Comunicadores do Rio Negro e Coletivo Abaré, de Manaus, se encontraram em São Gabriel da Cachoeira (AM) para ampliar a circulação de informações dentro e fora dos territórios
Ana Amélia Hamdan – Jornalista do ISA
Em uma roda de conversa, tendo à frente uma câmera e um celular, o conhecedor Basílio José Dias, nome tradicional Urêmiri, do povo Tukano, conta em sua língua e em português histórias dos conhecimentos indígenas. Os integrantes da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas escutam atentos e fazem coletivamente a entrevista.
A partir daí, começa o desafio de pensar em como transformar o conteúdo em fotos, textos, áudios, vídeos a serem compartilhados para dentro do território indígena do Rio Negro e para fora, alcançando públicos também para além da Amazônia.
Essa foi uma das atividades desenvolvidas na Oficina Técnica Wayuri – Abaré, entre os dias 20 e 29 de junho, no Telecentro do Instituto Socioambiental (ISA). Conduzida pelo coletivo Abaré Escola de Jornalismo, de Manaus, ela foi realizada pelo ISA e Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), com apoio da Nia Tero e Diálogo Brasil.
O momento é especial. A Rede Wayuri acaba de passar por uma ampliação no número de bolsistas e, na oficina, esse grupo pôde se encontrar e trocar experiências. Até 2022, o coletivo de comunicadores indígenas do Rio Negro contava com cinco bolsistas atuando a partir de São Gabriel da Cachoeira, recebendo ainda apoio de voluntários e colaboradores.
Em 2023, a Rede Wayuri passou a contar com 18 bolsistas, que atuam em áreas urbanas e nas comunidades, reforçando a representatividade de todas as regiões do território do Rio Negro e contando ainda com a importante atuação dos voluntários.
Em janeiro, o encontro da Rede Wayuri reuniu bolsistas e voluntários, mas agora a oficina foi voltada para um grupo menor. Novas formações continuarão acontecendo.
Diretor-presidente da Foirn, Marivelton Barroso, do povo Baré, esteve na oficina para cumprimentar os comunicadores. “O trabalho dos comunicadores tem se mostrado cada vez mais importante, levando informação para dentro e fora do território. E queremos que as oficinas de formação também cheguem às comunidades”, afirmou.
Participaram da oficina comunicadores das cinco coordenadorias da FOIRN: Caimbrn (Coordenadoria das Associações Indígenas do Médio e Baixo Rio Negro), Caibarnx (Coordenadoria das Associações Indígenas do Alto Rio Negro e Xié), Coidi (Coordenadoria das Associações Indígenas do Distrito de Iauaretê), Diawii (Coordenadoria das Organizações Indígenas do Tiquié, Uaupés e Afluentes) e Nadzoeri (Organização Baniwa e Koripako).
A Rede Wayuri é um coletivo de comunicação indígena diverso, com integrantes de várias etnias. Entre o grupo de bolsistas, há indígenas dos povos Tukano, Wanano, Baré, Piratapuya, Yanomami, Baniwa, Tariano e Hupd’äh. Muitos produzem conteúdo nas línguas indígenas. O grupo é vinculado à Foirn e conta com a parceria do ISA.
Uma das fundadoras e coordenadora da rede Wayuri, Cláudia Ferraz, do povo Wanano, considera que esse é um momento importante para a Rede Wayuri, com a ampliação dos bolsistas e a oficina de formação. “A cada ano, desde a primeira oficina, a gente vinha buscando esse fortalecimento. Agora estamos conseguindo”, disse.
Ela explica que o objetivo da Rede Wayuri é promover a comunicação indígena, levando informações para dentro e para fora do território, considerando a diversidade cultural e as realidades do Rio Negro, com produção de conteúdo também em línguas indígenas. “Isso só é possível com a participação de vocês, os comunicadores que estão nas bases”, afirmou durante a oficina.
A formação em conjunto com a Abaré foi pensada para que os comunicadores pudessem produzir pequenos textos, áudios, fotos e vídeos curtos, utilizando principalmente o celular. As narrativas vão desde a defesa territorial até a cosmologia, dando visibilidade também para a agenda institucional da FOIRN.
E a própria Rede Wayuri também já está formando seus integrantes. Cláudia Wanano conversou com os comunicadores sobre as atividades desenvolvidas e sobre o processo para execução dos produtos de comunicação, como o programa de rádio Papo da Maloca e o podcast Wayuri.
Essas atividades foram acompanhadas na prática. No dia 21 de junho, a oficina aconteceu durante o próprio programa Papo da Maloca, produzido e conduzido pela Wayuri, indo ao ar toda quarta-feira, das 10h às 12h.
O comunicador José Paulo, povo Piratapuya, entrevistou os três jornalistas da Abaré: Gabriel Veras, Ariel Bentes e Waldick Júnior. A diretora da FOIRN, Janete Alves, do povo Desana, também foi convidada.
Comunicação nos territórios
A Abaré é uma escola de comunicação itinerante, que trabalha com o fortalecimento do jornalismo local e no combate à desinformação, com atuação em escolas públicas e áreas periféricas de Manaus. Esta é a primeira vez que o grupo desenvolve um trabalho para além da capital.
