Vanda Witoto, Dadá Baniwa e Cris Baré (da esq à direita), lideranças indígenas que lançaram livro ‘Povos Indígenas no Brasil’ em Manaus 📷 Paulo Desana/ISA

Evento na GaleriAmazônica reforçou importância da região, que tem cerca de 90% das Terras Indígenas do país

Ana Amélia Hamdan – Jornalista do ISA

Um encontro de povos da Amazônia e parceiros marcou o lançamento nesta quarta-feira (05/04), na GaleriAmazônica, em Manaus, da publicação Povos Indígenas no Brasil 2017-2022, do Instituto Socioambiental (ISA), dando início às comemorações do Abril Indígena.

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Representantes dos povos Baré, Baniwa, Wanano, Witoto, Tukano, Hup´däh, Desano, Kanamari, Tikuna, Waimiri Atroari, Galibi, entre outros, estiveram presentes num dabacurii – a tradicional cerimônia de trocas da região do Alto Rio Negro – de saberes, história, experiências, resistência e futuro.

O mestre e cacique Luiz Laureano, do povo Baniwa, conduziu uma apresentação de flautas japurutu. 

O mestre e cacique Luiz Laureano, do povo Baniwa, conduziu uma apresentação de flautas japurutu
Luiz Laureano, do povo Baniwa, conduziu apresentação de flautas japurutu no lançamento. Ouça episódio do podcast Casa Floresta com Laureano 📷 Paulo Desana/ISA

Participaram do lançamento representantes do movimento indígena, dos movimentos negro e LGBTQIA+ do Amazonas, sociedade civil organizada, do governo, do judiciário, universidades e coletivos, indicando a ampla rede de apoio à causa dos povos originários.

A chegada da publicação à capital do Amazonas tem contornos especiais pelo papel central da Amazônia e dos povos da região em discussões sobre organização e fortalecimento da política indígena e a emergência climática.

Concentrando cerca de 90% de todas as Terras Indígenas do país e aproximadamente 55% dos povos tradicionais brasileiros, a Amazônia é a casa-floresta, local de resistência, luta, cultura e vivências reinventadas pelos indígenas.

O período retratado pela publicação é considerado o de maior ameaça a esses povos desde a pós-redemocratização, com a dupla ameaça de um governo anti-indígena e a crise sanitária provocada pela Covid-19. No Amazonas, a pandemia foi acentuada pela crise do oxigênio, o que colocou os povos indígenas em situação de especial vulnerabilidade. 

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Lideranças indígenas compuseram a mesa de discussão, com o tema “Nunca mais um Brasil sem nós – A demarcação da política pelos povos indígenas”, com a presença de Cris Baré, Dadá Baniwa e Vanda Witoto.

A conversa conduzida pelas mulheres mostrou a força das mulheres no movimento indígena, que vem se refletindo na vida pública. “Esse livro fala da luta de nossos povos nos últimos cinco anos, que são marcados por uma grande resistência, sobretudo nesse enfrentamento da política anti-indígena do nosso país. Essa luta não é de agora”, ressaltou Vanda Witoto.

Ela alertou para a importância de a Amazônia conhecer a sua própria história indígena para pensar o futuro dos povos originários. “A Amazônia é extremamente preconceituosa com a sua história indígena e vem elegendo pessoas com discurso de ódio contra a sua própria história”, lamentou.

Vanda Witoto
“Precisamos ressignificar a história indígena da Amazônia, não apenas a partir das violências sofridas”, afirmou Witoto na mesa 📷 Paulo Desana/ISA

“A gente prospecta o futuro indígena, mas sem olhar para o passado. Para falarmos que o futuro é indígena, é extremamente importante a gente pensar a história não contada sobre nós mesmos, qual o nosso papel nessa história enquanto indígena, qual a nossa identidade, que foi usurpada da nossa narrativa, do nosso território, do tempo histórico. A gente precisa ressignificar a história indígena da Amazônia, não apenas a partir das violências sofridas, para pensar o futuro ancestral, o futuro indígena”, disse.

Vanda Witoto citou a importância da publicação para a reconstrução dessa história e para que as informações cheguem a pessoas que desconhecem a realidade indígena. “É a primeira vez que uma mulher Witoto faz parte do livro. A minha avó faleceu aos 87 anos sem poder dizer que éramos Witoto. Essa é a história de muitas mulheres na Amazônia que foram silenciadas por toda a violência histórica da colonização, da imposição da Igreja”, pontuou.

