Instalada em 18 de outubro de 2011, a partir de Requerimento do Senador Pedro Taques (PDT/MT), a Comissão de Juristas para a Elaboração de Anteprojeto de Código Penal[1], presidida pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Langaro Dipp, teve como tarefa a) modernizar o Código Penal; b) unificar a legislação penal esparsa; c) estudar a compatibilidade dos tipos penais hoje existentes com a Constituição de 1988, descriminalizando condutas e, se necessário, prevendo novas figuras típicas; d) tornar proporcionais as penas dos diversos crimes, a partir de sua gravidade relativa; e) buscar formas alternativas, não prisionais, de sanção penal.

A Comissão realizou, em sete meses de atividade, vinte e quatro reuniões nas dependências do Senado Federal, tendo encaminhado seu relatório em maio de 2012. O PLS 236/2012 começou a tramitar em julho, devendo ser examinado por Comissão Temporária e, posteriormente, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A Comissão Temporária tem um prazo até 05 de outubro de 2012 para receber emendas, e os prazos para apresentação do Relatório do Relator Geral e para parecer final da Comissão ainda serão definidos.

Trata-se de prazo extremamente exíguo para exame de um código de tal porte pelas Senadoras e Senadores da República, em ano eleitoral (no qual a casa se reunirá apenas extraordinariamente), e sem que instituições jurídicas como a OAB e o IAB, assim como a sociedade civil organizada, possa se posicionar. Torna-se imprescindível, neste sentido, um alargamento dos prazos dos trabalhos da Comissão e uma ampla mobilização por parte da comunidade antropológica dedicada à promoção, implementação e defesa dos direitos de povos indígenas, quilombolas, estrangeiros, trabalhadores em condições análogas à escravidão etc., para acompanhamento das discussões e tramitação do PLS 236.

A seguir, apresenta-se um quadro comparativo dos dispositivos penais referentes aos índios, suas comunidades e povos, tal como expressos no Código Penal vigente desde 1940, no PLS 236, no Estatuto do Índio (Lei 6.001/1973) e na nova proposta redigida pela Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI):

