Grileiros, madeireiros, garimpeiros e pistoleiros estão esfregando as mãos. Falta pouco para quatro territórios na Amazônia com presença de indígenas isolados perderem a proteção legal e serem invadidos, desmatados e devastados. Se isso ocorrer, a sobrevivência desses indígenas está seriamente ameaçada. Para evitar uma tragédia, a Fundação Nacional do Índio (Funai) precisa agir e renovar as respectivas portarias que interditam esses territórios.
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Para isso, um coletivo de organizações indígenas e indigenistas lança uma petição para recolher assinaturas e aumentar a pressão sobre o governo federal e a Funai para renovar as portarias que protegem Terras Indígenas (TIs) pertencentes a povos isolados. Pelo senso de urgência e pelo fato de o governo ter demonstrado pouca efetividade ou preocupação em garantir a segurança desses povos originários, a campanha convida a população a se comprometer com a causa e a tomar uma atitude para salvar a vida desses povos.
Encabeçada pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), a petição online será endereçada ao presidente da Funai, Marcelo Xavier. A renovação das portarias é atribuição da referida autarquia.
De acordo com a própria Funai, “a importância de se interditar áreas com presença de grupos de índios isolados é para garantir o direito desses povos ao seu território, sem a necessidade de contatá-los, respeitando assim, a vontade do grupo de se manter isolado”. Como não é definitivo, pois a proteção permanente do território depende da conclusão do processo de demarcação -, o instrumento normativo precisa ser renovado de tempos em tempos.
A campanha tem como foco pressionar a Funai para a renovação de quatro portarias, que vencem até janeiro de 2022. As referentes às Terras Indígenas Piripkura (MT), Jacareúba/Katawixi (AM) e Pirititi (RR) têm a validade expirada ainda em 2020. Já em janeiro do próximo ano, vence o efeito do instrumento normativo que protege a TI Ituna-Itatá (PA). Caso as portarias não sejam renovadas, os habitantes originais desses territórios estarão totalmente desprotegidos, sob sério risco de serem dizimados pela ação de invasores, que têm intensificado a presença e degradação ambiental na área nos últimos meses.
O caso mais urgente é o da TI Piripkura, cuja portaria expira em 18 de setembro. Localizada na região Noroeste de Mato Grosso, o território é onde vivem Tamandua e Baita, dois remanescentes de um grupo quase todo dizimado por invasores. Uma outra sobrevivente Piripkura, Rita, atualmente vive com os Karipuna, em Rondônia. Como muitos detalhes sobre a vivência de Tamandua e Baita na floresta até hoje são desconhecidos, e diante de alguns vestígios, acredita-se que possa haver mais sobreviventes dos Piripkura no território.
Em um apelo urgente publicado em vídeo pela Survival International, Rita pede a sobrevivência de seus parentes isolados e avisa: “Tem muita gente aqui… Vão matar eles dois. Se matar, aí não tem mais”.
Entre as terras indígenas habitadas por indígenas isolados, o território Piripkura foi o mais afetado por desmatamentos ilegais em 2020. Entre agosto do ano passado a abril deste ano, 2.132 hectares de floresta da TI Piripkura foram destruídos ilegalmente. Apenas em março de 2021, uma área de 518 hectares foi aberta clandestinamente no território.
A extensão equivale ao espaço ocupado por 298 mil árvores. Os dados foram obtidos junto ao Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), que é vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). As informações foram compiladas e detalhadas em relatório técnico produzido em parceria da Operação Amazônia Nativa (Opan) e do Instituto Socioambiental (ISA).
Na avaliação do Ministério Público Federal (MPF), o avanço criminoso sobre a TI Piripkura corresponde a uma forma de pressão dos ruralistas que atuam na região, para que a portaria de restrição de uso vigente não seja renovada.
Em ação encaminhada à Justiça Federal, em que cobra providências para a demarcação da área, o procurador da República Ricardo Pael enfatiza que: “A iminência do vencimento do prazo da portaria de restrição de uso da Terra Indígena Piripikura, associada a atos do atual Governo Federal – como a edição da Instrução Normativa Funai número 9, e declarações do Presidente da República de que não demarcará terras indígenas –, acabam por criar uma indevida expectativa de que a portaria não será renovada, impulsionando as ocupações indevidas e o desmatamento ilegal.”
Para a liderança do movimento indígena Angela Kaxuyana, os povos isolados são parte da nossa família, são a parte de nós mais resistente em manter a forma originária, a essência de viver como um povo. “Eles [isolados] são os guerreiros que permaneceram e permanecem de forma muito resistente para manter a sua cultura, sua língua e sua autonomia, acima de tudo”.
Ela explica ainda que “a Funai precisa renovar as portarias porque hoje é o único mecanismo legal que garante minimamente a segurança de vida dessas pessoas, e dessas populações que estão em uma resistência constante para sobreviver e têm o direito de viver da forma que escolheram, que é a forma como sempre viveram”.
Portaria de Restrição de Uso
O instrumento de restrição de uso, desde que foi instituído, em 1996, tem se configurado como fundamental à manutenção do território aos povos indígenas isolados. De acordo com Carolina Santana, assessora jurídica do Opi, as Restrições de Uso são terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas isolados, salvo quando se comprove tecnicamente o contrário.
“Essas terras são protegidas administrativamente pelas portarias, que são emitidas pelos presidentes da Funai ao longo dos anos, e devem ser renovadas para que a proteção a essas populações se efetivem”, afirma Santana. Para ela, em caso de descumprimento, cabe Ação de Mandado de Segurança contra a autoridade responsável.
Entre outras atribuições, essas portarias vedam a exploração de recursos naturais em TIs, bem como a expansão das propriedades rurais que ali já se encontravam inseridas antes de sua promulgação, além do surgimento de novos latifúndios. O instrumento proíbe ainda o acesso às áreas de pessoas sem autorização pela Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC).
“Entre os indígenas, os isolados são os de maior vulnerabilidade. São grupos que resistiram a muitas investidas violentas por parte de invasores e vivem em regiões que são alvos de extrema pressão por exploração ambiental”, afirma Elias Bigio, doutor em História pela Universidade de Brasília e ex-coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai, de 2006 a 2011.
Ainda de acordo com Bigio, a Restrição de Uso reforça o dever do Estado em proteger esses indígenas. “Uma eventual não renovação os coloca em extremo perigo, uma vez que o instrumento que lhes assegura alguma salvaguarda deixa de existir. A situação também viola a Constituição Federal, que responsabiliza o Estado pela proteção aos povos originários, conforme o artigo 231.”
Kaxuyana convida ainda a sociedade brasileira a assumir um compromisso: “É importante termos um posicionamento contra aquilo que é ameaça à vida e ao direito dessas pessoas. É um dever humanitário. A gente está falando de uma população que está dentro do território nacional que é parte desse país. Então, não tem como fecharmos os olhos e sermos indiferentes a uma população extremamente importante, não somente para a história, mas para a realidade do que é o Brasil hoje”.
ISA
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