Marivelton Baré, presidente da organização, apontou como prioridades do novo ciclo a aplicação dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) e a criação de um Fundo Indígena para o financiamento de iniciativas
Ana Amélia Hamdan
ISA

A XV Assembleia Eletiva da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) reelegeu a atual presidência para o período de 2021 a 2024. O presidente, Marivelton Barroso, da etnia Baré, e o vice-presidente, Nildo Fontes, Tukano, foram escolhidos em assembleia realizada entre 26 e 27 de novembro, em São Gabriel da Cachoeira (AM). O encontro contou com delegações das cinco coordenadorias regionais da Foirn, garantindo representatividade dos 23 povos da região, e teve como tema “Pandemia e os saberes tradicionais indígenas do Rio Negro”.


Participantes da XV Assembleia Geral da Foirn em São Gabriel da Cachoeira (AM)

Segundo Marivelton Baré, entre as prioridades para o novo ciclo estão o fortalecimento da Foirn e das bases, com o estímulo de negócios socioambientais e parcerias para a implantação dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs). Alguns dos desafios, segundo ele, são o enfrentamento à Covid-19 e às limitações impostas pelo Governo Federal aos povos tradicionais.

Durante a assembleia foi lançada a publicação do PGTA da Terra Indígena Alto Rio Negro, elaborado em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) e a Foirn. “O PGTA é nosso plano de vida do território. Nele estão nossas reivindicações, o que a gente quer. O reconhecimento e a valorização cultural, a proteção, a governança, a educação, a saúde, a infraestrutura, a comunicação, entre outras demandas necessárias para promover e fortalecer desde a regularização das associações até o fortalecimento da política das mulheres, da juventude — com a formação de jovens lideranças”, disse Marivelton Baré, que iniciou sua trajetória de liderança no movimento jovem indígena.


Marivelton Barroso Baré foi reeleito presidente da Foirn, com 58 votos

Outra frente da Foirn será a criação do Fundo Indígena do Rio Negro, para financiar projetos das associações indígenas da região — garantindo autonomia de execução de projetos. O fundo, gerido pela organização indígena, deve lançar os primeiros editais no início de 2021. Além disso, a Foirn deve estruturar o Departamento de Negócios Socioambientais, novo espaço que entre outras funções fortalecerá a gestão da loja de artesanatos Wariró.

“Trata-se de um conjunto de ações das cadeias da sociobiodiversidade, com um leque de iniciativas, seja artesanato, produtos do sistema agrícola ou turismo. Estamos iniciando uma política de fortalecimento e fomento da economia indígena no Rio Negro”, contou. “Não pode e não deve, em momento algum, o governo ou grupos empresariais ou grupos de interesses particulares não coletivos decidirem pela gente”, ressaltou.

Coordenador-adjunto do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA), Aloisio Cabalzar participou da Assembleia em São Gabriel da Cachoeira. Ele comentou as dificuldades enfrentadas com a pandemia e anunciou a ampliação de parcerias e projetos ano que vem. “A Foirn está crescendo e se fortalecendo, com muitas perspectivas para 2021, como a ampliação de recursos e o volume de projetos. A equipe do ISA irá acompanhar e apoiar esse crescimento, o que exige muito trabalho e dedicação”, afirmou.

Jornalista do ISA, Juliana Radler apresentou os trabalhos da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas, que tem o desafio de atuar no extenso território de São Gabriel, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos. Neste ano, a Rede Wayuri recebeu o reconhecimento da organização internacional Repórteres sem Fronteiras pela ação no combate à pandemia. Outro destaque foi a cobertura da eleição em São Gabriel. Os comunicadores estiveram na XV Assembleia Eletiva da Foirn e preparam um documentário sobre o encontro.

“A comunicação indígena no Rio Negro é estratégica e vem sendo fortalecida a partir da Rede Wayuri e das narrativas indígenas que levam informação para dentro e fora do território. Esse é um trabalho que une a juventude, as mulheres e as novas tecnologias em benefício da cultura e da defesa dos direitos indígenas”, ressaltou Juliana Radler.

Representatividade

Além de contar com delegados das cinco coordenadorias da Foirn, o encontro em São Gabriel da Cachoeira teve a presença de lideranças nacionais e de indígenas da região Nordeste e do estado do Pará.


Mulheres indígenas do rio Negro elegeram nova diretoria da Foirn

Coordenadora-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Nara Baré reiterou a necessidade de fortalecimento dos povos indígenas. “Com associações, parceiros, apoiadores, enfrentamos as pessoas que se colocam como nossos inimigos. Porque não somos inimigos de ninguém. Assim teremos o fortalecimento da representatividade da voz dos povos indígenas”, disse. Nara Baré é de São Gabriel e sua família é da Ilha do Mirí, no Alto Rio Negro.

A liderança indígena Valéria Paye traçou um panorama do movimento indígena, ressaltando desafios como a demarcação das terras indígenas, o assassinato de lideranças, o marco temporal e outros retrocessos. Ela, que está à frente do Fundo Podáali – Fundo Indígena da Amazônia, contou que os primeiros editais serão abertos em 2021, com objetivo de fortalecer iniciativas indígenas.

Foi divulgada ainda parceria entre a Coiab e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com a criação de bolsas para quatro comunicadores em São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos.

Também participaram da assembleia Alessandro Santo, Pataxó de Porto Seguro (BA), da União Nacional Indígena (UNI); Junior Xucuru, de Pernambuco, da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer); e o cacique Braz, do povo Tapuia do Pará.

