Existentes desde 1950, áreas extraoficiais para identificação de inimigos não são reguladas

Igor Gielow

Repórter especial em São Paulo, foi editor, secretário de Redação e diretor da Sucursal de Brasília

A FAB (Força Aérea Brasileira) inovou ao criar uma zona de exclusão aérea sobre a Terra Indígena Yanomami, uma resposta rápida à ordem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para mostrar serviço ante a crise humanitária envolvendo a etnia em Roraima.

Em seu comunicado, a Aeronáutica diz ter criado uma Zona de Identificação de Defesa Aérea, mais conhecida por sua sigla em inglês, Adiz. Como tais áreas não são sujeitas a regulação internacional, cada país pode fazer basicamente o que quiser sobre o tema.

A FAB criou, contudo, uma certa jabuticaba. As Adiz surgiram nos Estados Unidos em 1950, como forma de ampliar o controle de possíveis ameaças vindas da União Soviética, em plena crise da Guerra da Coreia, que opôs o Norte comunista da península ao Sul capitalista.

Naquela época, bombardeiros eram a principal forma de emprego de bombas atômicas contra os inimigos —e ainda são usados, apesar da dominância de mísseis intercontinentais.

Hoje há cerca de 20 dessas zonas pelo mundo. Via de regra, elas visam antecipar a chegada de aeronaves hostis. Cada país escolhe uma área, que muitas vezes invade o território de vizinhos, para definir o que é sua Adiz. Não raramente, Adiz de diferentes nações se sobrepõem.

Assim, um controlador em Taiwan vê em seu radar aviões chineses a caminho da ilha que Pequim quer tomar para si, uma ocorrência semanal na região. Ele os acompanha até a chegada ao espaço aéreo de Taipé, onde geralmente haverá caças esperando os invasores para abordá-los e afastá-los.

É um alerta antecipado, de profundidade. No caso da FAB, foram criadas camadas em altitude sobre fatias específicas da TIY, para diferenciar aviões de pequeno porte usualmente utilizados por garimpeiros e traficantes na região.

Na definição da Aeronáutica, é vetado o tráfego aéreo (zona vermelha) até o nível de voo 055 (1.833 m) sobre todo o território Yanomami, exceto aparelhos envolvidos na operação. Para não prejudicar a aproximação a Boa Vista, foi criada a zona amarela, próxima da chegada de aeronaves a oeste da capital de Roraima, na qual aviões com plano de voo autorizado podem voar até o nível 055.

Por fim, toda a região tem tráfego autorizado, a chamada zona branca, caso monitorado em solo, acima do nível 145 (4.833 m).

Assim, a particularidade dessa Adiz indígena é que ela se restringe ao território brasileiro, o que leva ao questionamento óbvio acerca de como era feito o controle de tráfego na região até então. Os recursos à disposição, radar em solo e aviões de sensoriamento remoto e alerta antecipado, já estavam à mão.

Os meios para agir, também. Orientados pelos E-99 (alerta) e R-99 (sensoriamento do solo), ambos baseados no jato regional ERJ-145 da Embraer, modelos A-29 Super Tucano, também da fabricante brasileira, podem interceptar pequenas aeronaves.

Os turboélices Super Tucanos são instrumentos ideais para a missão, por voar a baixas velocidades se necessário. Até o ano passado, a FAB tinha também na região amazônica um esquadrão com 12 helicópteros de ataque russos Mi-35, que seriam de utilidade agora —foram desativados por questões econômicas, de prioridades e políticas.

A interceptação ocorre segundo as regras de engajamento militares internacionais: tentativa de contato visual ou por rádio com a aeronave infratora e escolta para pouso, tiro de advertência caso isso não funcione e, em casos extremos, abate.

Aqui há uma pequena barafunda legal, decorrente de um debate iniciado em 1995, que culminou com a Lei do Abate de 2004. Ela colocava no colo do presidente, ou de alguém por ele delegado, a autorização para destruir uma potencial ameaça.

Por óbvio, dado que não há pena de morte no Brasil, houve discussão sobre o tema. Em 2014, devido à Copa, a então presidente Dilma Rousseff (PT) editou decreto transferindo a responsabilidade diretamente para o comandante da FAB e autorizando ações não só sobre áreas desabitadas, mas também cidades.

Essa decisão de Dilma foi revogada em 2019, e agora subentende-se que Lula concede o poder discricionário à FAB. Mas dificilmente se chegará a isso, dado que a ideia de abater um avião é se ele representar perigo para instalações civis ou militares, o que pequenos Cessnas que podem estar transportando familiares de garimpeiros e indígenas nunca representam.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/02/zona-de-exclusao-aerea-contra-garimpeiro-e-invencao-brasileira.shtml

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