Fake news têm desencorajado imunização entre povos originários
Até o fim de janeiro, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, confirmou 41.251 casos de Covid-19 entre as comunidades indígenas do Brasil, com 541 mortes. A despeito de tal informação, organizações indígenas afirmam que o número é muito maior —aproximadamente três vezes superior ao relatado, em função de não considerar indígenas que vivem fora dos territórios homologados.
Um estudo da Coordenação das Organizações Indígenas Brasileiras (Coiab) e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) mostrou que indígenas têm sofrido com maiores taxas de mortalidade pela Covid-19 em relação à população em geral. Como afirma Sonia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), “nós estamos sendo vacinados primeiro porque somos vulneráveis, corremos o risco de extermínio com essa pandemia”. Ela complementa: “O plano de vacinação ainda é muito excludente e acaba não contemplando metade da população indígena porque considera apenas os que estão nas aldeias, cadastrados no sistema da Sesai”.
Ainda que o plano de vacinação do Brasil tenha estabelecido prioridade às comunidades indígenas, as controvérsias em torno das vacinas estão afetando a adesão dos povos originários. Em meio às dificuldades em garantir o plano de vacinação, na Terra Indígena Arariboia, na Amazônia maranhense, pastores da Igreja local da Assembleia de Deus estariam desencorajando os grupos originários a tomar as vacinas, sob argumentos de que ela viria com um chip ou que a “vacina não é de Deus”, como afirma Nara Baré, coordenadora-geral da Coiab. Narrativas similares têm sido encontradas em pastores de outras regiões com populações indígenas, como Itacoatiara, região do rio Urubu, Manaus, Xingu (Mato Grosso) e Rondônia.
Beto Marubo, da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava), afirmou que “aldeias já disseram à Sesai que não irão aceitar a vacina”. A comunicação de líderes evangélicos é feita muitas vezes por rádio, o que torna ainda mais efetiva e abrangente a mensagem nas comunidades indígenas.
Nesse contexto, percebemos que a lógica das relações entre povos colonizadores e colonizados ainda permanece depois de 200 anos de Independência do Brasil. É evidente que tais processos não ocorrem de forma unilateral e não desembocam em uma dominação total de uma parte e uma submissão e servilismo da outra. Tais relações e processos são ambíguos, complexos, já que as narrativas e visões de mundo cristãs passam a compor a identidade dos povos indígenas.
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