DL 2848/1940 – CÓDIGO PENAL PLS 236/2012 (PROPOSTA DA COMISSÃO DE JURISTAS PARA NOVO CÓDIGO PENAL)LEI 6001/1973 – ESTATUTO DO INDIOESTATUTO DOS POVOS INDÍGENAS – PROPOSTA DA COMISSÃO NACIONAL DE POLÍTICA INDIGENISTA- CNPI
Esterilização forçadaArt. 185. Esterilizar alguém sem o seu consentimento genuíno:Pena – prisão, de dois a oito anos.Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de modificar ou comprometer a unidade étnica de um grupo:Pena – prisão, de seis a doze anos.
  TÍTULO IDos Princípios e DefiniçõesArt. 1º Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional.Parágrafo único. Aos índios e às comunidades indígenas se estende a proteção das leis do País, nos mesmos termos em que se aplicam aos demais brasileiros, resguardados os usos, costumes e tradições indígenas, bem como as condições peculiares reconhecidas nesta Lei. 
TÍTULO IIDO CRIMEÍndiosArt. 36. Aplicam-se as regras do erro sobre a ilicitude do fato ao índio, quando este o pratica agindo de acordo com os costumes, crenças e tradições de seu povo, conforme laudo de exame antropológico.§ 1º A pena será reduzida de um sexto a um terço se, em razão dos referidos costumes, crenças e tradições, o indígena tiver dificuldade de compreender ou internalizar o valor do bem jurídico protegido pela norma ou o desvalor de sua conduta.§ 2º A pena de prisão será cumprida em regime especial de semiliberdade, ou mais favorável, no local de funcionamento do órgão federal de assistência ao índio mais próximo de sua habitação.§ 3º Na medida em que isso for compatível com o sistema jurídico nacional e com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, deverão ser respeitados os métodos aos quais os povos indígenas recorrem tradicionalmente para a repressão dos delitos cometidos pelos seus membros.  Art. 56. No caso de condenação de índio por infração penal, a pena deverá ser atenuada e na sua aplicação o Juiz atenderá também ao grau de integração do silvícola.        Parágrafo único. As penas de reclusão e de detenção serão cumpridas, se possível, em regime especial de semiliberdade, no local de funcionamento do órgão federal de assistência aos índios mais próximos da habitação do condenado.        Art. 57. Será tolerada a aplicação, pelos grupos tribais, de acordo com as instituições próprias, de sanções penais ou disciplinares contra os seus membros, desde que não revistam caráter cruel ou infamante, proibida em qualquer caso a pena de morte.TÍTULO VIII – Das Normas penais e processuaisCAPÍTULO I – Dos princípiosArt. 208. Serão respeitadas as resoluções de conflitos das comunidades indígenas realizadas entre seus membros e de acordo com seus usos, costumes e tradições, inclusive se resultarem em sanções ou absolvições.Art. 209. Aos juízes federais compete julgar a disputa sobre direitos indígenas, assim considerada, na esfera criminal, as ações em que o indígena figure como autor ou réu.Art. Durante o procedimento criminal instaurado para apurar condutas praticadas pelo indígena, o juiz deverá considerar suas peculiaridades culturais e o respeito a seus usos e costumes.§1º. As peculiaridades culturais do réu e a observância de seus usos e costumes deverão ser aferidas mediante a realização de perícia antropológica.§2º. É direito do indígena ter a presença de representante do órgão indigenista federal, quando preso em flagrante, para a lavratura do auto respectivo, e nos demais casos, a sua comunicação expressa.§3º. Recebida a denúncia, o juiz deverá determinar a realização da perícia antropológica.Art. 210. Durante a realização de audiência, é direito do indígena ser assistido por intérprete quando não falar ou compreender plenamente a língua nacional oficial.Parágrafo único. O interprete poderá ser indicado pelas partes ou nomeado pela autoridade judicial.Art. 211. A ação penal, nos crimes praticados por indígenas contra indígenas, será publica condicionada a representação do ofendido.Art. 213. O juiz poderá substituir a prisão preventiva pela prisão domiciliar quando o agente foi indígena.Art. 214. O juiz, ao fixar a pena por infração cometida por indígena, além de observar o disposto no art. 68[2] do Decreto-lei, 2848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, deverá considerar a sanção aplicável pela comunidade indígena, podendo, inclusive, deixar de aplicar pena quando considerar que aquela foi suficiente para a reprovação do delito.Art. 215. Condenado o indígena por infração penal o juiz considerará, na aplicação da pena, as peculiaridades culturais do réu e as circunstâncias do cometimento do crime.§1º. As penas de reclusão e de detenção serão cumpridas sempre que possível, em regime aberto, na terra indígena ou no local de funcionamento da unidade administrativa do órgão indigenista federal mais próxima do domicílio do condenado.