uíre Kayapó, liderança feminina histórica e símbolo da resistência indígena no Brasil, faleceu aos 57 anos 📷 Benjamin Mast/La Mochila Produções/ISA

O Instituto Socioambiental (ISA) lamenta profundamente o falecimento de Tuíre Kayapó, liderança feminina histórica e símbolo da resistência indígena no Brasil. A guerreira gentil, que unia valentia e doçura, finalmente descansou após enfrentar bravamente um câncer no útero, aos 57 anos.

Nascida em Kokrajmôrô, coração da Terra Indígena Kayapó, Tuíre se tornou conhecida mundialmente com apenas 19 anos por seu corajoso ato de brandir um facão contra o rosto do então presidente da Eletronorte, José Antonio Muniz Lopes, em repúdio à construção da Usina Hidrelétrica Kararaô, que mais tarde se tornou conhecida como Belo Monte.

tuíre Kayapó
Tuíre Kayapó brada um facão contra o rosto do diretor da Eletronorte, José Antonio Muniz, em protesto contra os projetos de construção de hidrelétricas na região do Xingu, durante o I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu 📷 Protásio Nenê/Estadão Conteúdo

O gesto icônico de Tuíre Kayapó aconteceu durante o I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em 1989, em Altamira (PA), e marcou para sempre a resistência dos povos indígenas contra projetos que ameaçavam suas vidas e territórios.

“Meu corpo representa o facão, e o facão representa meu corpo, pois são uma única força. Uma força e uma luta. Uma história. Sou mulher, mas tenho a mesma determinação que um homem na hora da raiva. Tenho os mesmos direitos que um homem. Não tenho medo de nenhum homem. Não tenho medo de ninguém, pois possuo a mesma força que vocês representam ter”, disse à Repórter Brasil.

Em entrevista à série #ElasQueLutam, do ISA, ela afirmou: “as florestas, os rios, os povos indígenas: é a sobrevivência deles que eu defendo até hoje”. Sua imagem e suas palavras ajudaram a adiar a construção da hidrelétrica por mais de 20 anos, até sua inauguração em 2015.

https://youtube.com/watch?v=Wf1FVFjrndA%3Fautoplay%3D0%26start%3D0%26rel%3D0%26enablejsapi%3D1%26origin%3Dhttps%253A%252F%252Fwww.socioambiental.org

Neta de caciques tanto do lado materno, quanto do lado paterno, Tuire herdou de sua família a liderança na luta pelo seu território ancestral.  “Aprendi tudo com meus avós. Eles me ensinaram tudo. Tudo o que falavam, eu aprendia. Meus avós me ensinaram a não deixar nenhum branco entrar na reserva indígena e ocupar espaço. Diziam para nós, indígenas, cuidarmos do que é nosso e da nossa floresta para não ser desmatada”, contou.

Em uma época em que os homens eram predominantemente as principais lideranças do movimento indígena, Tuíre se destacou como uma das poucas mulheres a assumir esse papel. Ela participou ativamente na defesa do território e da cultura de seu povo, sendo a única mulher a ir a Brasília com os homens para lutar por seus direitos em marchas e reuniões.

tuire kayapó
Tuíre Kayapó marcha com mulheres Kayapó durante o Acampamento Terra Livre de 2019, realizado de 24 a 26 de abril, em Brasília (DF) 📷 Jacy Santos
Tuíre Kayapó. Povos indígenas Kayapó, Bororo, Xoko, Tapeba, Tuxa, Guajajara, Paresi, Karaja, Yanomamy, Xavante, Kayapo, reuníram-se na SESAI, no Ministério da Saúde, em Brasília, para debater sobre o atual modelo de gestão de contratação da força de trabalho para a área de saúde indígenas
Tuíre Kayapó e representantes de outros povos em reunião na SESAI, no Ministério da Saúde, em Brasília (2017) 📷 Mídia Ninja
tuire kayapó e paulinho paiakan
Tuíre Kayapó e Paulinho Paiakan no Plenário do Senado Federal durante sessão especial pelo 19 de abril, em 2018 📷 Marcos Oliveira/Agência Senado

“Antigamente, eu era a única mulher que ia para Brasília com os homens, e eu atuava bem”, recorda Tuíre. “Na minha luta, eu defendo meu povo, falo com os brancos; envelheci fazendo isso. Minhas parentas veem minhas fotos, vão aprendendo as coisas e agora somos muitas.”

Tuíre foi precursora do protagonismo indígena feminino, abrindo caminho para que, décadas depois, lideranças como Ô-é Paiakan Kayapó, Sonia Guajajara, Joenia Wapichana e Célia Xacriabá chegassem a lugares de poder. “No passado, eu estava sozinha, mas hoje tenho essas mulheres guerreiras ao meu lado”, afirmou.

tuire kayapó e celia xacriabá
Tuíre Kayapó na cerimônia de posse da deputada federal Célia Xakriabá e da ministra Sonia Guajajara, em fevereiro de 2023 📷 Benjamin Mast/La Mochila Produções/ISA
tuire kayapó e sonia guajajara
Tuíre Kayapó e Sonia Guajajara durante o “Ocupa Funai”, em julho de 2016, quando indígenas e servidores promoveram ocupações em pelo menos 32 locais em todas as regiões do país 📷 Victor Pires/ISA

Hoje, as mulheres indígenas são uma força poderosa na luta pelos direitos indígenas. Nos últimos anos, além de participar ativamente nas mobilizações nacionais pelos direitos indígenas, Tuire se dedicou ao fortalecimento do protagonismo e do movimento das mulheres Kayapó, inspirando as novas gerações de menire com sua força, experiência, sabedoria e delicadeza.

Aos 19 anos, com um facão em punho, Tuíre Kayapó abriu caminhos, eternizando em gesto a resistência dos povos indígenas. Agora, inspira novas gerações a continuar a luta, que é permanente, assim como ela. Tuíre virou ancestralidade.

Tuíre, presente!

tuire kayapó
Tuíre Kayapó no encerramento do Encontro Xingu Vivo para Sempre, em 2008 📷 Raul Silva Telles do Valle/ISA

Fonte: https://www.socioambiental.org/noticias-socioambientais/nota-de-pesar-pelo-falecimento-de-tuire-kayapo-lideranca-feminina