Na Terra Indígena Yanomami, localizada na fronteira do Brasil com a Venezuela, nos estados de Roraima e Amazonas, o garimpo ilegal, além de provocar a destruição ambiental, também ameaça, viola e prostitui meninas e mulheres. Não só elas têm seus próprios corpos em risco, como convivem com a preocupação de que seus filhos sejam aliciados e que suas famílias adoeçam. Um novo relatório da Hutukara Associação Yanomami mostra como a atividade está se expandindo sem controle, a ponto de produzir uma nova “Serra Pelada” no território.
“Nós queremos discutir sobre o garimpo. Ficamos muito tristes com esse tema da mineração, por isso que nós mulheres nos reunimos. Nós queremos acabar com isso”, conta Ehuana Yaira Yanomami.
Por ter crescido na mesma comunidade do grande xamã Davi Kopenawa, um lugar politicamente importante dentro do território, Ehuana ativamente acompanha as discussões sobre o impacto do garimpo e da luta em defesa da floresta e de seu povo. “Ela sempre foi muito interessada e muito atenta, também sempre muito curiosa e comunicativa com todos os brancos que chegavam lá,” explica a pesquisadora Ana Maria Machado, da Rede de Pesquisadores Pró Yanomami e Ye’kwana. “Ela fala com vários outros Yanomami por radiofonia, então tem uma leitura do que está acontecendo nas outras regiões. Ela consegue fazer as conexões entre o mundo dos brancos e o mundo dos Yanomami”.
Estas características contribuíram para colocá-la em um caminho de liderança, tanto dentro quanto fora de sua comunidade, Watorikɨ. Em 2010, Ehuana “deu um passo a mais”, se tornando a primeira professora mulher da aldeia. Desde então, outras mulheres estão sempre atentas ao que ela diz e ao trabalho que faz. “Ela coordena o grupo das mulheres [do Demini] muito bem, com muito respeito e muita amizade”, diz a pesquisadora. Em 2018, por exemplo, ela organizou e foi a anfitriã do XI Encontro de Mulheres Yanomami, evento anual onde as indígenas compartilham as vivências e saberes femininos.
O universo feminino Yanomami, aliás, é um tema de muito interesse para Ehuana. Mais ou menos na mesma época em que se tornava professora, ela iniciou uma pesquisa sobre as mudanças geracionais dos rituais da primeira menstruação, baseada em entrevistas com uma anciã da comunidade. Com o apoio de Ana Maria Machado, Ehuana transformou seu estudo no livro Yɨpɨmuwi thëã oni: Palavras escritas sobre menstruação, publicado em 2017 pela ação Saberes Indígenas na Escola, promovida pelo Ministério da Educação (MEC).
Ehuana tomou gosto por pesquisar, e, poucos anos depois, contribuiu com uma investigação sobre as plantas medicinais usadas pelos Yanomami, um conhecimento de domínio feminino e em vias de desaparecimento, que ela e as demais pesquisadoras indígenas colocaram novamente em circulação. Mais recentemente, Ehuana foi uma das pesquisadoras do projeto Línguas Yanomami: diversidade e vitalidade, desenvolvido pelo ISA.
Foi durante o processo de pesquisa sobre as plantas medicinais que Ehuana descobriu também um outro talento: a ilustração. Seus primeiros desenhos, das plantas que estavam sendo pesquisadas, foram publicados no livro Hwërɨmamotima thë pë ã oni: Manual dos remédios tradicionais yanomami. Hoje, seus traços retratam cenas do cotidiano, como a coleta de alimentos, a pesca e o cuidado com os filhos, e também situações as quais somente as mulheres têm acesso, como partos ou a reclusão da primeira menstruação, algo que “torna seu trabalho singular”. Seu trabalho artístico já foi exposto em Paris e deve ser exibido em Xangai ainda em 2021.
Ehuana é uma mulher que vive na e da floresta, com uma rotina típica que envolve cozinhar, tecer cestos e redes, trabalhar na roça, buscar lenha e pegar água no rio. Ao mesmo tempo em que assume um papel de liderança, cria os quatro filhos sozinha, após um divórcio. “E toca com destreza todas essas frentes, sempre muito animada, muito sorridente. É uma mulher incrível,” finaliza a pesquisadora e amiga, Ana Maria.
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