A Indigenistas Associados – INA, associação de servidores da Funai, emite nota de repúdio sobre o áudio vazado no qual o Coordenador Regional da Funai do Vale do Javari (AM) incentiva indígenas a “meter bala” em grupos de indígenas isolados. Leia na íntegra a seguir ou baixe em PDF.

NOTA DE REPÚDIO

Por uma Funai de Estado

 Sobre a qualificação de cargos de confiança na estrutura do Indigenismo

A Indigenistas Associados – INA vem a público defender a exoneração imediata do Coordenador Regional do Vale do Javari da Fundação Nacional do Índio (Funai), Henry Charlles Lima da Silva, e que as autoridades competentes apurem se houve incitação ao crime de genocídio por parte deste Coordenador Regional, conforme o Art. nº 286 do Código Penal (“incitar, publicamente, a prática de crime”) e o Art. 6° do Estatuto de Roma, promulgado pelo Decreto n° 4.388/2002, que define o crime de genocídio como: “qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal:

a) Homicídio de membros do grupo;

b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;”

Esta associação de servidores da Funai externa a necessidade de reconhecimento do efetivo preparo técnico para o trabalho do indigenismo de Estado, como ter capacidade de diálogo, conhecimento de Direito Administrativo e compreensão das dimensões políticas que envolvem o cargo de Coordenador Regional. Num contexto complexo como a relação interétnica envolvendo povos em isolamento voluntário, as habilidades de mediação de conflito e gestão de crise são fundamentais para exercer este cargo, notadamente o oposto do que demonstram os áudios vazados na mídia em 22 de julho de 2021.

Não é a primeira vez em que Coordenadores Regionais nomeados pela autoproclamada Nova Funai se envolvem em situações de desrespeito aos direitos dos povos indígenas e à política indigenista.

Em fevereiro de 2020, o Coordenador Regional de Campo Grande, José Magalhães Filho, mais conhecido como “O Homem do Megafone”, afirmou em entrevista que “nós temos que preparar esse indiozinho, essa indiazinha, para frequentar a escola urbana. E assim a namorar com um pretinho, um branquinho. E essa integração vem surgindo automaticamente. Essa forma é nossa política a ser implantada”. Ele foi exonerado logo após ter cumprido afastamento determinado pela Justiça. Em maio do mesmo ano, a Justiça Federal suspendeu a nomeação de Adalberto Rodrigues Raposo para o cargo de Coordenador Regional do Xingu em Mato Grosso, pela transgressão à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Já em maio de 2021, foi divulgado vídeo de câmera interna da Coordenação Regional Xavante, também em Mato Grosso, que mostra o Coordenador Regional Álvaro Peres em suposta agressão a um importante cacique xavante. Álvaro também foi temporariamente afastado pela Justiça, que avaliou que o coordenador poderia usar sua autoridade para interferir na investigação do caso. No mesmo mês, o jornal Amazônia Real divulgou a acusação de indígenas Mura contra Cláudio Rocha, coordenador da Coordenação Regional Madeira, no Amazonas, por desvio de patrimônio. Mais recentemente, o repórter Rubens Valente noticiou a insatisfação de indígenas Parakanã com Raimundo Pereira dos Santos Neto, atual titular da Coordenação Regional Kayapó Sul do Pará, que não os consultou antes de autorizar a recuperação de uma estrada no interior da Terra Indígena Apyterewa, obra destinada a beneficiar invasores não indígenas.

Por sua vez, a atual gestão autoproclamada  ‘Nova Funai’ tem demonstrado mais interesse em desqualificar estas situações do que em exonerar e investigar os Coordenadores Regionais que demonstram não ter adequação administrativa, técnica e política para ocupar o cargo de confiança.

Sobre a declaração de Henry Charlles Lima da Silva, a Funai se pronunciou em nota esclarecendo que “não representa a posição oficial da instituição”. Entretanto, entre as competências da Coordenação Regional, de acordo com o Regimento Interno da Funai, figura “representar política e socialmente o Presidente da FUNAI em sua circunscrição” (Item I Art. 206).

Ao contrário do que sugeriu Henry Charlles, o trabalho do servidor público indigenista não é pautado por ideologias, mas pelos preceitos da Constituição Federal de 1988, notadamente os artigos 231 e 232, constante alvo de tentativas de modificações por parte do atual governo brasileiro. Contudo, sob a coordenação de tais indivíduos completamente desqualificados para a atuação indigenista de Estado, servidores e funcionários desta instituição pública acabam tendo maiores dificuldades para o cumprimento de suas missões institucionais. Ainda, ao insistirem naquilo que está preconizado em leis e regulamentos que normatizam a ação estatal indigenista, estes servidores passam muitas vezes a sofrer assédio institucional e moral por dissuadirem das ordens disparatadas e inconstitucionais de tais coordenadores.

A Funai tem sido receptiva aos interesses de setores econômicos, como o agronegócio e a mineração, mas seleciona os grupos indígenas que busca promover e proteger. Concomitantemente, a Funai definiu como sua única meta global a distribuição de cestas de alimentos, assumindo o assistencialismo como política de governo. Somos todos testemunhas de políticas públicas construídas por décadas serem esvaziadas. É preciso resgatar as políticas de demarcação de terras, direitos sociais e gestão territorial e ambiental.

É fundamental a qualificação nos cargos políticos e de gestores na Fundação Nacional do Índio, não importa se civis, policiais ou militares. A Funai precisa de pessoas que conheçam os povos indígenas e que compreendam que o serviço público não serve a governos, mas ao Estado.

Brasil, 24 de julho de 2021

Indigenistas Associados

 

 

 

Fonte: https://indigenistasassociados.org.br/2021/07/24/nota-de-repudio-por-uma-funai-de-estado/

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