Encontro em São Gabriel da Cachoeira (AM) com representantes de oito estados da Amazônia Brasileira fortaleceu negócios da sociobiodiversidade

Uma rede de produtores indígenas do Rio Negro (AM) vai, pouco a pouco, tornando-se visível e fortalecida. 

Na abertura do I Encontro Geral de Produtores Indígenas do Rio Negro, que aconteceu em São Gabriel da Cachoeira (AM) entre os dias 10 e 14 de outubro, indígenas reunidos em um círculo usaram um novelo para representar o momento. Enquanto o fio se desenrolava, cada um se apresentava e falava sobre sua produção, mostrando a diversidade de povos e produções da região. 

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Dinâmica no início do encontro na Casa do Saber, em São Gabriel da Cachoeira (AM), formou uma rede entre os povos do Rio Negro e suas produções|Ana Amélia Hamdan/ISA

Durante a dinâmica, os trançados de tucum das mulheres Baré e Piratapuya foram se ligando à cestaria Yanomami, confeccionada com cipó e fungo përisi.  A cerâmica Tukano se uniu à Baniwa, sem deixar de lado os produtos da roça e os utensílios ancestrais usados nessas atividades, como as peneiras e abanos. O trançado dos aturás (cestos) Hupda encontrou sementes e colares trazidos por outros povos. 

No início do encontro, a rede envolveu boa parte dos 23 povos que vive na região do Rio Negro e no dia seguinte se expandiu, contando também com aproximadamente 20 produtores indígenas de oito estados da Amazônia Brasileira, por meio de Intercâmbio de Cadeias de Valor da Rede de Cooperação Amazônica (RCA), composta por 14 associações indígenas e indigenistas. 

O I Encontro Geral de Produtores Indígenas do Rio Negro e o Intercâmbio de Cadeia de Valor da RCA foram promovidos na Maloca – Casa do Saber da Foirn pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) e a própria RCA. 

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Feira foi realizada durante o I Encontro Geral de Produtores Indígenas do Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira 📷 Ana Amélia Hamdan/ISA

Diretor-presidente da Foirn, Marivelton Barroso, do povo Baré, falou da riqueza da economia da floresta e do fortalecimento das cadeias de valor do Rio Negro, que geram renda preservando a floresta. Segundo ele, a estrutura do Departamento de Negócios da Sociobiodiversidade da Foirn vem se fortalecendo mesmo diante das pressões políticas que propõem modelos não sustentáveis dentro de Terras Indígenas.

Uma das principais pautas do encontro de produtores foi a assinatura do termo de pactuação política e acordo de cogestão da Wariró – Casa dos Produtores Indígenas do Rio Negro, que fica em São Gabriel da Cachoeira e comercializa os produtos da região. 

O documento é um instrumento de consolidação de gestão de negócios de excelência, participativa, transparente, envolvendo os povos representados, funcionários, diretores da Foirn e a assessoria do ISA.  

Para garantir a legitimidade dos processos, representantes das cinco coordenadorias da Foirn – Nadzoeri, Diawii, Caibrm, Caiarnx e Coidi (ver abaixo o significado das siglas) participaram do encontro, analisaram e aprovaram o acordo de cogestão em assembleia. 

Encontro é importante para o fortalecimento de laços com as bases, diz Luciane Lima, representante da Foirn|Ana Amélia Hamdan/ISA
Encontro é importante para o fortalecimento de laços com as bases, diz Luciane Lima, da Foirn 📷 Ana Amélia Hamdan/ISA

Para a coordenadora do Departamento de Negócios da Sociobiodiversidade da Foirn, Luciane Lima, do povo Tariano, esse processo garante a transparência das decisões e aproxima os artesãos da Casa Wariró.

“O encontro de artesãos é muito importante para o fortalecimento dos laços com as bases. É importante ressaltar o papel das associações de base na economia da floresta”, disse.

