Estar nas cidades não significa que queremos a cultura do “não indígena”

Dentre os preconceitos contra os povos indígenas, há a ideia de que os que estão em contexto urbano não mais o são, como se isso fosse possível —ou que perderam ou até mesmo estariam negando sua cultura.

Tal percepção contra os indígenas que vivem nas cidades, muitas vezes em busca de estudo, saúde ou por terem sido expulsos de suas terras, se reflete em uma política excludente de Estado que não apenas nega suas identidades, mas, também, o acesso a direitos básicos. Tais populações sofrem com a omissão do Estado quando se trata de políticas públicas especializadas e asseguradas por lei aos povos originários.

Essa situação ficou claramente evidenciada durante a pandemia de Covid-19, na qual os indígenas que vivem nas cidades tiveram direitos negados. Mesmo fazendo parte do grupo prioritário de vacinação, não puderam se imunizar por não se encontrarem em seus territórios, ainda que estejam entre os mais impactados pelo vírus.

Essa omissão afeta não apenas os indígenas em contexto urbano, mas também as comunidades que não têm suas terras demarcadas e homologadas e também sofrem com a desassistência e a omissão.

Ainda como espaços de exclusão, as cidades empurram essas populações para as periferias, onde permanecem à mercê da omissão do Estado em relação ao acesso às políticas públicas —e são alcançadas, ainda, pelo racismo ambiental.

A presença indígena em centros urbanos atravessa o ideal do que é ser indígena, nos fazendo refletir sobre as cidades e os territórios e a presença dos povos originários nesses locais que anteriormente eram terras indígenas —pois lembremos que não fomos nós que invadimos a cidade, ela foi erguida em um território que sempre foi originário.

A ideia de que os povos indígenas só são indígenas se estiverem dentro de suas terras precisa ser superada para que possamos oferecer a essa população políticas especializadas que são suas por direito.

Pois nos são asseguradas educação e saúde diferenciadas e que respeitem nossas culturas e tradições.

Para além disso, é necessário superar a tutela sobre o destino dos indígenas, permitindo que possamos garantir nossas culturas, cosmovisão e identidades onde quer que queiramos estar.

Precisamos superar ainda a ideia de que entre cidade e território não possa haver trocas culturais e que culturas são imutáveis. Nossas culturas e tradições já se transformaram diversas vezes desde a colonização, mas nunca nos fizeram perder a essência de quem somos e nossa conexão com a natureza.

Estar na cidade não significa que queremos agora a cultura do “não indígena”, mas que podemos seguir sendo quem somos e contribuindo onde quer que estejamos.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/txai-surui/2023/01/preconceitos-urbanos.shtml

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