Povos indígenas do Maranhão apostam na união para protegerem o que resta da floresta no estado, suas terras e seus direitos
“Não é possível ter vida no planeta sem os territórios indígenas. Somos 5% da população mundial e protegemos 82% da biodiversidade de todo o planeta, necessária para garantir o equilíbrio climático. Sem Amazônia não haverá nem mesmo chuva para produzir alimentos”, alertou Sônia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em diálogo com 350 indígenas de nove dos 11 povos existentes no Maranhão (sem contar os povos que vivem em isolamento voluntário, ou seja, sem contato com a sociedade não indígena).
Durante o IV Encontro da Articulação das Mulheres Indígenas do Maranhão (Amima) e a V Assembleia da Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapima), realizados no final de fevereiro, estas lideranças debateram a conjuntura que os desafia e os caminhos que precisam trilhar para garantir a proteção de seus territórios ancestrais e, por extensão, a continuidade de suas próprias existências.
“A resistência é nossa própria essência. A diversidade da floresta está presente também aqui, na diversidade de nossos povos e culturas. Precisamos fortalecer nossa unidade nesta diversidade porque sem nossas terras e nossos direitos, como cuidaremos de nossos filhos? ”, questionou Nara Baré, representando a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
Realizados na Aldeia Massaranduba, na Terra Indígena Caru, região norte do Maranhão, no extremo leste da Amazônia, os dois eventos foram protagonizados pelas mulheres e contaram com a ampla presença de jovens, como os do grupo Zawato (cujo significado é águia real).
Mundo dos caraí
Chamava atenção também o fato de haver participantes que há séculos estão em contato com a sociedade não indígena e, por outro lado, indígenas de recente contato, como os Awá.
Mesmo diante do desafio de dominar a língua e entender, por exemplo, como funcionam as leis da sociedade dos caraí (não indígenas), os participantes repetiram diversas vezes a importância de se manterem unidos e de não acreditarem em falsas promessas. “Nunca foi proibido plantar batata, arroz, feijão e fazermos roças nas nossas terras. O que não queremos é a plantação de monoculturas de soja, de cana, que vão encher nossos rios de veneno e os bolsos de alguns brancos de dinheiro”, declarou Cláudio Guajajara, coordenador dos Guardiões da Floresta da TI Caru.
“Já tiraram o cedro, o cumaru, o jaborandi, o ipê todo das nossas terras e não tem um índio rico. Como vamos acreditar que esta proposta do governo de abrir nossas terras para a exploração, para o arrendamento, vai nos beneficiar?”, emendou Sônia.
Diante da preocupação com o aumento da violência e das violações de seus direitos, especialmente aos territórios e aos modos de vida tradicional, várias falas afirmaram a necessidade de valorizarem os anciãos, seus conhecimentos, suas identidades como povos originários, seus rituais ancestrais.
“Fico pensando a que custo as pessoas abandonam seus valores. Porque nossa territorialidade é fundamental para sermos quem nós somos. Cada um de nós aqui. Nossas festas, nossos rios, nossas crianças correndo livremente, nossos remédios colhidos nas matas… sem isso, perdemos nossa própria identidade”, explicou Magno Guajajara.
Séculos de resistência
Mas se algo não faltava ali, naquele barracão coberto com palhas de babaçu e cuidadosamente enfeitado com palhas de guarimã e mudas de amendoim forrageiro, era a forte presença da ancestralidade. Ainda da estrada que se iniciava no “cor da terra” Rio Pindaré, de longe, era possível ouvir o chacoalhar compassado dos maracás, tanto Tupi como Jê, o ritmado tambor Ka´apor e os cantos que parecem tocar algo muito profundo, e quase desconhecido, em nós (caraí). Alguns cantos são alegres compassados, como os dos Guajajara, outros bastante graves e guturais (vêm da garganta, roucos), como o dos Awá, mas todos trazem em si a certeza de que só a luta pode garantir suas vidas.
No calor escaldante (“tá pior com as mudanças climáticas”, comentaram por lá), Edilena Krikati, coordenadora da Coapima, compartilha seu testemunho sobre a resistência secular dos povos originários do Brasil: “Esta é uma luta que os povos não têm medo. A gente já passou por isso várias vezes. É por isso que a gente continua resistindo até hoje. O valor da pessoa, o valor da vida, o valor das coisas, o valor da terra consiste nesta essência de você existir. E é por isso que a gente resiste até hoje”.
Enquanto isso, rodeados pela densa mata, no barracão, um ancião do povo Kanela anuncia: “eu vou cantar, eu vou fazer uma alegria!”.
Fonte: https://www.greenpeace.org/brasil/blog/tecendo-a-resistencia/
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