Intenção agora é dar continuidade para a formação com o Semear Castanha, que passa pela manutenção da rede de informações e conhecimento e da atuação dos participantes como replicadores em suas comunidades

Por Danielle Ribeiro

Todos os anos, no período da safra, homens, mulheres e famílias inteiras saem de suas casas para a coleta da Castanha da Amazônia. O deslocamento para os castanhais pode levar dias, em percursos por rios ou estradas de terra. Durante semanas e até meses, as castanhas são extraídas de uma espécie de ouriço, lavadas, separadas e colocadas no paneiro para serem carregadas e iniciarem um longo percurso até as mãos do consumidor final.

Trinta atores envolvidos nesse processo, indígenas, extrativistas, gestores públicos, cooperativas e associações comunitárias, integraram a turma do curso de formação em cadeias de valor sustentáveis, o “FORMAR Castanha”. Após dez meses de atividades, três módulos presenciais, intercâmbios, muito aprendizado e troca de experiências, o curso foi encerrado em Porto Velho, no dia 10 de maio, com a promessa dos participantes de manter as relações estabelecidas e propagar o conhecimento aprendido.

A formação é fruto de uma parceria entre Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), ICMBio, Serviço Florestal dos Estados Unidos e Fundação Nacional do Índio (Funai) e integra o Projeto Parceria para Conservação da Biodiversidade, com apoio da USAID. Conta ainda com a parceria do Pacto das Águas, Operação Amazônia Nativa e Fundação Vitória Amazônica.

“O objetivo central do curso era que todos conseguissem enxergar de forma crítica toda cadeia de valor da Castanha, conseguissem se enxergar e enxergar o outro, visando melhorar e fortalecer as relações entre esses elos e torná-las mais equitativas para ambos os lados”, explicou Andreia Bavaresco, coordenadora do IEB Brasília.

A vivência dos diversos elos e gargalos envolvidos na cadeia foi destacada como um dos pontos altos do curso por Leonardo Nascimento, que é filho de extrativistas e acompanhou os pais desde muito cedo nos castanhais. “A nossa parte do extrativismo termina na revenda e a gente acaba não sabendo para onde a castanha vai. Aqui no curso a gente pode observar o caminho para além disso, passando pelo processamento até a comercialização”, afirmou o jovem da Reserva Extrativista do Rio Ouro Preto ao se referir à programação da formação, que incluiu técnicas de manejo, coleta e organização comunitária, até chegar a esse último módulo que focou nos desafios da comercialização e a chegada do produto ao consumidor final.

Secretário adjunto do Imaflora, Roberto Palmieri, o Kupim, realizou atividades e debates com o grupo sobre modelos de negócios. Um mapa de empatia foi usado para estimular os cursistas a refletirem sobre o que pensam e sentem seus potenciais clientes, entenderem suas dores, a quais informações eles têm acesso e se colocarem no lugar desse outro lado. Uma vez debatido e entendido esse cenário e o que os clientes precisam, eles foram convidados a pensar nos canais de relacionamento possíveis e qual a melhor forma de agregar maior valor aos produtos, acrescentando a ele histórias, imagens, conhecimento, dentre outros.

“Essas pessoas desenvolveram várias capacidades úteis para trabalhar em suas comunidades, executando melhor o trabalho comunitário, desde o manejo, beneficiamento, a capacidade de se relacionar, atrair novos parceiros e lidar também com os desafios e empecilhos do cotidiano”, avaliou Kupim.

Foi com a experiência adquirida nas atividades de boas práticas do Formar Castanha que Francimir Martins dos Santos, presidente da AMARI – Associação de Moradores da Reserva Extrativista Ituxí, mostrou a outros castanheiros as vantagens de limpar, selecionar e secar a castanha antes de transportá-la. “A gente fez um trabalho com castanha de qualidade, diminuiu o esforço físico, os gastos e a carga da canoa. Quando voltamos mostramos aos outros e ninguém mais quer fazer como antes. Além de economizar dinheiro, tem a melhoria para a nossa saúde e qualidade de vida”, afirmou Santos, que leva em torno de quatro a cinco dias de travessia de canoa, com passagem por grandes cachoeiras, para chegar aos castanhais.

Técnica de campo do Pacto das Águas, Keli Reggias Dias testemunhou a atuação de alguns dos cursistas em suas comunidades ao longo da formação e destacou o potencial desses agentes como propagadores do conhecimento. “O Formar Castanha não foi aquela formação que a pessoa chega, guarda o material e fica com o conhecimento para si. Eles foram nas bases, reuniram a comunidade, melhoraram boas práticas e transmitiram o aprendizado. O curso foi intenso na vida dessas pessoas, gerou tantas ações, que eles não querem que pare”, contou orgulhosa.

