Publicação “Povos Indígenas no Brasil 2017-2022”, do ISA, sintetiza os últimos seis anos de pressões, ameaças e resistências da luta indígena
Tainá Aragão – Jornalista do ISA
Da esquerda para a direita: lideranças indígenas Sandra Benites, Watatakalu Yawalapiti, Vanda Witoto e Txai Suruí lançam no Sesc 24 de Maio, em São Paulo, o livro Povos Indígenas no Brasil 2017-2022 📷 Claudio Tavares/ISA
“Quando um corpo indígena luta, ele luta por uma coletividade, ele luta por um país melhor”, afirma a liderança Vanda Witoto em entrevista exclusiva para o livro Povos Indígenas no Brasil 2017-2022.
Sua fala se reflete na realidade: os povos indígenas são os maiores responsáveis por manter a floresta de pé, para o bem de todo o planeta. Um corpo indígena na terra-floresta contribui para que a sociedade continue viva. No entanto, nos últimos seis anos esteve em curso uma estratégia de extermínio dos povos indígenas que colocou em risco não somente esses povos, mas o país.
A 13ª edição do livro Povos indígenas no Brasil, publicado pelo Instituto Socioambiental (ISA) e lançado nesta terça-feira (21/3) em São Paulo, faz o registro do período mais cruel pós-redemocratização para os Povos Indígenas no Brasil. O documento é um instrumento para manter viva a memória coletiva sobre essa história de ataques, que não podem mais se repetir.
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Os artigos que compõem o livro abordam temas como associações e políticas indígenas, legislação, demarcação de Terras Indígenas, gestão, manejo e proteção territorial e ambiental, pressões e ameaças impostas pelo avanço de grandes projetos de infraestrutura, desenvolvimento econômico e político, educação, saúde pública, cultura e patrimônio.
O livro mostra que é cada vez mais necessário conhecer o Brasil indígena para entender que “viver com a floresta é uma arte e requer uma sabedoria que não pode ser fabricada em laboratório”, como afirmou o líder Yanomami, Davi Kopenawa.
Os modos de vida dos povos indígenas contrastam com a lógica da destruição, pois eles têm um papel crucial para imaginar futuros possíveis em que a relação com os territórios não seja de mera exploração, mas de convívio. “Nosso modo de vida é uma linguagem ancestral que nos faz resistir”, lembrou Witoto durante o lançamento no Sesc 24 de Maio.
Além dela, integraram uma mesa de debate as lideranças Watatakalu Yawalapiti, Txai Suruí e Sandra Benites, além do antropólogo do ISA, Tiago Moreira.
Pressões, ameaças e infraestrutura
Entre os mais de 100 artigos do livro, “Magnitude das pressões e ameaças relacionadas a desmatamentos e obras de infraestrutura nas terras indígenas do brasil”, do pesquisador do ISA, Antonio Oviedo, mostra a importância das Terras Indígenas como “ilhas de conservação e diversidade cultural”, que estão sendo cercadas por pastagens, agricultura, áreas urbanas e áreas degradadas por uso industrial.
Apesar do grande potencial das Terras Indígenas e de toda importância dos mais de 200 povos indígenas no Brasil, houve um aumento significativo das invasões e do desmatamento dentro de suas terras, além de violências generalizadas, especialmente durante a pandemia.
Nos últimos cinco anos, mais de 113 milhões de árvores adultas foram derrubadas dentro das Terras Indígenas. Além disso, cerca de 6% do desmatamento entre 2017 a 2021 foi provocado pela mineração, atividade ilegal e de alto impacto socioambiental. A degradação por mineração ou garimpo nas TIs aumentou 183% nesse mesmo período.
“A natureza está falando há muito tempo. E nós, povos indígenas, também estamos falando há muito tempo que destruir a floresta levaria às consequências que estamos vendo hoje. A Amazônia é como se fosse o jardim dos povos indígenas. Ela só tem o tamanho que tem porque sempre estivemos plantando sementes, para as próximas gerações”, afirmou Txai Suruí no lançamento do livro.
Isolados na mira
A preservação das áreas protegidas, como Terras Indígenas e Unidades de Conservação, é uma questão crucial para a manutenção da sociobiodiversidade e para garantir o bem-estar das comunidades que nela vivem. Entretanto, o livro revela que 133 obras de infraestrutura planejadas estão colocando em risco 52 territórios que abrigam povos indígenas isolados.
De forma alarmante, 70% das áreas protegidas com presença de povos indígenas isolados estão ameaçadas por essas obras, totalizando 22 áreas protegidas em risco iminente. O tema também ganha destaque no livro, principalmente porque esses povos foram violentamente ameaçados, juntamente com seus defensores.