O nome escolhido – Abaré – é uma palavra do tronco linguístico Aruak que significa amigos. Lembrando que a Wayuri também tem nome indígena, da língua nheengatu, que significa trabalho coletivo.
Um dos fundadores da Abaré, o jornalista Gabriel Veras explica que a parceria da Wayuri já vinha acontecendo de outras formas. Em maio, o comunicador Ray Baniwa e a comunicadora Juliana Albuquerque, do povo Baré, participaram em Manaus de encontro da Abaré que discutiu a desinformação e seus efeitos na sociedade.
“Esse trabalho da Rede Wayuri em São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos é fundamental. Estamos falando de pessoas que conhecem o território, que estão nesse território, que são indígenas e, portanto, sabem melhor que qualquer um como dialogar, como comunicar com as comunidades indígenas. Por isso a riqueza da Rede Wayuri”, sublinhou.
“E quando a Abaré chega para essas oficinas, com a participação do ISA e da Foirn, não vem simplesmente para trazer um conhecimento, mas para construir algo junto. E isso ficou bem nítido também com o engajamento dos comunicadores”, disse Gabriel Veras.
Durante a oficina, os comunicadores registraram as atividades. Foi produzido o Papo da Maloca, o podcast Wayuri e posts – vídeos, textos e cards – para o Instagram.
Cinema indígena
O encontro teve também uma sessão do Cine Japu – que promove exibições de cinema quinzenalmente no Telecentro do ISA, com participação da Rede Wayuri, tendo como produtora a comunicadora Suellen Samanta, do povo Baré. Com a presença dos comunicadores, o filme escolhido foi Os verdadeiros líderes espirituais, dirigido pelo cineasta indígena Alberto Álvares, do povo Guarani.
Antropóloga e cineasta, Julia Bernstein – que integrou a equipe do filme – está em São Gabriel da Cachoeira e participou de uma roda de conversa após a exibição. Ela considera que o cinema pode aproximar os jovens indígenas de suas tradições.
“O audiovisual, que traz a tecnologia, que interessa muito aos jovens, pode reconectar os jovens com a tradição também. O que o Alberto faz é a preservação da memória, do modo de vida Guarani e da história das pessoas”, comentou Julia Bernstein.
Representando o Decom/Foirn, Joelson Félix e Paulo Vítor Bastos trouxeram o conteúdo sobre equipamentos, segurança digital e cuidados na circulação da informação. A atriz e produtora cultural Naiara Bertoli, consultora do ISA que acompanha os trabalhos da Wayuri, trouxe técnicas do teatro para apoiar os comunicadores.
Comunicador da região do rio Tiquié, Euclides Holcim, do povo Tukano, gostou muito das práticas. Falante da língua Tukano, ele explicou que as práticas na oficina deixaram ele mais seguro para conversar e fazer entrevistas sendo na língua indígena ou em português. “Às vezes o coração fica disparado, mas eu consegui fazer as atividades e me senti tranquilo em contar histórias. Para mim foi muito bom”, contou.
Memória, território e patrimônio
Durante a oficina foram exibidos vídeos produzidos no projeto Memória, Território e Patrimônios Imateriais do Rio Negro, desenvolvido pelo Museu da Pessoa e Foirn. A Rede Wayuri é parceira da iniciativa, com produção de podcast e divulgação.
A comunicadora Juliana Albuquerque, do povo Baré, acompanhou esse projeto. Um dos encontros aconteceu no distrito de Iauaretê. Ela registrou em vídeo (https://www.instagram.com/p/CtzElwVsPb7/) a viagem pelo rio, passando por corredeiras, dando a dimensão do desafio que os comunicadores enfrentam.
Rariton Horácio, do povo Baré, também participou do projeto no Médio Rio Negro e informou que, a partir dos encontros, a Câmara Municipal de Santa Isabel do Rio Negro passou a discutir o reconhecimento do Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro (SAT-RN) como patrimônio cultural do município. O SAT-RN já é patrimônio nacional.
No encerramento da oficina Wayuri – Abaré, uma manifestação multicultural envolveu os participantes: os comunicadores fizeram uma apresentação com cantos e danças tradicionais. Também foi organizada uma quadrilha improvisada, conduzida por Cláudia Wanano e José Paulo. Foi servida quinhampira – a tradicional caldo de peixe e pimenta.
Conheça os integrantes da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas
Claudia Ferraz, povo Wanano
Adelson Ribeiro, povo Tukano
Suellen Samanta, povo Baré
Deise Menezes Alencar, povo Tukano (colaboradora)
Kelson Melgueiro, povo Baré
Shayra Cruz, povo Baré
João Alex Lins, povo Yanomami
André Meira, povo Tukano
Euclides Holquim, povo Tukano
Juliana Albuquerque, povo Baré
Álvaro Socot, povo Hupdah
José Paulo, povo Piratapuya
José Baltazar, povo Baré
Rariton Horácio, povo Baré
Plínio Guilherme, povo Baniwa
Laura Almeida, povo Baniwa
Rosivaldo Miranda, povo Piratapuya
Marcelo Córdoba, povo Tuyuka
João Arimar, povo Tariano
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