Assessora em gestão de negócios indígenas do ISA, a economista Ana Letícia Pastore Trindade contou que a Wariró está em um processo de expansão, com geração de renda para os povos indígenas e sustentabilidade. 

“Crescer é um desafio enorme, pois envolve respeito à floresta. A Wariró traz a proposta de comercializar com sustentabilidade financeira e ambiental. Não é possível aumentar a oferta com a degradação do equilíbrio ambiental. Então, a produção é ligada também às pesquisas interculturais, ao cuidado com a matéria-prima”, explicou. 

Um dos indicadores desse crescimento é o aumento de 78% do número de artesãos que vendem produtos para a Wariró, passando de 60 no primeiro semestre de 2021 para 107 no mesmo período de 2022.

Entre 2021 e 2022, a Wariró fez compras no valor de quase R$ 260 mil. Os produtos mais vendidos foram a cestaria Yanomami, a cestaria de arumã do povo Baniwa, a cerâmica Tukano e a cerâmica Baniwa.

Os produtos indígenas são vendidos principalmente no Amazonas e também em São Paulo, Rio de Janeiro e no exterior.

Também foram apresentadas no encontro as experiências da Casa de Frutas, em Santa Isabel do Rio Negro, e de apoio ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). As ações, desenvolvidas em conjunto por Foirn e ISA, fortalecem a economia da floresta e, ao mesmo tempo, protegem o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro (SAT-RN), registrado como patrimônio cultural imaterial brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

O encontro contou com a participação do assessor técnico do Projeto Cadeias de Valor do ISA em São Gabriel da Cachoeira, João Gabriel Raphaelli. Iniciativas desenvolvidas pelo ISA em Roraima foram compartilhadas pela engenheira de produção Amanda Latosinski, que trabalha com os povos Yanomami, Ye’kwana e Wapichana, e pela assessora técnica Stephany Caroline Rodrigues, que assessora o povo Wai Wai. 

Supervisor comercial do ISA em São Paulo, Sérgio Marques falou sobre a experiência da loja do ISA, inaugurada na Galeria Metrópole, e que vende produtos da sociobiodiversidade de territórios onde a organização atua. Segundo ele, mais da metade dos produtos comercializados no espaço vem do Rio Negro. “A loja é um difusor de parcerias dentro do ISA”, destacou.

Cultura

Coordenador-adjunto do Programa Rio Negro do ISA, Aloisio Cabalzar falou sobre a importância e a riqueza cultural da economia da floresta, inclusive como forma de proteger a cultura dos povos do Rio Negro. 

O líder indígena André Baniwa também compartilhou seus saberes no encontro de produtores, analisando que os índices mostrados pela Casa Wariró indicam que o fortalecimento dos negócios anda junto com a cultura. “As peças mais originais, como a cestaria Yanomami ou os aturás do povo Hupda, estão atraindo maior interesse. São peças que contam uma história”, detalhou. 

Produtos que contam história estão atraindo maior interesse dos consumidores, analisa André Baniwa|Ana Amélia Hamdan/ISA
Produtos que contam história estão atraindo maior interesse dos consumidores, analisa André Baniwa 📷 Ana Amélia Hamdan/ISA

Uma dessas histórias é contada pela artesã Verônica Ramos Pena, do povo Hupda, que mora na comunidade de Vila Fátima, no Rio Uaupés, e confecciona o tradicional aturá de seu povo. “A gente pega o cipó lá no mato. É muito perigoso entrar no mato, enfrentar cobra, aranha. E, para apanhar o cipó, a gente tem que dormir na floresta por causa da distância. Depois, queima o cipó lá na floresta mesmo e queima a mão”, relatou. Em seguida, a matéria-prima é levada para a comunidade, onde vai ser entrelaçada para se transformar em cestaria.

Vice-presidente da Associação de Mulheres Yanomami Kumirayoma (Amyk), Lídia Santos da Silva conta que, para dar início ao trabalho de confecção da cestaria Yanomami, é preciso paciência. Primeiro, para procurar o cipó. E também para achar uma boa quantidade de përisi, fungo utilizado na cestaria.

