No último sábado (29/05/2021), a Indigenistas Associados (INA), associação de servidores da Funai, promoveu o evento A IN Conjunta 01 Funai/Ibama e o Usufruto das Terras Indígenas, com a presença de quatro juristas especialistas no direito indígena para falar com nossos indigenistas associados.
Este espaço surgiu a partir dos debates internos sobre a implementação de empreendimentos em Terras Indígenas e as implicações e ameaças ao usufruto exclusivo das Terras Indígenas através da inclusão do termo “organizações de composição mista de indígenas e não indígenas” na Instrução Normativa (IN) Conjunta nº 01, de Ibama e Funai, de 22/02/2021.
O professor Carlos Marés apresentou como o conceito de usufruto exclusivo da terra é primordial para que a propriedade da Terra Indígena assuma o seu caráter público, ao ter o seu uso e posse, inalienável, determinados pelos povos que nela habitam e assim retirando estas determinações da sua proprietária, a União. A Constituição Federal de 1988 esvazia ainda mais o sentido de “propriedade” das Terras Indígenas, ao garantir o direito à terra como originário. Ou seja, apesar de o Estado ser proprietário das Terras Indígenas, este não poderia nem mesmo determinar onde elas estão, já que sua função deveria ser somente demarcar para garantir o direito à terra que é originário.
Em seguida, Juliana Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA), foi enfática ao afirmar que cada povo tem o direito de produzir e ser incentivado para esta produção e que a IN conjunta nº 01 é uma normativa necessária, pois havia uma lacuna sobre a regulamentação do licenciamento ambiental em Terras Indígenas. Porém, a inclusão do termo “organizações de composição mista de indígenas e não indígenas” ameaça o usufruto exclusivo e é feita sem maiores explicações e regulamentações de como estas organizações funcionariam. “Isso gera preocupação porque vem alinhado a um discurso político maior, que é o discurso político de que ‘não demarcarei nenhum centímetro quadrado a mais de Terras Indígenas’” ressaltou.
Paloma Gomes, da equipe de assessoria jurídica do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), trouxe um panorama ampliado das políticas do governo e de projetos legislativos, no qual esta IN conjunta se insere. Nesse sentido, Paloma analisa: “A gente tem uma deliberação explícita atualmente do governo federal de flexibilizar os regramentos, não só indígenas, mas também ambientais aqui no Brasil, antes mesmo do governo Bolsonaro”. Outra preocupação é a ausência de consulta informada aos povos. Neste sentido, enquanto a Funai argumenta que a IN conjunta responde à demanda das próprias comunidades indígenas, a principal demanda continua sendo a demarcação de Terras Indígenas, para a qual a Funai tem assumido uma postura de defesa mínima dos direitos de posse da terra pelos indígenas.
O procurador Ricardo Pael Ardenghi, do Ministério Público Federal de Mato Grosso, apresentou o contexto do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado pelos indígenas Pareci-Haliti com Funai, Ibama, intermediado pelo MPF/MT, e que foi uma das motivações da IN Conjunta. Sua avaliação é que “a situação atual do povo Haliti, e aí eu incluo os Nambikwara e Manoki, é uma situação bastante confortável, que hoje serve de modelo, porque eles plantam sozinhos, com recursos próprios, não tem mais arrendamento, eles não plantam só soja… Mas esse modelo que existe hoje passou por vinte anos de arrendamento, de parceria ilegal, de exploração dos indígenas, de plantio de organismos geneticamente modificados. Então, porque eu digo que os Pareci não são um exemplo a ser seguido? Porque para chegar onde eles chegaram hoje, eles fizeram muita coisa errada.”
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