Lideranças se preparam para ir a Brasília (DF) acompanhar a votação do Marco Temporal no STF.© Pedro Ladeira/Greenpeace

Caso seja acolhida, a tese ruralista, em votação no Supremo Tribunal Federal e no Senado, vai dizimar as Terras Indígenas e os direitos dos povos originários

Está marcada para a próxima quarta (30) a retomada do julgamento do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF). Este é o mais recente capítulo de uma questão que se arrasta há anos e que, ao final e ao cabo, discute que finalidade queremos dar às Terras Indígenas do Brasil e que tipo de país queremos ser e deixar para as futuras gerações.

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Ideia defendida pelo agronegócio, o Marco Temporal busca estabelecer a partir de quando um território pode ser considerado Terra Indígena. Seus defensores querem que seja o dia da promulgação da Constituição Federal – 5 de outubro de 1988. 

No entanto, lideranças indígenas, pesquisadores, juristas e cientistas sociais alertam que essa tese é inconstitucional. Em seu artigo 231, o texto da Carta Magna fala em “direitos originários” dos povos indígenas. Isso significa que esses direitos são anteriores à formação do Brasil e não podem ser lidos ou interpretados como tendo uma data específica a partir de quando eles passam a valer ou não. Além disso, é público e notório que diversos povos foram expulsos ou removidos de seus territórios originais – como considerar apenas 1988 pra cá se a história dos povos indígenas no Brasil remonta há pelo menos 12 mil anos? 

O que o agronegócio quer, na realidade, é manter o modelo predatório que temos hoje de exploração desenfreada da floresta, inclusive aquela que está dentro dos territórios originários. Querem dificultar a demarcação de Terras Indígenas e impedir que os povos originários vivam segundo seus costumes e tradições. Para saber o que está em jogo, vamos analisar algumas possíveis consequências da aprovação da ideia do Marco Temporal, segundo quem anda de olho nesse assunto?  

1- As Terras Indígenas brasileiras serão dizimadas

Caso a tese do Marco Temporal seja aceita por nossas autoridades, praticamente todas as Terras Indígenas do Brasil estarão sob sério risco. Isso porque todas as demarcações feitas até hoje poderão ser revistas e refeitas. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) estima que todos os 1.393 territórios reclamados por povos indígenas em todo o Brasil serão diretamente impactados. Estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), divulgado em junho, mostrou que caso o Marco Temporal e o PL 2903 (ex-PL 490, que atualmente tramita no Senado) sejam aprovados, e considerando apenas as 385 Terras Indígenas homologadas pela União, entre 23 e 55 milhões de hectares de vegetação nativa dos territórios indígenas poderão desaparecer

2 – A violência contra os povos indígenas vai aumentar

Lideranças falam também que a violência no campo e os conflitos por terra devem aumentar bastante e intensificar um cenário de violência que já é tenebroso. Em 2022, por exemplo, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) mostrou que as invasões à Terras Indígenas haviam aumentado pelo sexto ano seguido; e, entre 2019 e 2022, a violência contra os povos indígenas aumentou 156%. Neste período, 795 indígenas foram assassinados; 3.552 crianças de até quatro anos morreram por negligência do poder público; e 1.133 episódios de invasões e explorações ilegais contra territórios e patrimônios indígenas foram registrados.  

3- Os direitos dos povos indígenas serão destruídos

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 231, afirma que os direitos dos povos indígenas são “originários” – ou seja, são anteriores à formação do Brasil e não se enquadram numa linha ou recorte de tempo específico. A tese do Marco Temporal quer, na prática, acabar com esse direito, estabelecendo uma data a partir de quanto esses direitos poderiam começar a valer. 

Fragilizar os direitos indígenas é um passo perigoso para o Brasil, um país que possui uma democracia ainda jovem, com menos de 40 anos, e que vem resistindo a muito custo a recentes tentativas de golpes de estado. Hoje, estamos ameaçando e colocando em risco os direitos dos povos originários – amanhã, quais serão os direitos que o agronegócio e a bancada ruralista pretendem rifar em nome do lucro fácil e do esgotamento dos recursos do planeta?

Um dos panos de fundo da discussão sobre o Marco Temporal é o Brasil que queremos deixar para as futuras gerações

4- Etnocídio: povos isolados estarão sujeitos à extinção

Existem no Brasil hoje registros de 115 povos isolados – 114 desses, na Amazônia. Eles são povos que vivem em isolamento voluntário e já deram sinais de que não querem manter contato com os não-indígenas. Algumas dessas populações têm características nômades e se mudam com frequência. Como será possível comprovar quais terras eles ocupavam em 5 de outubro de 1988? 