“Hoje, a minha geração e minhas sobrinhas pequenas estão nesse evento podendo se afirmar como Witoto, trazendo a memória das nossas avós”, celebrou. Vanda Witoto, que estava acompanhada no evento pela mãe, irmã e sobrinhas, faz parte da publicação e é uma das protagonistas do minidocumentário que acompanha esta edição.

Assista ao filme Povos Indígenas no Brasil

Juliana Radler, Vanda Witoto, Dadá Baniwa e Cris Baré debatem durante lançamento na GaleriAmazônica
Da esquerda à direita, Juliana Radler, Vanda Witoto e Dadá Baniwa escutam Cris Baré durante lançamento na GaleriAmazônica, em Manaus 📷 Paulo Desana/ISA
Pautas indígenas

Durante a conversa com o público, foram abordados temas diversos, desde o atual cenário de fortalecimento da política indígena, passando pelas lutas das mulheres indígenas, desafios para a juventude, acesso a universidades e território.

Assessora jurídica da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Cris Baré trouxe o alerta de resistência dos povos indígenas no Congresso Nacional, que tem se mantido com uma pauta anti-indígena mesmo após a mudança no Poder Executivo.

Ela falou do aumento da atuação de advogados e advogadas indígenas e da ADPF 709. No livro, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 709) é abordada em texto de Eloy Terena, ex-coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e atual Secretário Executivo do novo Ministério dos Povos Indígenas. No artigo, ele aponta que as resistências dos povos indígenas foram pautadas no entendimento da “luta com a caneta, não mais apenas com o arco e flecha”.

Para Cris Baré, as informações do livro são de grande importância na luta dos povos indígenas também no Judiciário. “O livro traz a realidade dos povos indígenas e muitas dessas informações servem de subsídios em peças processuais nesse espaço jurídico que a gente ocupa em nome das nossas organizações indígenas”, refletiu a advogada.

Liderança indígena, ex-coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Dmirn-Foirn), Dadá Baniwa compartilhou sua história de luta – inspirada na mãe –, na ampliação da atuação das mulheres na política e na necessidade de ações que envolvam a juventude no território indígena.

“Essa publicação é muito importante para que os povos indígenas e todo o povo brasileiro conheçam a sua história. Como mulher indígena, posso dizer que essa é uma história de resistência, nosso território, nossa vida de mulher. É muito importante para que nossos filhos e netos possam conhecer essa história”, refletiu.

Dadá Baniwa
Dadá Baniwa ressaltou a ampliação da atuação das mulheres na política e a necessidade de ações que envolvam a juventude indígena 📷 Paulo Desana/ISA

Vem do Rio Negro – região onde vivem povos de 23 etnias – outra potente voz feminina. Nascida em Assunção do Içana, na Bacia do Rio Negro, a antropóloga Francy Baniwa não esteve presente no lançamento, mas está no livro. A seção “Palavras Indígenas”, com pensamentos de oito lideranças indígenas, começa com as palavras de Francy. Ela rememora os ataques e resistência nos anos do Governo Bolsonaro e traz um forte relato sobre a ligação dos indígenas com seus territórios.

“Para meu povo Baniwa, território significa um lugar sagrado, porque o povo Baniwa se originou de um lugar sagrado chamado ripana, que é o umbigo do mundo. É uma cachoeira e, segundo as nossas narrativas, as nossas metodologias, nós nascemos de uma vagina feita de pedra. Então, nossa conexão com o território é sagrada, porque a gente nasceu desse Hipana, dessa cachoeira, chamada atualmente Uapuí, e a gente está ligada a esse lugar”, escreveu.

Já o comunicador Ray Baniwa, integrante da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas, que atua no Alto Rio Negro, elaborou um artigo sobre as redes de comunicadores indígenas.

“O livro fala desse período de 2017 a 2022, quando houve a criação e o fortalecimento de redes de comunicadores. A Rede Wayuri foi criada nesse período e hoje é inspiração para várias redes que ainda continuam sendo criadas. Os comunicadores passaram a se apropriar de meios digitais e usá-los para comunicar como estratégia pelos direitos e territórios. Essa história está no livro”, disse ele, que esteve no lançamento em Manaus.

lançamento do livro povos indígenas no brasil em manaus
Saiba mais sobre o livro Povos indígenas no Brasil 2017-2022 📷 Paulo Desana/ISA

Fonte: https://www.socioambiental.org/noticias-socioambientais/livro-povos-indigenas-no-brasil-e-lancado-em-manaus-com-historias-da-luta

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