Com a morte do indígena, o destino de sua terra é incerto. Indigenistas temem que ela seja entregue aos algozes de seu povo

Tiago Moreira dos Santos – Antropólogo do ISA

Em 2018, cenas inéditas da Funai comprovaram novamente a existência de Tanaru, indígena que ficou conhecido como o “índio do buraco”.

O nome fazia referência ao refúgio que o último sobrevivente de seu povo cavava na terra para fugir da expansão das frentes de colonização no interior de Rondônia.

Na última quarta-feira (24/8), ele foi encontrado em seu tapiri, “deitado na rede e paramentado com penas de arara como se esperasse a morte”, conforme relatos.

Documentos oficiais mostram que, desde 1973, quando o Incra iniciou o trabalho de colonização do Vale do rio Corumbiara, no sul de Rondônia, já se sabia da existência de diferentes povos indígenas não contatados ou isolados na região.

Ao longo dos anos 1970 e 1980, foram dezenas de relatos de massacres e fugas, enquanto avançavam o desmatamento e a abertura de fazendas.

Os indigenistas Marcelo dos Santos e Altair Algayer insistiram na identificação desses povos. Ambos faziam parte da Frente de Contato Guaporé, hoje convertida em Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé e, além de sofrerem ameaças, eram acusados de forjar a presença dos indígenas na área.

Um dos responsáveis por abrir a porteira foi Romero Jucá, na época presidente da Funai (1986-1988). Ele  suspendeu as restrições que protegiam os territórios da gleba Corumbiara e distribuiu a terra onde os indígenas viviam a fazendeiros e madeireiros.

Buscando documentar a situação, os indigenistas organizaram em 1995 uma expedição e, além da imprensa, contaram com o antropólogo e cinegrafista do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Vincent Carelli.

A equipe encontrou ainda uma família com cinco indígenas Kanoê, na região do rio Omerê, que indicaram a existência de outro grupo de isolados na mesma área, os “Akuntsu”. Os 20 anos de filmagens deram origem ao documentário “Corumbiara” (2009), que denuncia o massacre de indígenas em 1985.

“Corumbiara” trouxe o primeiro registro do “índio do buraco”, feito em 1996. Nele, a câmera expõe o rosto assustado de Tanaru e registra para o mundo a solidão do sobrevivente de genocídio.

Desde então, a opção do indígena pelo isolamento passou a ser respaldada por uma portaria da Funai de restrição de uso, estabelecida pela primeira vez em 1997. A Portaria 1.040/2015 foi prorrogada por mais 10 anos, garantindo a interdição da área até 2025.

“Acho que ele vai ficar lá sozinho mesmo e vai ter suas dificuldades para sobreviver lá dentro (…) A gente acha que, talvez, nesse momento, ele vai pedir ajuda e espero que a gente esteja ali perto para ajudá-lo nesse final de vida”, disse Altair em depoimento ao livro “Cercos e Resistências: Povos Indígenas Isolados na Amazônia Brasileira” (2019), do Instituto Socioambiental (ISA).

Com a morte de Tanaru, o destino de sua terra é incerto. Indigenistas temem que a floresta protegida pelo isolado possa ser entregue aos algozes de seu povo. Para eles, a área deveria se tornar um monumento à resistência dos povos indígenas e de Tanaru, semeado na floresta que ele viveu para proteger. Até o final.

Fonte: https://www.socioambiental.org/noticias-socioambientais/tanaru-o-indio-do-buraco-que-viveu-protegendo-floresta

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