucateamento de instituições públicas voltadas para a defesa do ambiente e a omissão no combate a ilegalidades e crimes ambientais.
Falas preconceituosas de Bolsonaro também são caracterizadas como discursos racistas. As ONGs apontam, ainda, outro possível desdobramento dessa postura: espraiar pela administração pública ações que contrariem os direitos humanos, em especial os relacionados a populações indígenas e quilombolas.
“Esse posicionamento político-institucional do governo implica diversas consequências no plano das ações dos Executivos de estados e municípios que, em muitos casos, irão reproduzir no âmbito local a postura da União, instituindo um contexto de absoluta desproteção do ambiente e de seus defensores.”
O evento durante o qual é feita a denúncia integra o 181º período de audiências públicas da CIDH, que teve início de modo virtual na segunda (18) e vai até o dia 29. Os encontros já trataram, entre outros temas, do desaparecimento forçado de pessoas em El Salvador e do direito à manifestação pública em Cuba.
Em 2020, o Brasil figurou em quarto lugar no ranking da ONG Global Witness que monitora assassinatos de defensores da terra e do ambiente. Foram 20 ativistas assassinados, a maioria de comunidades tradicionais. Desde 2002, quando o levantamento começou a ser feito, 697 ativistas foram mortos no país.
Para compor a denúncia levada à CIDH, braço consultivo da Organização dos Estados Americanos (OEA), foram resgatados alguns episódios dos quase três anos de governo Bolsonaro. Um deles é o da intimação de Sônia Guajajara a prestar depoimento sob acusação de difamar o governo federal, em abril.
Após coletar as denúncias, a CIDH deve emitir recomendações ao Estado brasileiro sobre o tema. Outra possibilidade —essa mais rara— é a realização de uma visita ao país para analisar a situação.
Na denúncia, as ONGs mencionam ainda o caso do Quilombo Santa Rosa dos Pretos, em Itapecuru-Mirim, no Maranhão, onde lideranças têm sido convocadas a depor num processo que envolve uma propriedade instalada no território indígena. A fazenda em questão foi desapropriada em 2015 e ainda precisa passar pelo processo de desintrusão —a retirada dos ocupantes, uma das etapas finais da desapropriação.
As organizações brasileiras afirmam que “a morosidade e a omissão do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] em executar os processos de titulação [demarcação de terras] têm levado a um acirramento de conflitos, violência e mortes de lideranças negras, defensoras de seus territórios”.
Durante o governo Bolsonaro, houve ainda uma paralisação no processo de reforma agrária. No caso de territórios quilombolas, somente três foram demarcados, e o movimento de ações do tipo é o menor da série histórica, iniciada em 2005.
Um processo de “vigilância e perseguição” também é descrito pelas 13 organizações, que se referem especificamente a autarquias ambientais como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Ainda em 2019, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), então liderado por Ricardo Salles, impôs uma mordaça às autarquias, fazendo com que demandas enviadas às assessorias de comunicação dos órgãos fossem diretamente encaminhadas à pasta.
“Nenhum governo brasileiro foi bom [para os indígenas], e, para alcançar políticas públicas, sempre foi necessária a mobilização do movimento indígena. Mas é a primeira vez que temos um governo que se declarou inimigo dos indígenas e faz campanha de ódio e radicaliza um preconceito que nunca acabou.”
Comentários