Nos dois últimos dias de atividades foi realizado um Seminário Final, no qual os cursistas mostraram aos colegas e parceiros as pesquisas e ações realizadas nas bases e apresentaram a ideia de continuidade da formação, com o Semear Castanha, que passa pela manutenção da rede de informações e conhecimento e da atuação dos participantes como replicadores em suas comunidades. Também foi realizado um debate com o tema “Arranjos institucionais para fortalecimento da cadeia de valor da Castanha do Brasil”, com a presença de representantes da FUNAI, ICMBio, USFS, GIZ e USAID.

Ana Paula Mendes, coordenadora de Cooperação Trilateral da USAID, esteve em Porto Velho para acompanhar o Seminário final e ouviu dos participantes os resultados satisfatórios obtidos com as boas práticas aplicadas na safra deste ano. Além dela, também integraram a mesa de abertura do seminário João da Mata Nunes Rocha, coordenador de produção e uso sustentável do ICMBio, Silvia Elena Moreira Batista, representando o Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS), Kirsten Silvius do Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS) e Mario Nicácio, vice coordenador da COIAB.

UMA REDE DE TROCA DE EXPERIÊNCIAS
Diogo Giroto indigenista da OPAN destacou a importância do Formar Castanha como formador de uma rede de troca de conhecimento e experiências que ultrapassa o período de curso e deve ser mantida pelo grupo. “O Formar Castanha empodera as pessoas para pensarem e atuarem como rede, cria um emaranhado de possibilidades que a gente pode utilizar no dia a dia. Tem ajudado muito a enxergarmos um corredor de produção e de troca de informações, e com certeza essa relação será mantida porque os desafios são coletivos, a gente está em uma realidade muito parecida e o processo de atuar em rede permite que a gente avance em processos locais”.

Os ganhos dessa formação da rede também foram mencionados pelo cacique Valdimiro Farias da Silva Apurinã, dirigente da FOCIMP. “O que a gente não tinha conhecimento, a gente tem hoje. Aquilo que a gente não via, a gente vê hoje. Essa rede trouxe muita informação para gente, troca de experiência, de sabedoria, do conhecimento de cada um”.

“As experiências e expertises podem estar no mesmo lugar território, mas elas são completamente diferentes uma das outras. Então com a metodologia de um, o jeito de outro, as coisas vão se encaixando e a castanha vai ficar viável para os povos da floresta”, completou o gestor ambiental Savio Gomes Rego.

FLORESTA EM PÉ
A melhoria das técnicas de manejo e das relações entre os elos da cadeia de valor fortalecem a defesa da biodiversidade e também dialogam com a importância da manutenção da floresta em pé. “Quando a gente qualifica o trabalho feito junto a essas famílias, beneficiários de unidades de conservação ou indígenas em áreas protegidas, de modo que elas façam a ocupação e utilizem recursos, é possível evitar ou diminuir a possibilidade de êxodo rural, mantendo essas famílias em seus territórios e mantendo esses aspectos culturais e ancestrais de conhecimento e tradicionalidade em favor das florestas em pé”, afirmou João da Mata.

O depoimento de Paulo Silva da Costa, da Resex Rio Ouro Preto, dialoga com essa preocupação. “A gente que é do mato mesmo, seringueiro, castanheiro, a gente tem uma cultura. A gente olha uma castanheira e pensa que ela é soberana a qualquer árvore, bem dizer, soberana a quase tudo”.

Os participantes do FORMAR Castanha são representantes dos municípios de Beruri-AM, Boca do Acre-AM, Canutama-AM, Lábrea-AM, Manaus-AM, Tapauá-AM, Manicoré-AM, Novo Airão-AM, Ji-Paraná-RO, Guajará Mirin-RO, Costa Marques-RO, Alta Floresta D’Oeste-RO, envolvendo as seguintes áreas protegidas: RESEX Medio Purus, RDS Piagaçú Purus, RESEX Arapixi, RESEX do Rio Cautário, RESEX Ituxi, RESEX Lago do Capanã Grande, RESEX Ouro Preto, RESEX Unini, TI Indigena Rio Branco, TI Caitutu, TI Igarape Lourdes, TI Itixi Mitari e TI Paumari.re

Fonte: http://www.iieb.org.br/index.php/notcias/formar-castanha-e-concluido-com-intensa-troca-de-experiencias-entre-indigenas-extrativistas-gestores-publicos-cooperativas-e-ass/

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