§2º. Se o juiz fixar o regime inicial fechado, o indígena deverá cumprir a pena em estabelecimento distinto dos não-indígenas, em respeito aos seus usos e costumes.§3º. O juiz deverá adequar a pena restritiva de direito aplicada ao indígena à sua realidade e à cultura de sua comunidade indígena.Art. 216. É isento de pena o indígena que pratica o fato em função dos valores culturais de seu povo.Art. 217. A Procuradoria Geral Federal prestará a assistência jurídica criminal ao indígena ou comunidades.Art. 218. A Procuradoria Geral Federal criará câmara de coordenação e especialização da matéria indígena, de modo a formar e manter em seus quadros Procuradores Federais especialistas no assunto.Parágrafo Único: A câmara de coordenação de que trata o caput poderá convidar advogados indígenas ou especialistas para acompanhar os seus trabalhos.Art. 219. Aplicam-se os prazos em dobro para recorrer e em quádruplo para contestar, nas ações cíveis, e em dobro, para todos os atos, nas ações penais, quando envolverem interesses indígenas, individual ou coletivo, sejam os indígenas defendidos por advogado público ou constituído.Parágrafo Único. Será pessoal a intimação nas ações a que se refere o caput.
CAPÍTULO VDOS CRIMES CONTRA A HONRAInjúriaArt. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.§ 1º – O juiz pode deixar de aplicar a pena:I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.§ 2º – Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)Pena – reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)Capítulo IVCrimes contra a honraInjúriaArt. 138. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:Pena – prisão, de seis meses a um ano.
CAPÍTULO VIDOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUALSEÇÃO IDOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOALArt. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)I – contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)Capítulo VCrimes Contra a Liberdade PessoalRedução à condição análoga à de escravoArt. 150. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:Pena – prisão, de quatro a oito anos, além da pena correspondente à violência e ao tráfico de pessoas.Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; ouIII – obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento ou as fornecidas por pessoa determinada, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida.TÍTULO VI – Do aproveitamento dos recursos minerais e hídricosCAPÍTULO I – Dos Recursos MineraisArt. 120. São infrações administrativas:……………………………………VII – a manutenção de trabalhadores em condições degradantes de trabalho ou análogas à de escravo ou a exploração do trabalho de crianças e adolescentes.
TÍTULO IV – DOS CRIMES CONTRA -A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHOFrustração de direito assegurado por lei trabalhistaArt. 203 – Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho:Pena – detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)§ 1º Na mesma pena incorre quem: (Incluído pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)I – obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida;  (Incluído pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)II – impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.  (Incluído pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)
Aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacionalArt. 207 – Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional:Pena – detenção de um a três anos, e multa§ 1º Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem. § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.
TÍTULO XIV – CRIMES CONTRA INTERESSES METAINDIVIDUAISCapítulo I – Crimes contra o meio ambienteSeção III – Da poluição e outros crimes ambientaisArt. 416. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais ou explorar matéria prima pertencente à União, sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:Pena – prisão, de um a três anos.§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:I – deixar de recuperar a área pesquisada ou explorada, nos termos da autorização, permissão, licença, concessão ou determinação do órgão competente;II – sem autorização legal, adquirir, transportar, industrializar, tiver consigo, consumir ou comercializar produtos ou matéria-prima, obtidos na forma prevista no caput deste artigo.§2º Aumenta-se a pena de um terço a dois terços quando a atividade for em área indígena.
Capítulo VI – Crimes contra grupos vulneráveisSeção IIICrimes contra os ÍndiosCAPÍTULO IIDos Crimes Contra os ÍndiosCAPÍTULO III – Dos crimes contra os indígenas