Bruno Pereira, indigenista assassinado por defender o território de indígenas isolados no Vale do Javari (AM), em junho de 2021, recebeu uma homenagem por todo o trabalho desenvolvido na proteção desses povos, o legado que deixou para as próximas gerações de indigenistas.
Política Indigenista
Eloy Terena, ex-coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e atual Secretário Executivo do novo Ministério dos Povos Indígenas, aponta em seu artigo “A ADPF 709 no STF e o enfrentamento da pandemia” que as resistências dos povos indígenas foram pautadas no entendimento da “luta com a caneta, não mais apenas com o arco e flecha”.
Eloy destaca a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 709) como ponto central dessa curva de protagonismo indígena na política institucional. Pela primeira vez uma organização indígena – a Apib – acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) com o objetivo de garantir a proteção dos povos indígenas em face da pandemia da Covid-19, que os colocava em situação de extrema vulnerabilidade.
A medida, entre outras coisas, solicitava a adoção de diversas ações por parte do governo brasileiro, incluindo a criação de barreiras sanitárias para impedir a entrada de terceiros em Terras Indígenas com a presença de povos isolados e de recente contato.
Em razão da ação, a União também foi obrigada a elaborar e monitorar um Plano de Enfrentamento da Covid-19 para os povos indígenas brasileiros e neste componente o STF determinou a extensão dos serviços do Subsistema Indígena de Saúde a indígenas povos aldeados em terras não homologadas e não aldeados (em caso de impossibilidade de acesso ao SUS geral).
A decisão final do STF foi favorável aos povos indígenas, marcando a transição de uma política indigenista para uma política indígena.
O protagonismo político indígena ganhou cada vez mais destaque no cenário político brasileiro desde o fim da ditadura militar. No entanto, foi durante o governo Bolsonaro, que trouxe retrocessos em relação aos direitos indígenas, que esse protagonismo se fortaleceu de forma inédita.
Uma das principais manifestações desse movimento foi o Acampamento Terra Livre (ATL), evento anual que reúne representantes indígenas de todo o país em Brasília e que, em sua última edição, contou com a participação de mais de seis mil pessoas.
No evento, nasceu a “bancada do cocar”, que apoiou pela primeira vez candidaturas indígenas na disputa eleitoral. Esse movimento reverberou na nova política em curso.
Sonia Guajajara, que já presidiu a Apib, tomou posse como ministra dos Povos Indígenas. A Funai agora integra o novo ministério e passa a ser chefiada por uma mulher indígena, a ex-deputada federal Joenia Wapichana. O Ministério da Saúde também ganha representação indígena pela primeira vez. A Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) agora é dirigida pelo advogado Weibe Tapeba.
Mulheres indígenas por uma outra política
A participação cada vez mais marcante das mulheres indígenas na luta pelos seus direitos e na construção de um Brasil mais inclusivo é tema de destaque desta edição.
Um levantamento da bióloga Beatriz Moraes Murer e da ecóloga Silvia Futada mostra que existem atualmente 92 organizações de mulheres indígenas em todo o país. Esse número representa cerca de 10% do total de mais de mil organizações indígenas contabilizadas no Brasil.
O pioneirismo de organizações indígenas femininas aconteceu na década de 1980, com a criação das Associações de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (Amarn) e do Distrito de Taracuá, Rio Uaupés e Tiquié (Amitrut) na região Amazônica. A partir da década de 1990, houve uma ampliação do número de organizações ou departamentos de mulheres dentro de organizações indígenas já estabelecidas.
Ouça episódio do podcast Casa Floresta!
Você sabe quem são os povos indígenas no Brasil?
No Brasil, existem 732 Terras Indígenas em diferentes fases de reconhecimento, das quais apenas 490 estão com a demarcação concluída. Além das 242 áreas com a demarcação em processo, há demandas que sequer tiveram andamento no órgão indigenista – uma lacuna que o Estado brasileiro precisa preencher.
Essas terras são habitadas por 266 diferentes povos indígenas, que falam mais de 160 línguas reconhecidas. Em Terras Indígenas, segundo dados preliminares do censo do IBGE de 2022, vivem mais de 1,5 milhão de pessoas.
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A demarcação de Terras Indígenas é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988 e é fundamental para a proteção e preservação das culturas e modos de vida desses povos. No entanto, o processo de demarcação tem sido alvo de disputas e retrocessos por parte do governo e de setores da sociedade que buscam explorar economicamente essas áreas.
É necessário que o Estado brasileiro respeite os direitos dos povos indígenas e garanta a demarcação de suas terras, além de promover políticas públicas que visem o fortalecimento e o respeito à diversidade cultural desses povos. Somente assim, será possível garantir um futuro mais justo e igualitário para todos os brasileiros.
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