Artesanatos e produtos agrícolas vendidos na feira renderam mais de R$125 mil para os indígenas da região em 2024. Praga da mandioca levou os feirantes a diversificarem a produção
Texto: João Bourroul
Safira Felicio atende um cliente durante a Feira Indígena (Foto: Marcelo Domingues/Acervo Iepé)
No município do Oiapoque (AP), nas primeiras quintas e sextas-feiras de cada mês, os moradores da região já sabem: vem aí a Feira Indígena.
“É um momento muito importante pra nós. A feira traz uma fonte de renda, tem dado resultado”, comemora a cacica Creuza Maria dos Santos, indígena da etnia Karipuna e moradora da aldeia Ahumã, na Terra Indígena Uaçá.
Um dos resultados a que Creuza se refere são os mais de R$125 mil comercializados pelos feirantes indígenas ao longo de 2024. A renda, que fica 100% com os próprios indígenas, é importante, mas tão fundamental quanto o recurso financeiro é o reconhecimento da importância da produção indígena para o município. A feira gera visibilidade para os povos indígenas, que representam um terço da população do Oiapoque, e demonstra a riqueza e diversidade presente nas três Terras Indígenas que ficam nos arredores do perímetro urbano do município.
“É triste ficar sem mandioca”
Outro resultado da feira tem a ver com uma limitação que acabou se tornando recurso. A praga da mandioca, que se agravou a partir de 2023, foi devastadora pros indígenas da região. De repente, eles não podiam contar mais com seu carro-chefe, já que os derivados da mandioca sempre foram os produtos mais vendidos da feira. “Os produtos de farinha vendiam igual água. Não dava tempo nem de desensacar”, lembra Estefany Furtado, assessora do Programa Oiapoque, do Iepé.
“É triste ficar sem mandioca. A gente era acostumado a vender farinha, tucupi, goma, tapioca. A gente parou de vender esses produtos que vêm da mandioca devido à praga que acabou com nossas roças”, lamenta Creuza.
Com a escassez da mandioca, o Iepé trabalhou com os feirantes sobre a diversificação da produção, mostrando a viabilidade da comercialização de outros produtos da sociobiodiversidade.
“Eu agradeço muito pelo trabalho do Iepé, junto com os povos indígenas, porque essa dificuldade trouxe muita sabedoria e conhecimento pra que a gente passasse a vender outros produtos pra se manter. Agora a gente vende também artesanato, como as cuias, remos e vassouras. Também passamos a vender mais banana, garapa, milho e açaí”, conta Creuza.

Um teste que virou tradição
A Feira Indígena do Oiapoque acontece desde 2019. “Ela começou como uma atividade dos Agamin (Agentes Ambientais Indígenas) de pesquisa sobre cadeias produtivas”, conta Estefany. “Eles queriam uma alternativa pra escoar a produção com preços mais justos. Viram a feira do município e pensaram em realizar uma edição teste de uma feira indígena”.
Os próprios indígenas que participaram da primeira feira solicitaram que houvesse mais edições. Desde então, o evento já se consolidou na programação mensal da cidade, inclusive reconhecida por lei municipal (Lei Municipal 003, de 25 de outubro de 2019, que institui a Feira Indígena no Município de Oiapoque). A exceção foi 2020, por conta da pandemia. Se feiras mensais não puderam ocorrer naquele ano por conta do isolamento social, as vendas não pararam. Os indígenas se organizaram para distribuir seus produtos à domicílio, chegando a fazer entregas até em Macapá, que fica a quase 600 km de Oiapoque.
“A feira deu uma parada por conta do Covid, mas os feirantes indígenas não tiraram isso da cabeça: ‘tem que continuar’”, afirma Haroldo Santos Vilhena, chefe de etnodesenvolvimento da Coordenação Técnica Local da Funai no Oiapoque. Indígena da etnia Karipuna, Haroldo trabalha na Funai há 39 anos.
Os R$ 125 mil gerados representam a soma das 11 edições da Feira Indígena ao longo de 2024 – foram mais de 7,9 toneladas de produtos vendidos no decorrer do ano. Em média, cada feira conta com 12 tendas de diferentes feirantes indígenas.

A Feira conta com apoio do Iepé, da Funai e do Museu Kuahi. Além da logística, o Iepé também ofereceu cursos para os indígenas em relação a precificação, embalagem e transporte dos produtos. “Os indígenas que produzem e também são eles mesmos que vendem e dão preço da coisa, então está tudo dando muito certo”, celebra Haroldo.
A Feira Indígena do Oiapoque é realizada por meio de recursos do Foreco, Instituto Clima e Sociedade (ICS) e The Nature Conservancy Brasil (TNC).
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