“Algumas vezes levamos os homens para tirar o cipó grande, que é o ambé. Depois voltamos para a comunidade para fazer o artesanato”, contou. 

Vivendo em Iauaretê, no Uaupés, Dona Jacinta Araújo Alves, povo Desana, e seu marido Benjamim Antônio Montalvo Cardoso, Piratapuya, ajudaram a criar o Clube dos Casais para produção de artesanato e repasse de saberes aos mais jovens.

Todo domingo, o grupo – formado por cerca de 20 casais – se reúne para trabalhar e compartilhar conhecimentos.

Os homens trabalham com o arumã, fazendo tipitis, cumatás, abanos, peneiras e urutus. As mulheres trabalham com o tucum, porta-jóias, colares, brinco, novelos e bolsas.

Intercâmbio

Além das experiências do Rio Negro, os participantes do encontro de produtores puderam conhecer iniciativas de outros Estados da Amazônia Brasileira por meio de intercâmbio sobre cadeias de valores promovido pela RCA. 

“A experiência entre diferentes territórios e realidades promove cooperação, aprendizado e construção conjunta”, afirmou Luis Donisete Benzi Grupioni, secretário executivo da RCA.

“Estamos dando os primeiros passos conhecendo as ações do Rio Negro, que tem experiência em cadeias produtivas diversificadas, com erros, acertos e desafios”, disse.

Assessora técnica da Secretaria Executiva da RCA, Patrícia de Almeida Zuppi destacou a importância do encontro entre os povos indígenas. “O intercâmbio no território é muito potente, pois a experiência compartilhada sai da linha narrativa e vai para a mão na massa.”

Uma das experiências desenvolvidas no Rio Negro é o turismo de pesca esportiva de base comunitária desenvolvido no Rio Marié. Integrantes da Foirn e da RCA foram até a comunidade de Tapuruquara Mirim, que beneficia 14 comunidades indígenas. 

Povo Tuyuka fez apresentação de dança tradicional durante o encontro de produtores em São Gabriel da Cachoeira|Ana Amélia Hamdan/ISA
Povo Tuyuka fez apresentação de dança tradicional durante o encontro de produtores em São Gabriel da Cachoeira 📷 Ana Amélia Hamdan/ISA

Ianukula Kaiabi Suiá, presidente da Associação Terra Indígena Xingu (Atix), em Mato Grosso, considerou a troca de experiências inspiradora. Ele ressaltou que os povos indígenas vêm passando por um momento de pressão política, o que pode dificultar a estruturação de cadeias produtivas da sociobiodiversidade. 

Vindo do Oiapoque, no Amapá, Diemisom Sfair dos Santos, do povo Karipuna, mostrou a experiência do Empório Uasei, que quer dizer “açaí”. A iniciativa foi construída com o apoio do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepe). “A venda de açaí pelos indígenas era desordenada, com muitos atravessadores. Agora compramos o açaí e revendemos in natura ou batido no Empório Uasei, garantindo uma relação mais justa com os indígenas”, explicou. 

Diemisom dos Santos trouxe a experiência da comercialização do açaí e levou para Oiapoque o exemplo de gestão da Wariró. Assim, as trocas entre os povos dos Estados da Amazônia mostram que as redes para fortalecimento dos negócios da sociobiodiversidade vão se expandindo.

* Organizações da Foirn

Nadzoeri (Organização Baniwa e Koripako), Diawii (Coordenadoria das Organizações Indígenas do Tiquié, Uaupés e Afluentes), Caibrm (Coordenadoria das Associações Indígenas do Médio e Baixo Rio Negro), Caiarnx (Coordenadoria das Associações Indígenas do Alto Rio Negro e Xié); e Coidi (Coordenadoria das Associações Indígenas de Iauaretê).

Fonte: https://www.socioambiental.org/noticias-socioambientais/rede-de-produtores-indigenas-expande-lacos-e-experiencias-com-economia-da

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