Art. 486. Escarnecer de cerimônia, rito, uso, costume ou tradição culturais indígenas, vilipendiá-los ou perturbar, de qualquer modo, a sua prática.Pena – prisão, de seis meses a dois anos.Parágrafo único. Se a conduta prevista no caput impedir ou perturbar o sepultamento de índio em terras ancestrais ou pertencentes à comunidade indígena, a pena será aumentada de um terço a dois terços, sem prejuízo da pena correspondente à violência.Art. 58. Constituem crimes contra os índios e a cultura indígena: I – escarnecer de cerimônia, rito, uso, costume ou tradição culturais indígenas, vilipendiá-los ou perturbar, de qualquer modo, a sua prática. Pena – detenção de um a três meses;Art. 227. Escarnecer de cerimônia, rito, uso, costume ou tradições culturais indígenas, vilipendiá-los ou perturbar, de qualquer modo, a sua prática:Pena – detenção de dois a seis meses e multa de no mínimo 25 (vinte e cinco) dias-multa.
II – utilizar o índio ou comunidade indígena como objeto de propaganda turística ou de exibição para fins lucrativos. Pena – detenção de dois a seis mesesArt. 223. Utilizar o indígena ou comunidade indígena, sem o seu consentimento expresso, com o objetivo de propaganda turística ou de exibição para fins promocionais ou lucrativos:Pena – detenção de um a três meses e multa, igual a pelo menos o dobro da vantagem econômica auferida pelo agente ou a no mínimo 25 (vinte e cinco) dias-multa.§1º. Se o consentimento é extraído por meio ardiloso ou fraudulento, a pena será agravada de dois terços.§2º. Se da utilização resultar dano moral.Pena – detenção de três a seis meses e multa, acrescida de um terço.
Art. 224. Fazer uso, comercial ou industrial, de recursos genéticos ou biológicos existentes nas terras indígenas para o desenvolvimento de processos ou produtos biotecnológicos, sem o prévio consentimento, por escrito, da comunidade ou sociedade indígena que tenha a sua posse permanente:Pena – multa igual a pelo menos o dobro da vantagem econômica auferida pelo agente ou a no mínimo 25 (vinte e cinco) dias-multa
Art. 225. Apropriar-se ou fazer uso, comercial ou industrial, direta ou indiretamente, de conhecimentos tradicionais indígenas, patenteáveis ou não, sem o prévio consentimento, por escrito, da comunidade ou sociedade indígena que tenha a sua posse permanente:Pena – multa igual a pelo menos o dobro da vantagem econômica auferida pelo agente ou a no mínimo 25 (vinte e cinco) dias-multa.
Art. 487. Propiciar, por qualquer meio, a aquisição, o uso e a disseminação de bebidas alcoólicas ou substância cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida, nos grupos tribais ou entre índios não integrados.Pena – prisão, de dois a quatro anos.III – propiciar, por qualquer meio, a aquisição, o uso e a disseminação de bebidas alcoólicas, nos grupos tribais ou entre índios não integrados. Pena – detenção de seis meses a dois anos.  Art. 226. Proporcionar, mediante fraude ou ardil, a aquisição, o uso e a disseminação de bebidas alcoólicas entre membros da comunidade indígena:Pena – detenção de seis meses a dois anos, e multa de no mínimo 25 (vinte e cinco) diasmulta.
Art. 228. Ingressar em terras indígenas cujos limites tenham sido declarados, sem a devida autorização:Pena – detenção, de seis meses a um ano e multa, correspondente a 25 (vinte e cinco) diasmulta.
Parágrafo único As penas estatuídas neste artigo são agravadas de um terço, quando o crime for praticado por funcionário ou empregado do órgão de assistência ao índio.Art. 229. As penas estatuídas neste Capítulo serão agravadas de um terço, quando o crime for praticado por servidor do órgão indigenista federal.
Art. 59. No caso de crime contra a pessoa, o patrimônio ou os costumes, em que o ofendido seja índio não integrado ou comunidade indígena, a pena será agravada de um terço.
TÍTULO XVICRIMES CONTRA OS DIREITOS HUMANOSCapítulo ICrimes contra a humanidade
GenocídioArt. 459. Praticar as condutas descritas nos incisos abaixo com o propósito de destruir, total ou parcialmente, um grupo, em razão de sua nacionalidade, idade, idioma, origem étnica, racial, nativa ou social, deficiência, identidade de gênero ou orientação sexual, opinião política ou religiosa:I – matar alguém;II – ofender a integridade física ou mental de alguém;III – realizar qualquer ato com o fim de impedir ou dificultar um ou mais nascimentos, no seio de determinado grupo;IV – submeter alguém a condição de vida desumana ou precária; ouV – transferir, compulsoriamente, criança ou adolescente do grupo ao qual pertence para outro:Pena – prisão, de vinte a trinta anos, sem prejuízo das penas correspondentes aos outros crimes.Parágrafo único. Na mesma pena incide quem incita publicamente a prática do genocídio.Art. 220. Matar membros de um mesmo grupo indígena, provocando o extermínio total ou parcial ou pondo em risco a existência do grupo:Pena – reclusão, de vinte a trinta anos.Parágrafo Único. Se o crime é culposo:Pena – detenção, de três a doze anos.Art. 221. Ofender a integridade corporal ou a saúde de membros de um mesmo grupo indígena, provocando o extermínio total ou parcial ou pondo em risco a existência do grupo:Pena – reclusão, de três a doze anos.