O relator do projeto de lei, Aliel Machado (PV-PR) 📷 Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

Para algumas organizações da sociedade civil, proposta pode comprometer esforços do país no combate às mudanças climáticas. Projeto segue agora para o Senado

Texto atualizado às 18:30 de 22/12/2023

Na última sessão do ano, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, tarde da noite desta quinta (21), por 299 votos a 103 e uma abstenção, o texto principal do projeto de lei (PL) 2.148/2015, que prevê a implantação de um mercado de créditos de carbono formal no país (saiba mais no quadro ao final da reportagem). 

Algumas organizações da sociedade civil e especialistas criticaram a redação final, que, em sua avaliação, pode colocar em risco parte dos esforços do país de combate às mudanças climáticas (leia mais abaixo). Junto com parlamentares de diferentes partidos, também condenaram o fato de o projeto ter sido pautado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), no apagar das luzes do ano legislativo. 

O parecer definitivo foi conhecido minutos antes da votação, sem que houvesse tempo suficiente para debate. Nas últimas semanas, e mesmo ainda ao longo do dia, sucessivos relatórios, com novas mudanças, circularam entre os parlamentares. A base governista votou em peso a favor da proposta, com exceção da federação PSOL-Rede (veja os votos dos deputados e a orientação das bancadas). 

O projeto segue agora para apreciação dos senadores. Se for alterado, pode ser revisto pelos deputados. O tema já havia sido analisado pela Comissão de Meio Ambiente do Senado, que aprovou o PL 412/2022, em outubro. Teoricamente, a Casa daria a palavra final sobre o assunto, mas, na mesma votação de ontem, o projeto foi rejeitado e substituído pelo PL 2.148, numa manobra que visa dar à Câmara a prerrogativa de concluir a tramitação. 

Por meio de um acordo entre os partidos, foram retirados os destaques (trechos do texto que poderiam ser emendados), com exceção de um deles, do PSOL, que pretendia incluir o agronegócio entre os setores econômicos que serão regulados pela nova lei e que acabou rejeitado. O relator, deputado Aliel Machado (PV-PR), teria se comprometido a avaliar mais uma vez algumas sugestões de alteração na volta do projeto à Câmara. 

O PL 2.148 faz parte do “pacote verde” que Lira vinha tentando aprovar, para apresentar como trunfo político na COP-28, a Conferência da ONU sobre mudanças climáticas, realizada no início do mês, em Dubai, nos Emirados Árabes. Ele não teve sucesso no caso do “PL do Carbono”, mas seguiu pressionando por sua aprovação. 

O que são os créditos de carbono?

A comercialização de créditos de carbono permite que empresas, instituições ou pessoas compensem as emissões de gases de efeito estufa, resultantes de empreendimentos e atividades econômicas, pela aquisição de créditos gerados por projetos de redução dessas emissões ou da captura de carbono da atmosfera. Uma iniciativa para restringir os poluentes de uma indústria, o reflorestamento ou a conservação de uma área com vegetação nativa são exemplos desse tipo de projeto. 

A principal fonte de emissões de gases de efeito estufa do Brasil, com cerca de metade do total, é o desmatamento. Por outro lado, a grande extensão da floresta amazônica no país torna-o um grande candidato a iniciativas e políticas de geração de créditos de carbono florestal. A criação de um mercado regulado de carbono no país está prevista desde 2009, quando foi criada a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), mas o assunto não foi regulado até hoje. 

Plenário da Câmara durante votação do 'PL do Mercado de Carbono' | Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados
Plenário da Câmara durante votação do ‘PL do Mercado de Carbono’ 📷 Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados 
Comunidades indígenas e tradicionais

Desde o início da discussão do tema no Congresso, uma das maiores preocupações recaiu sobre os direitos de populações indígenas e tradicionais. Principalmente na Amazônia, elas vêm sendo assediadas por empresas para a implantação de projetos de créditos de carbono florestal, para comercialização no chamado “mercado voluntário”, que já existe há vários anos e independe de normas nacionais. Algumas das iniciativas mostraram-se pouco transparentes, duvidosas ou mesmo fraudes.  

O PL prevê, de forma genérica, que os direitos dessas populações precisam ser garantidos, respeitadas salvaguardas socioambientais e o seu consentimento para iniciativas de geração de créditos de carbono em seus territórios, obtido via consulta prévia, livre e informada.

A versão aprovada pelo Senado, em outubro, previa que órgãos gestores de áreas protegidas dessem autorização para a implantação dos projetos de carbono. No caso das Unidades de Conservação (UCs), eles também precisariam estar previstos nos planos de manejo. Segundo uma nota técnica do ISA, as exigências iriam burocratizar a implementação das iniciativas e, ao mesmo tempo, restringir o poder de decisão e a autonomia dessas comunidades.

Machado acabou acatando algumas propostas para resolver o problema ao longo das últimas semanas. Pouco antes da votação, disse que aceitou todas as sugestões do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e que, por meio de uma emenda do PT, estendeu a ribeirinhos, extrativistas, quilombolas e assentados as garantias e salvaguardas que já tinha assegurado às populações originárias. Não foi aceita, no entanto, a sugestão da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) de que o direito ao veto dessas comunidades fosse possível em qualquer etapa de desenvolvimento dos projetos de créditos de carbono.

