ONG fez sobrevoos nos territórios kayapó, mundurucu e yanomami e registrou atuação de maquinário pesado fabricado por empresas de diferentes países

Vinicius Sassine

MANAUS

O Greenpeace fez sobrevoos nas três terras indígenas da Amazônia mais impactadas pelo garimpo ilegal de ouro e registrou a existência de 176 escavadeiras hidráulicas operando ilegalmente na exploração do minério. O levantamento compreende o período de 2021 a março de 2023.

O mapeamento inédito feito pela ONG identificou quem são os fabricantes desse maquinário pesado. Uma única máquina tem capacidade de executar em 24 horas uma escavação que três homens levariam 40 dias para concluir.

A presença de escavadeiras nas TIs (terras indígenas) Kayapó e Mundurucu, no Pará, e Yanomami, em Roraima, garante a exploração ilegal de ouro em larga escala, com ampla devastação dos territórios e impactos irreversíveis às comunidades.

Escavadeiras operadas por garimpeiros ilegais na Terra Indígena Kayapó, no Pará, fotografadas pelo Greenpeace – Marizilda Cruppe/Greenpeace

No relatório, o Greenpeace afirma que a comercialização de escavadeiras nessas áreas precisa ser interrompida; que dispositivos de GPS devem ser acionados para impedir a operação das máquinas em terras indígenas; e que áreas destruídas devem ser restauradas e comunidades, indenizadas por esses fabricantes.

Das 176 escavadeiras detectadas, 75 (42,6%) foram fabricadas pela Hyundai HCE Brasil, segundo a ONG. A Hyundai é sul-coreana e tem uma fábrica de equipamentos pesados em Itatiaia (RJ).

O levantamento mostra a presença de 58 escavadeiras da Hyundai na TI Kayapó e outras 17 na TI Mundurucu. É a marca recordista entre equipamentos de exploração ilegal de ouro nesses territórios.

A reportagem enviou questionamentos à empresa pelo canal disponível e não houve respostas.

Na sequência do ranking de maquinários, aparece a chinesa LiuGong, com 25 escavadeiras nos territórios kayapó e mundurucu, e a norte-americana Caterpillar, com 20, das quais 4 foram encontradas na terra yanomami.

A LiuGong, em nota, disse que não vende seus produtos diretamente aos clientes finais. “As máquinas referenciadas podem muito bem ser usadas, de segunda mão ou até mesmo objetos de furto e roubo.”

Segundo a empresa, nem todas as escavadeiras têm sistema de rastreamento. No maquinário que possui o sistema, é preciso haver aprovação e consentimento do cliente, conforme a LiuGong. “As máquinas utilizadas em operações ilegais certamente têm seu equipamento de rastreamento desativado ou removido pelos criminosos.”

O fabricante chinês afirmou ainda que não comercializa retroescavadeiras no Brasil há pelo menos três anos. “A LiuGong reforçará a comunicação a todos os funcionários, distribuidores e representantes na região amazônica para que, uma vez que tenham ciência de atos ilegais, reportem imediatamente às autoridades.”

A Caterpillar não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Desde 20 de janeiro, o território yanomami está sob intervenção do governo federal. O governo Lula (PT) declarou estado de emergência em saúde pública na área, em razão da crise humanitária, sanitária e de saúde enfrentada pelos indígenas.

A invasão de mais de 20 mil garimpeiros, aceita e estimulada pelo governo Jair Bolsonaro (PL), provocou uma explosão de casos de malária e de doenças associadas à fome, como desnutrição grave, diarreia aguda, pneumonia e infecções respiratórias. A desassistência em saúde indígena durante a gestão Bolsonaro agravou a crise.

Em fevereiro, teve início uma operação de PF (Polícia Federal), Forças Armadas e Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para tentar retirar os invasores do território.

As outras marcas com mais escavadeiras detectadas nas terras indígenas Kayapó e Mundurucu, conforme o levantamento, são a chinesa Sany (10), a norte-americana Link-Belt (10) e a sueca Volvo (9).

