Homem teve prisão temporária decretada pela Justiça; Bolsonaro diz que ‘lamenta pelo pior’
João GabrielRafael BalagoBRASÍLIA e LOS ANGELES (EUA)
A Polícia Federal afirmou nesta quinta-feira (9) que encontrou vestígio de sangue no barco de Amarildo, pescador conhecido como Pelado e que, segundo testemunhas, seguiu o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips antes de eles desaparecerem no último domingo (5).
“A prisão temporária já foi requerida e o material coletado está a caminho de Manaus”, disse a PF. A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Pelado. Mais tarde, durante a noite, a Justiça do Amazonas afirmou que acatou o pedido e decidiu pela prisão temporária por 30 dias.
A Justiça diz que esse período pode ser prorrogado por mais 30 dias e que o processo corre em segredo “por estar relacionado a crime hediondo”, explicitando o fato de que considera a possibilidade de ter ocorrido um homicídio.
O indigenista e o jornalista inglês desaparecerem quando transitavam pelo Vale do Javari rumo à cidade de Atalaia do Norte.
Segundo a Polícia Militar do Amazonas, foi avistada seguindo eles a lancha de Pelado, um pescador da região que, segundo a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), tem histórico de ameaças e violências contra indígenas e indigenistas.
Pelado foi preso nesta semana, mas sob outra acusação. Ele foi abordado na comunidade de São Gabriel —a mesma onde o indigenista e o jornalista foram avistados pela última vez— em razão da identificação de sua lancha, mas preso em flagrante por manter munição de fuzil e calibre 16, que são de uso restrito.
Após encontrar vestígio de sangue na lancha dele, a PF ainda precisará confirmar de que se trata de sangue humano —e, neste caso, tentar verificar se há relação com os dos desaparecidos.
Segundo a PF, a operação de buscas pelos desaparecidos custou até agora R$ 684 mil. Pelado é uma das seis pessoas que até agora haviam sido ouvidas na investigação.
Nesta quinta, o presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que as chances de achar Pereira e Philips diminuem a cada dia. Ele afirmou que lamenta “pelo pior”, embora peça a Deus para que estejam vivos.
“Não tenho notícia do paradeiro deles. A gente pede a Deus para que sejam encontrados vivos, mas a gente sabe que a cada dia que passa essas chances diminuem”, afirmou o mandatário em Los Angeles, onde participa da Cúpula das Américas.https://player.mais.uol.com.br/?mediaId=17064553&onDemand=true
“Agora, eles entraram numa área, não participaram a Funai [Fundação Nacional do Índio]. Tem um protocolo a ser seguido, e naquela região normalmente você entra escoltado. Foram para uma aventura. A gente lamenta pelo pior”, disse.
“Desde o primeiro dia, quando foi dado o sinal de alerta, a Marinha entrou em campo e, no dia seguinte, as Forças Armadas e a Polícia Federal. Tem quase 300 pessoas nessa procura, dois aviões, helicópteros, barcos”, afirmou Bolsonaro, em meio às críticas pela demora nas buscas.
Em resposta às pressões, o presidente afirmou, em uma rede social, existirem “oportunistas [que] só querem se promover com o caso”.
O pescador que teve sua prisão temporária pedida nesta quinta era defendido por dois procuradores dos municípios de Atalaia do Norte e Benjamim Constant. Ronaldo Caldas e Davi Barbosa de Oliveira deixaram o caso após o jornal O Globo revelar a ligação.
“Embora não tivesse relação com o cargo de procurador, visto que se tratava de uma causa particular, achei por bem deixar a defesa do Amarildo”, disse Davi Barbosa ao jornal carioca.
A Prefeitura de Atalaia do Norte informou que Caldas foi procurado pela família de Pelado para que ele defendesse o suspeito e que os serviços prestados pelo defensor não tinham relação com a gestão municipal, pois ele “também atua como advogado particular”.
De acordo com a administração, não há nenhum impedimento ou incompatibilidade “que prive o advogado de exercer suas atribuições legais”.
“Vale ressaltar que o município de Atalaia do Norte possui um número limitado de advogados, com apenas dois profissionais do ramo residindo na cidade”, diz o governo. A Prefeitura de Benjamin Constant não se pronunciou.
Dentre as outras pessoas ouvidas na investigação, estas na condição de testemunhas, estão os também pescadores Jâneo e Churrasco —ambos foram liberados na noite da última segunda-feira (6), após o depoimento.
Churrasco, inclusive, é quem Pereira e Phillips iriam encontrar na manhã de domingo, quando retornavam de uma viagem. Eles chegaram a passar pela comunidade de São Rafael, onde ele vivia, mas não o encontraram.
Então seguiram viagem de retorno para a sede do município de Atalaia do Norte, mas, no meio do caminho, desapareceram.
Segundo Eliésio Marubo, advogado da Univaja, Pelado “fez algumas ameaças contra a equipe” da entidade no último final de semana. O grupo era acompanhado por Pereira e Phillips.
Dias antes da viagem, Marubo, Pereira e outros membros da Univaja haviam recebido uma carta com ameaças de morte.
Antes ainda, no meio de abril, membros da Univaja relataram em boletim de ocorrência, revelado pela Folha, que pescadores os ameaçaram de morte em público, na principal praça de Atalaia do Norte.
Segundo o documento, os pescadores tentaram agredi-los com socos e disseram que dariam “tiro na cara” deles, além de sentenciarem que eles teriam o mesmo fim que o servidor da Funai morto a tiros em 2019.
As possíveis evidências de sangue são os primeiros desdobramentos concretos do caso, que vem sendo conduzido sob pressão nacional e internacional. Também nesta quinta, a chefe da embaixada Britânica no Brasil, Melanie Hopkins, afirmou que seu governo vem dando apoio à família de Phillips neste momento que ela chamou de angustiante.
“Estamos profundamente preocupados que o jornalista britânico Dominic Phillips e o indigenista Bruno Pereira ainda não tenham sido encontrados”, afirmou.
“Entendemos que a localização remota da região impõe desafios logísticos consideráveis e já solicitamos ao governo brasileiro que faça todo o possível para apoiar a investigação do caso. Agradecemos a assistência prestada até o momento”, completou.
O pronunciamento acontece às vésperas da Cúpula das Américas, que teve sua abertura nesta quinta.
Antes, na última terça-feira (7), a liderança indígena Sonia Guajajara, coordenadora da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), se encontrou com o assessor especial dos Estados Unidos, John Kerry, e criticou a ação do governo Bolsonaro no caso até então.
Ela divulgou o encontro que teve com o americano nesta terça, acusando o governo de omissão no caso e contando que pediu a Kerry um posicionamento da Casa Branca sobre a violência no Brasil com os indígenas.
“Acabei de encontrar o enviado especial do Clima do governo Biden aqui no evento da Time e tive a oportunidade de falar sobre o desaparecimento do Dom e Bruno no vale do Javari, pedi a ele um posicionamento”, escreveu Guajajara, que é pré-candidata a deputada federal pelo PSOL.
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