Área com projeto de geração de crédito de carbono em fazenda em Santa Cruz do Xingu (MT) | Ricardo Abad / ISA
Área com projeto de geração de crédito de carbono em fazenda em Santa Cruz do Xingu (MT) 📷 Ricardo Abad / ISA
Críticas e pontos de atenção

Para o assessor do ISA Ciro Brito, outro ponto de atenção sobre o texto aprovado é a previsão de que União garanta a titularidade sobre os créditos em terras federais “desde que não haja sobreposição com área de propriedade ou usufruto de terceiros”. Tratando-se de áreas que tenham sido desapropriadas, mas que ainda não tenham sido devidamente indenizadas, o Poder Público está autorizado a realizar projetos e destinar os recursos destes projetos para o pagamento das indenizações.

“Esse projeto de lei faz uma confusão entre direito público e o privado ao introduzir uma nova forma de pagamento de indenização para ocupantes legítimos de áreas públicas a partir da regulação do mercado de carbono. Hoje, a regra é que esse pagamento seja feito em dinheiro e, havendo diferenças entre os valores de avaliação inicial e final da terra, que seja feito mediante precatório, segundo decisão recente do STF”, explica Brito.

Parte dos ambientalistas e dos pesquisadores já havia criticado o texto que saiu do Senado por, sob pressão da bancada ruralista, ter excluído o agronegócio da lista de segmentos econômicos que serão regulados pela nova lei. O setor é responsável por cerca de 75% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil, considerando o desmatamento mais as atividades agropecuárias propriamente ditas. 

Machado manteve a proposta sob o argumento de que não haveria hoje metodologias adequadas para medir as emissões dessas atividades. “Entendo que logo, logo sendo aperfeiçoado esse sistema [de métricas], será um caminho natural a entrada do agronegócio, dentro do sistema regulado no nosso país”, defendeu. 

Mas o deputado foi além e incluiu em seu relatório a possibilidade de que produtores rurais se beneficiem de mecanismos de mercado para conservar, por exemplo, Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente de suas propriedades. “Eles já são obrigados a fazer isso pelo Código Florestal. Na prática, poderão ser pagos simplesmente por cumprir a lei”, alerta Ciro Brito. 

REDD+

Outro problema apontado na redação final é a multiplicação e a confusão de definições e modelos de projetos e políticas de Redução de Emissões por Desmatamento Evitado e Conservação (REDD+). O relatório aprovado na Câmara prevê iniciativas privadas, estatais, de mercado e de não mercado. 

Em seu site, o Observatório do Clima (OC) classificou a proposta como uma “barafunda jurídica” e afirmou que ela abre brecha para uma dupla contagem de créditos de carbono florestal, ou seja, a possibilidade de “uma mesma floresta ser contada duas vezes no esforço de mitigação” das mudanças climáticas. Na avaliação da rede, isso pode colocar em risco a credibilidade do REDD+ e das medições das emissões no país, comprometendo a atração de recursos para o futuro mercado de créditos de carbono e o financiamento da conservação em geral. 

“Caso o PL seja aprovado como lei, cada fazendeiro do Brasil poderá, mediante uma carta, tirar sua propriedade da contabilidade nacional (que é única e federal) e gerar créditos a partir dela para o mercado – mesmo que a propriedade tenha desmatamento ilegal. Além de diluir o esforço nacional de redução de emissões de desmatamento, a proposta inunda o mercado com créditos de floresta que não têm adicionalidade – já que manter reserva legal e APP é obrigação –, nem integridade ambiental, nem credibilidade”, alertou o OC.

Como será o mercado de carbono, segundo o PL 2.148?

O mercado regulado de carbono busca induzir a descarbonização da economia e funciona por meio do mecanismo apelidado em inglês de “cap and trade”, ou seja, a limitação das emissões (“cap”) e o comércio de permissões de emissão gerados por quem reduzi-la além do limite estabelecido pela lei (“trade”).

O PL cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que terá um órgão gestor, um órgão deliberativo e um comitê consultivo permanente. Outra problema apontado pelos ambientalistas é a ausência de participação da sociedade civil nesse órgão gestor.

Poderão participar do SBCE dois tipos de atores: empresas que emitirem mais de 10 mil toneladas de CO2 equivalente (tCO2e) por ano deverão reportar suas emissões obrigatoriamente, mas não terão meta de redução. Já emissores de mais de 25 mil tCO2e anuais na atmosfera serão obrigados a reduzir suas emissões. 

Ainda segundo o PL, o Plano Nacional de Alocação vai definir as Cotas Brasileiras de Emissões (CBEs), que são a quantidade de CO2 equivalente a que cada operador do mercado terá direito. Elas podem ser compradas por aqueles que não atingirem suas metas de emissão.

Além das CBEs, há um outro ativo comercializável: o Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE). Ele será gerado quando houver redução nas emissões e também poderá ser comercializado para que países cumpram suas metas no tratado internacional sobre mudanças climáticas, o Acordo de Paris, ou seja, em transações internacionais. Cada cota ou CRVE representa 1 tonelada de CO2 equivalente.

Fonte: https://www.socioambiental.org/noticias-socioambientais/camara-aprova-pl-do-mercado-de-carbono-em-sua-ultima-sessao-do-ano

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