§1º. Se o crime é culposo:Pena – detenção, de dois a oito anos.§2º. Nas mesmas penas incorre aquele que:I – submete ilicitamente o grupo a localização forçada ou a condições de existência capazes de ocasionar o seu extermínio local ou parcial;II – adota medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;III – efetua a transferência ilícita de membros do grupo para qualquer outro.Art. 222. Proceder à remoção forçada de comunidade indígena de suas terras, ou à assimilação forçada de usos, costumes e tradições de outra sociedade distinta:Pena – reclusão de dez a vinte anos.
 Associação para o genocídioArt. 460. Associarem-se três ou mais pessoas para a prática dos crimes mencionados no art. 459:Pena – prisão, de dez a quinze anos, sem prejuízo das penas correspondentes aos outros crimes.  
 ExtermínioArt. 461. Sujeitar à privação do acesso a água, alimentos, medicamentos ou qualquer outro bem ou serviço do qual dependa a sobrevivência de grupo de pessoas, visando causar-lhes a morte:Pena – prisão, de vinte a trinta anos.  
 Gravidez forçadaArt. 463. Engravidar ou promover a gravidez, mediante violência ou grave ameaça contra com o fim de modificar ou comprometer a unidade étnica de um grupo:Pena – prisão de dez a vinte anos, sem prejuízo da pena correspondente ao constrangimento sexual.  
 Segregação racial – apartheidArt. 467. Praticar qualquer crime previsto neste Título no contexto de um regime institucionalizado ou tolerado de opressão e dominação sistemáticas de um grupo racial ou étnico sobre outro, com o fim de manter esse regime:Pena – prisão, de quatro a doze anos, além da pena correspondente ao outro crime.  
– Capítulo VDo racismo e dos crimes resultantes de preconceito e discriminaçãoArt. 472. Constitui crime, quando praticado por motivo de discriminação ou preconceito de gênero, raça, cor, etnia, identidade ou orientação sexual, religião, procedência regional ou nacional ou por outro motivo assemelhado, indicativo de ódio ou intolerância:I – impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Pública Direta ou Indireta, bem como das concessionárias ou permissionárias de serviços públicos ou ao serviço das Forças Armadas, ou obstar sua promoção funcional;II – negar ou obstar emprego em empresa privada, demitir, impedir ascensão funcional ou dispensar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, sem justificação razoável;III – exigir teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez;IV – recusar ou impedir acesso a qualquer meio de transporte público ou estabelecer condições diferenciadas para sua utilização;V – recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau;VI – impedir o acesso ou recusar:a) hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar;b) atendimento em estabelecimento comercial de qualquer natureza, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador;c) atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público;d) entrada em edifícios públicos e elevadores ou escadas de acesso aos mesmos.VII – praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito, pela fabricação, comercialização, veiculação e distribuição de símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que a indiquem, inclusive pelo uso de meios de comunicação e internet.§ 1º Se a vítima do crime é criança ou adolescente, a pena será aumentada de um terço até a metade.§ 2º Constitui efeito da condenação:I – a suspensão do exercício de cargo ou função pública por até cento e oitenta dias;II – a perda do cargo ou função pública para as condutas que se revestirem de especial gravidade;III – a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo de até cento e oitenta dias.Art. 230. A prática de ato de discriminação ou preconceito contra indígenas constitui crime de racismo, inafiançável e imprescritível, sujeito às penas previstas na Lei nº. 7.716, de 5 de janeiro de 1989, com as alterações introduzidas pela Lei nº. 8.081, de 21 de setembro de 1990.
 Art. 473. Ficará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial, quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências.  
 Art. 474. Os crimes previstos neste Capítulo são imprescritíveis, inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia.  
   Art. 231. O não cumprimento do art. 48[3] desta Lei constitui crime, sujeitando-se o infrator às penas do art. 320 do Código Penal.
   Art. 232. Na estipulação das multas o juiz considerará a capacidade econômica.