Representantes do movimento indígena dizem que, com a acolhida à tese do Marco Temporal, as invasões de territórios vão se intensificar e essas comunidades estarão à mercê: não somente de doenças para as quais eles não possuem anticorpos e não conseguem lidar – como a gripe e malária, por exemplo – mas também a episódios de violência que podem levar esses povos à extinção.

5- Mais animais extintos: o declínio da biodiversidade vai aumentar   

A última edição do Relatório Planeta Vivo, lançado pela Rede WWF em 2022, mostrou que algumas populações de mamíferos, aves, anfíbios, répteis e peixes tiveram uma queda de 69%, em média, desde 1970. Segundo o documento, é nas regiões tropicais – onde o Brasil está – que as populações de vertebrados estão despencando em um ritmo muito rápido. 

E sabe qual é o tipo de território que melhor protege a natureza? Isso mesmo: são as Terras Indígenas. O projeto Mapbiomas, por exemplo, afirma que os Territórios Indígenas – que hoje guardam 20% da vegetação nativa do país – estão entre as principais barreiras contra o avanço do desmatamento no Brasil. Nos últimos 30 anos, os territórios originários perderam apenas 1,2% de sua área de vegetação nativa. Nas áreas privadas, essa perda foi de 19,9%.

O Relatório do WWF diz: “entregar um futuro positivo para a natureza não será possível sem reconhecer e respeitar os direitos, governança e liderança de conservação dos Povos Indígenas e comunidades locais em todo o mundo”.

Lideranças de todo o país estão na luta contra o Marco Temporal há anos

6- A crise climática vai piorar 

Em evento ocorrido em maio em São Paulo (SP), o pesquisador sênior do Ipam, Paulo Moutinho, explicou que as Terras Indígenas guardam, em seu interior, cerca de 100 bilhões de toneladas de dióxido de carbono estocadas em suas árvores. Isso significa que os territórios originários são grandes depósitos deste material que, de outro modo, estaria solto na atmosfera agravando a crise climática que atravessamos.  

Vale lembrar que um dos piores aspectos da crise do clima é o aumento da frequência e da intensidade dos eventos extremos. Nos últimos anos, a ocorrência de tempestades fortíssimas, secas severas, ciclones atingindo lugares que não tinham esse tipo de problema e ondas de calor impiedosas não vem ocorrendo por acaso. Por isso, é importantíssimo controlar o desmatamento dentro das Terras Indígenas e, consequentemente, a emissão de gases de efeito estufa – e defender as Terras Indígenas, e manter o dióxido de carbono lá dentro, faz parte desse esforço.    

O Ipam estima que, com a aprovação do Marco Temporal e do PL 2903 (ex-PL 490), em torno de 7,6 a 18,7 bilhões de toneladas de dióxido de carbono seriam lançadas na atmosfera. Este volume equivale a um período entre 5 e 14 anos de emissões de todo o Brasil (!) Como se vê, não há como falar em combate à crise do clima sem proteger e defender as Terras Indígenas.

Existem hoje várias outras ameaças contra os povos indígenas além do Marco Temporal

Enquanto isso, no Supremo…

Hoje, o placar do julgamento está 2×1 contra a ideia do Marco Temporal. Os Ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes se manifestaram contra a proposta, diferentemente de Kássio Nunes Marques, que votou a favor da tese. Nesta quarta, com a retomada do julgamento, será a vez de André Mendonça proferir seu voto. Existe a expectativa de que a questão seja encerrada nas próximas semanas.

No Senado, o Marco Temporal tramita como o PL 2903, e vem passando por uma discussão apressada e muito criticada. O PL foi aprovado na Comissão de Agricultura semana passada e vai agora à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de ir ao plenário. 

Hoje, o movimento indígena chama toda a sociedade brasileira a se mobilizar contra o Marco Temporal. Para garantir o futuro justo, inclusivo e ecológico que todos queremos, é fundamental defender os territórios indígenas e os modos de vida tradicionais desses povos. Somente assim seremos capazes de realizar uma verdadeira transição ecológica, que veja a floresta como algo mais além de recurso econômico e que seja capaz de conviver com as diversas formas de vida que habitam este planeta. É hora de todos nós nos levantarmos a voz e dizermos: Marco Temporal Não!Play

#Povos e Territórios

Fonte: https://www.greenpeace.org/brasil/blog/o-que-acontece-se-o-marco-temporal-for-aprovado/

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