A Sany no Brasil afirmou que não vende máquinas para garimpos ilegais e que repudia o uso desses equipamentos em atividades ilícitas.

A Link-Belt também disse, em nota, que não comercializa produtos para atividades ilegais. “Nos sentimos responsáveis por todas as máquinas Link-Belt vendidas, estejam elas trabalhando em qualquer tipo de operação e em qualquer lugar do mundo. Fabricamos um produto para que ele seja utilizado em conformidade com a lei.”

Segundo a empresa, é impossível fazer o controle do uso dos produtos, sendo o proprietário o responsável pela destinação da escavadeira. A intermediação com os clientes finais cabe às distribuidoras, conforme a Link-Belt.

A nova série de escavadeiras tem um sistema de telemetria, o que não existia na série anterior. Isso permite uma “redução do risco de uso indevido”, segundo a empresa. A escavadeira pode ser localizada, desde que o operador da máquina não desative o serviço.

A Volvo não respondeu aos questionamentos da Folha.

Imagem aérea de máquinas cavando terra em área de garimpo
Escavadeiras em área de garimpo ilegal na Terra Indígena Mundurucu (PA), fotografadas pela ONG Greenpeace – Marizilda Cruppe/Greenpeace

O relatório do Greenpeace aponta ainda a presença de uma revendedora de escavadeiras da Hyundai, a BMG Comércio de Máquinas, em cidades do Pará próximas às TIs Kayapó e Mundurucu.

“Ao olhar o mapa das revendedoras, é possível constatar um padrão: a BMG estabeleceu concessionárias e instalações nas proximidades das três terras indígenas analisadas neste estudo”, cita o relatório. “Aparentemente a empresa se orgulha de receber uma clientela garimpeira que deseja se manter atualizada com o que há de mais moderno em maquinário pesado.”

A BMG tem representação em Itaituba (PA) e Jacareacanga (PA), cidades próximas da terra mundurucu; em Ourilândia do Norte (PA) e Redenção (PA), municípios que circundam a terra kayapó; e em Boa Vista, base de operadores da logística do garimpo ilegal na terra yanomami.

“Não vendemos escavadeiras para garimpos ilegais ou legais”, disse a BMG, em nota. “Comercializamos escavadeiras para pessoas físicas e jurídicas, cuja atividade não nos cabe aferição legal.”

A empresa não atua apenas no Pará e em Roraima, mas também em São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e, em breve, em Goiás, conforme a nota. “A estratégia de implantação de filiais se atém ao parque de máquinas existentes nos estados.”

Na região do alto rio Tapajós, há centenas de garimpos legais, cooperativas, atividade agropecuária e de infraestrutura que fazem uso de escavadeiras, segundo a BMG.

“Não fechamos os olhos à realidade de que alguns dos equipamentos vendidos foram utilizados de maneira irregular pelos seus respectivos proprietários, razão pela qual, ao vender um equipamento novo no Pará e em Roraima, entregamos uma cartilha que acompanha o ‘kit viveiro’ e aborda informações básicas para recuperação ambiental”, disse a empresa.

Nas três terras indígenas, o garimpo ilegal degrada uma área de mais de 25 mil hectares. Segundo o Greenpeace, a exploração de ouro segue avançando. Nos três primeiros meses de 2023, os novos alertas de degradação atingem 532 hectares nos três territórios.

A ONG também aponta impacto do garimpo ilegal em 768 km de rios na terra kayapó, 725 km na mundurucu e 300 km na yanomami, até dezembro de 2022.

“Esses rios, além de sofrerem com o assoreamento, foram contaminados por mercúrio e acabaram por se constituir numa ameaça à sobrevivência física e cultural dos povos afetados e à saúde de grande parte dos quase 30 milhões de pessoas que vivem na Amazônia”, cita o relatório.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2023/04/terras-indigenas-mais-impactadas-por-garimpo-tem-176-escavadeiras-em-dois-anos-aponta-greenpeace.shtml

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