Demanda surgiu dos próprios povos e leva elementos da agroecologia para as aldeias

Texto: Angélica Queiroz

Famílias inteiras e vizinhos de outras aldeias participam das atividades.   (Foto: João Covolan – Iepé)

Os povos indígenas que vivem na região da TI Parque do Tumucumaque, no Pará, já não se movem mais com tanta frequência pelo território e isso tem impactado a resiliência do solo e enfraquecido as roças no entorno das aldeias. Partiu dessa demanda, a criação do Solo Vivo, iniciativa que apoia os indígenas no manejo de suas roças, visando a conservação do solo.

Tradicionalmente, os povos indígenas ocupam os espaços de forma cíclica. Essa mobilidade permite que o ecossistema daquele local uma vez habitado possa regenerar-se e novamente voltar a ser utilizado. Historicamente, porém, algumas políticas de assistência têm viabilizado o acesso a bens e serviços, como saúde, educação e transporte, em locais com infraestrutura própria, como escolas, postos de saúde e pistas de pouso, fixando assim as comunidades de modo mais perene e, consequentemente, levando-as a residirem em uma mesma área por muito mais tempo, o que provoca o desgaste e a escassez dos recursos naqueles locais.

Para lidar com isso, não é de hoje que as lideranças da região demandam assessoria  do Iepé em outras técnicas de manejo e elementos da agroecologia para a melhoria das roças. “As atividades sempre tiveram a participação de mulheres, até mesmo lactantes e gestantes. Às vezes vai a família toda, incluindo as crianças”, conta o assessor e responsável pela implantação da iniciativa do Solo Vivo, João Covolan. “A ideia é que seja uma prática  o mais próximo possível da que eles já praticam, então essa participação é fundamental”, completa o assessor, que atua junto com sua irmã, também assessora do Iepé, Mariana Bachiega.

Participação de mulheres e crianças enriquece as atividades práticas. (Foto: João Covolan – Iepé)

Antes do início das atividades práticas, que começaram em 2022 na aldeia Boca do Marapi, a pedido do cacique André Arukofa Tiriyó, a proposta do projeto foi levada para as assembleias dos povos do lado oeste do Tumucumaque, com o apoio da Associação dos Povos Indígenas Tiriyo, Katxuyana e Txikiyana (Apitikatxi), onde se decidiu que algumas experiências seriam feitas. 

Desde então, a equipe do Iepé já passou por 13 aldeias, contando também com a participação de famílias de comunidades próximas, possibilitando que repliquem os conhecimentos adquiridos em suas localidades. A expectativa é que a iniciativa chegue também ao lado leste, em breve.

Prática do Solo Vivo em Oroientu, realizado na área de capoeira, próxima à aldeia. (Foto: João Covolan – Iepé)

A participação das lideranças também tem sido fundamental para fortalecer o projeto. “A experiência foi muito boa para a nossa aldeia, aprendemos muito. Apesar de o calor intenso ter atrapalhado um pouco, conseguimos colher frutos”, comenta o cacique Zaqueu Tiriyó, da aldeia Mësepituru, que recebeu a equipe do Solo Vivo em abril de 2023.

Solo vivo, roça forte

As práticas sempre são iniciadas com uma sensibilização “in loco”, uma conversa na mata sobre a vida do solo e suas dinâmicas. Costumam ocorrer em áreas próximas às aldeias, que já foram usadas alguma vez e estão em processo de recomposição, conhecidas como capoeiras, nunca em área de mata primária. 

Uma experiência recente, na aldeia Pasisientu, mostrou que os princípios propostos — cobertura do solo, diversidade de espécies consorciadas — funcionam também para outros ambientes, como os tomados por capim e outras vegetações rasteiras. “Isso é ótimo porque a TI Parque do Tumucumaque possui grandes extensões de campos e cerrado e muitas aldeias estão próximas destas áreas”, ressalta João Covolan.

Para o cacique da aldeia Pasisientu, Messias Tiriyó, a prática foi uma vivência diferente, que ele avalia como positiva. “Aprendemos outras formas de limpeza, que achei muito interessantes. Agora vamos aguardar o resultado, mas a minha expectativa é que essa seja uma roça muito boa”, afirmou.

Diversidade de espécies é um dos princípios incentivados pelo projeto. (Foto: João Covolan – Iepé)

As atividades duram cerca de uma semana, quando a equipe do Solo Vivo trabalha junto com os indígenas em todo o processo: abrir a clareira, organizar a área e fazer o plantio. Nessa última etapa, é incentivada a diversidade: mandioca, cará, banana, abacaxi, milho, feijão, abóbora e melancia, entre outros cultivares alimentares, além de espécies arbóreas de interesse, cuja madeira ou folhagem, ou ainda os frutos, poderão ser consumidos futuramente. “Tentamos trazer elementos da agroecologia, para enriquecer mais as roças, sem monocultivo”, detalha João Covolan. 

Responsabilidade com o fogo

Uma das principais mudanças propostas pelo Solo Vivo é a de não usar o fogo como instrumento de auxílio para a abertura da clareira onde será plantada a roça, prática comum entre os povos indígenas no geral. Durante as vivências, percebe-se que, com a sedentarização, o uso do fogo, antes esporádico, torna-se frequente num mesmo local, o que empobrece cada vez mais a vida do solo, minando a resiliência florestal que havia ali.

“O fogo diminui os microrganismos da terra, porque eles gostam de terra fresca e úmida. Por isso o nome da iniciativa é Solo Vivo, Roça Forte”, explica João Covolan. Segundo ele, a própria natureza é inspiração para as práticas que, por sua vez, também têm esse objetivo de inspirar. “A floresta é nossa grande professora. Os princípios agroflorestais buscam replicar a dinâmica florestal, ou seja, favorecer a abundância de formas de vida, partindo da premissa de que a força motriz desta dinâmica está no solo”, conclui.

A iniciativa Solo Vivo, Roça Forte conta com apoio da Nia Tero e do Bezos Earth Fund.

Fonte: https://institutoiepe.org.br/2025/04/iniciativa-ajuda-a-manter-solo-vivo-em-rocas-do-tumucumaque/