Processo eleitoral

Marivelton Baré concorreu à reeleição a presidente da Foirn pela Coordenadoria das Associações Indígenas do Médio e Baixo Rio Negro (CAIMBRN). Também se candidataram ao cargo Nildo Fontes, da Coordenação das Organizações Indígenas do Tiquié, Baixo Uaupés e Afluentes (DIAUWÌI); Adão Henrique, da Coordenadoria das Associações Indígenas do Alto Rio Negro e Xié (CAIARNX); e Janete Alves, da Coordenadoria das Organizações Indígenas do Distrito de Iauaretê (COIDI). Associação Baniwa e Koripako (NADZOERI) não apresentou candidato.

Cada uma das cinco coordenadorias regionais teve direito a 20 votos. Marivelton Baré recebeu 58 votos; Nildo Fontes teve 34; Janete Alves ficou com 5 votos. Adão Henrique não foi votado. Três votos foram anulados.

Assembleias eletivas regionais já haviam definido a diretoria que trabalhará em conjunto com a presidência. Foram reeleitos os diretores de referência Isaías Pereira Fontes, Baniwa (pela NADZOERI), Adão Francisco, Baré, (pela CAIARNX) e Nildo Fontes, Tukano, (pela DIA WII). Eleita pela primeira vez para a diretoria de referência da COIDI, Janete Desana, será a única mulher na diretoria da federação. Janete foi, no mandato de 2017 a 2020, coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas (DMIRN) da Foirn. Ela entra no lugar de Almerinda Ramos, do povo Tariano, liderança indígena, atual diretora executiva e ex-presidente da Foirn.

Novas coordenadoras e coordenadores s do Departamento de Mulheres do Rio Negro (DMIRN) e do Departamento de Adolescentes e Jovens do Rio Negro (DAJIRN) da Foirn foram escolhidxs em assembleias em outubro e novembro. Estarão à frente do DMIRN no período de 2021 a 2024 Dadá Baniwa e Larissa Duarte, da etnia Tukano. Para o Departamento de Jovens foram eleitos Elson Kene, Baré, e Gleice Maia, Tukano.

Para a abertura, a coordenadoria NADZOERI preparou um Dabucuri de Patauá, ritual de canto, dança e oferta de alimentos. Secretário-executivo dessa coordenadoria, Juvêncio Cardoso explica que a cerimônia ocorre em agradecimento e marca a mudança de ciclos, como a época de determinadas frutas ou fenômenos do clima. No contexto do movimento indígena, a cerimônia marca o fim do ciclo do mandato que se encerra neste ano e, ao mesmo tempo, busca a melhoria e o fortalecimento para a nova gestão.


Francineia Fontes, Baniwa, com o pai Francisco Fontes e o filho Fabrício Ruy Fontes, participaram da abertura tradicional da XV Assembleia Eletiva da Foirn

Centro de medicina indígena

A imagem da XV Assembleia Eletiva da Foirn foi uma pintura do artista plástico Feliciano Lana, da etnia Desana, que morreu em maio, aos 83 anos, vítima da Covid-19. A obra mostra a tradicional prática curativa dos pajés do Rio Negro. A medicina indígena, com uso de chás, benzimentos, defumações e rituais de proteção foi amplamente utilizada durante o combate à Covid-19 pelos povos do Alto e Médio Rio Negro. Um dos encaminhamentos da Assembleia é que a Foirn deverá articular para garantir o registro dessas práticas e, ainda, discutir a criação de um Centro de medicina indígena no Rio Negro.

O antropólogo Dagoberto Lima Azevedo, da etnia Tukano, doutorando pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), defende a iniciativa. “Com a chegada dessa pandemia ao território do Rio Negro, houve o uso dos conhecimentos dos povos indígenas, com benzimentos e ervas medicinais. Relatos de muitos parentes mostram o resultado do sistema da saúde indígena de prevenção e neutralização. Isso faz pensar, na minha pequena análise, sobre um Centro de Medicina Indígena do Rio Negro”, explicou.

André Baniwa, liderança indígena e ex-diretor da Foirn, avaliou que é o momento ideal para incentivar as discussões em torno da adoção dos conhecimentos da medicina indígena pelo sistema de saúde federal. “É importante falar sobre esse resultado das práticas tradicionais contra a Covid-19, mas podemos avançar em termos de política pública. Podemos aproveitar essa oportunidade da pandemia, em que os conhecimentos indígenas ganharam força, para avançar e dar espaço a essas práticas”, afirmou.

No início da pandemia houve um grande temor, inclusive de especialistas, que pudesse haver um número muito alto de óbitos na região do Rio Negro. Mas o uso dos remédios da medicina indígena ajudaram a amenizar o impacto do novo coronavírus. Em São Gabriel da Cachoeira, até 30 de novembro, tinham sido registrados 4.817 casos da Covid-19 e 58 mortes.

Marivelton Baré coordenou o Comitê Interinstitucional de Enfrentamento e Combate à Covid-19 em São Gabriel da Cachoeira e ressaltou o esforço para estabelecer parcerias que reforçassem os serviços públicos de saúde na região, como a criação de novas Unidades de Atendimento Primário Indígena (Uapis) no território indígena. A iniciativa foi executada após articulação entre Foirn, ISA, Expedicionários da Saúde (EDS) e Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Rio Negro (Dsei-ARN). O alerta atual, que parte dos serviços de saúde e dos próprios pajés, é para que a população se proteja contra uma potencial segunda onda da Covid-19.

 

 

Fonte: https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/povos-indigenas-do-rio-negro-reelegem-presidencia-da-foirn-ate-2024

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