Priscila Queiroz foi uma das vítimas dos ataques a duas escolas na cidade do Espírito Santo
VITÓRIA
Foi na fé e no poder de sua ancestralidade que a professora indígena Priscila Queiroz buscou força para lutar pela vida após ser atingida por três tiros nos ataques que deixaram quatro mortos em duas escolas de Aracruz, no Espírito Santo, no último dia 25.
E é no amor e na educação que Priscila agora promete depositar sua dedicação para superar o trauma.
“Fomos atingidos em cheio por uma cultura do ódio. Mas o amor é quem dá a última palavra, pois ele sempre vence. E como educar é amar, essa vai ser a minha motivação agora. Precisamos persistir na educação e mostrar que ela é libertadora, que ela salva e edifica. É assim que vamos vencer”, diz a professora de língua portuguesa.
Priscila Queiroz tem 40 anos e é indígena da etnia Tupiniquim, nascida e criada na aldeia Caieiras Velha, onde vivem cerca de 700 famílias.
O município de Aracruz, onde os ataques ocorreram, é reconhecido pela grande concentração de povos originários, inclusive descendentes diretos do grupo de indígenas que vivia no litoral brasileiro quando os portugueses chegaram ao país.
“Meu povo é resiliente e está há séculos lutando pela sobrevivência. A luta presente na minha ancestralidade me fortaleceu”, afirma ela.
Há dois anos lecionando na escola Primo Bitti, ela conta que no dia do ataque a sala dos professores estava cheia devido ao horário de recreio.
“Estávamos prestes a voltar para a sala de aula, conversando, batendo papo, na tranquilidade. De repente, ouvimos um barulho que ninguém entendia de onde vinha. Era tiro. Ele chegou sem dizer nada, já atirando. Foi tudo muito rápido, mas ao mesmo tempo parece ter durado uma eternidade. Eu não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo.”
Priscila estava em uma mesa, de costas para o atirador, quando recebeu o primeiro tiro, nas costas. O disparo atravessou sua clavícula e a professora caiu.
“Enquanto eu caía, ele me deu outro tiro. Fiquei de bruços e, quando olhei, vi que ele estava abatendo um a um, atirando até matar. Quando ele saiu, me arrastei para debaixo da mesa, com medo de ele voltar.”
A professora relata que sentiu muita dor e uma dormência e, por algum tempo, não conseguiu mexer as pernas. “Eu estava em uma poça do meu próprio sangue, tentando me manter acordada. Uma colega caiu do meu lado e infelizmente veio a óbito.”
Em apenas 57 segundos, o adolescente de 16 anos efetuou 30 disparos, matando três professoras e ferindo outras cinco.
Priscila foi socorrida e levada a um hospital particular a cerca de 24 quilômetros da escola. Teve alta quatro dias depois.
Agora, sentindo menos dores a cada dia, Priscila diz que também está se curando psicologicamente com a enxurrada de amor e apoio que vem recebendo de familiares, amigos e desconhecidos. Ela já projeta, inclusive, o retorno para a sala de aula.
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“Cada um vai reagir de uma forma. Mas, falando por mim, vou voltar porque o ódio não pode vencer. Eu leciono há 17 anos com muito amor. E quero continuar desta forma, agora mais fortalecida na luta e com uma nova bandeira, a da segurança nas escolas, mas com amor e mais valorização da educação pública.”
Para a professora, a solução não é armar a escola, “assim como a solução também não é armar a população. Alguém armado na escola não teria resolvido o problema, não faria diferença, pois a escola é grande e o ataque durou menos de um minuto. É preciso ter mecanismos de segurança, além de ouvir quem trabalha lá no dia a dia”, disse Priscila.
A professora diz que não deu aula ao atirador nem o conhecia. Professores relataram para ela que o aluno era calado e não costumava se envolver em problemas.
“Agora é cobrar que os fatos sejam esclarecidos e todos os responsáveis, responsabilizados. Ele não aprendeu a atirar daquele jeito da noite para o dia. Queremos justiça. E não podemos dizer que nunca mais vai acontecer. Teremos de estar sempre alerta e buscar soluções efetivas para que a tragédia não se repita.”
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