Das informações coligidas acima, deve-se observar:

1)    A ausência de informações relativas às penas cometidas contra indígenas na proposta do PLS 236.

2)    A exclusão do agravamento da pena para os crimes cometidos contra indígenas e relativos ao Capítulo V (contra a honra), VI (contra a liberdade pessoal), contra a organização do trabalho, além do Artigo 207, na proposta do PLS.

3)    A exclusão dos Artigos 56 e 57 do Estatuto do Índio (Lei 6.001/1973) os quais propõem atenuação da pena e seu cumprimento, preferencialmente, em regime de semiliberdade.

4)    A inclusão do Art. 36 relativo aos crimes cometidos por indígenas. Nota-se a preocupação dos juristas em definir graus de compreensão manifestados pelos indígenas e aferidos por laudos antropológicos para qualificar o fato e a extensão do crime cometido. Trata-se de uma atualização, por outros termos, da preocupação com o grau de integração dos indígenas para determinar sua imputabilidade penal. Conforme as notas taquigráficas coligidas, o debate gerado por este artigo decorre do senso comum de que indígenas seriam inimputáveis no país. Pesquisas recentes promovidas pela ABA/6a Câmara e também pelo CTI demonstraram, com base em informações disponibilizadas pelo INFOPEN e por pesquisas in loco em penitenciárias de Roraima, que a população carcerária indígena no Brasil é proporcionalmente alta se considerada a população indígena de origem dos presos. Existem casos, como no sul do MS, em que 20% da população masculina indígena encontra-se encarcerada nos municípios de Amambaí e na Grande Dourados. Outro aspecto importante a ser mencionado decorre do fato de que os indígenas que cometeram crimes, seja em suas comunidades ou fora delas, independente do grau de compreensão “do valor jurídico protegido pela norma”, foram descaracterizados etnicamente, inclusive com a destruição de documentos de identidade, desde a abordagem policial, passando pela análise processual e julgamento, até o encarceramento. Esta “descaracterização étnica” é responsável pelo total abandono de serviços jurídicos por parte dos órgãos competentes que se eximem de lidar com crimes cometidos por indígenas em caráter individual ou quando o crime não incida sobre direitos coletivos indígenas. O papel da “perícia” ou dos laudos antropológicos nesses contextos tem implicado uma redução do exercício da antropologia pelas práticas de responder quesitos previamente solicitados pelos juízes. Ocorre um total desconhecimento e desconsideração dos procedimentos metodológicos da antropologia para produção de conhecimento sobre casos concretos.

Nesse sentido, consideramos importante informar, de um ponto de vista antropológico e jurídico, que discutir a aplicação de penalidades de acordo com o grau de “integração do índio” é ao mesmo tempo um ato preconceituoso e equivocado. Apoia-se em esquemas analíticos/administrativos  inadequados e realimenta o senso comum  quanto à aculturação dos indígenas, o que já foi revisto pela Constituição Federal e dispositivos internacionais ratificados pelo Congresso Nacional, como a Convenção 169 da OIT.

Torna-se fundamental, para subsidiar o debate dos legisladores sobre a temática indígena, ter presente que mesmo ações individuais dos indígenas estão fortemente referidas a valores e expectativas de unidades mais amplas (famílias extensas, comunidades locais, comunidades rituais e linguísticas). À diferença do que ocorre com não-índios, só muito raramente as punições aplicadas a pessoas indígenas pelo sistema de justiça não-indígena têm repercussões ou possuem motivações estritamente individuais, estando em casos conhecidos, situada em contextos de conflito interétnico e fundiário com evidentes efeitos criminalizadores de lideranças indígenas e membros de suas comunidades.

A aplicação de penalidades pelos juízes deveria assim levar em conta  necessariamente laudos antropológicos que pudessem recuperar os modo de pensar e de agir da unidade social mais abrangente (terra indígena ou povo). Qualificar como antropológicos tais peças do processo é a única maneira de evitar que se transformem em estudos superficiais e insensíveis aos problemas indígenas. 

5)    Por fim, cabe maior reflexão sobre o modo como crimes de genocídio, extermínio e gravidez forçada (“limpeza étnica”) são caracterizados e penalizados pelo PLS 236. A este respeito, cabe mencionar, a ausência de referência à imprescindibilidade de preservação das terras indígenas para assegurar sua sobrevivência. No texto do novo Estatuto do Índio, esta dimensão está presente nos artigos 228, 220, 221 e 222.

Além destes pontos, antropólogos ligados a Assessoria Jurídica na FUNAI têm debatido:

– Inclusão de 2 parágrafos ao artigo 36 obrigando a autoridade policial a proceder o registro dos presos levando em conta o critério de auto-identificação e a informar a FUNAI, são os parágrafos:

  • 5º A autoridade policial ou penitenciária deverá proceder ao registro de etnia ou raça por ocasião da lavratura do auto de prisão ou da guia de recolhimento, levando em conta apenas o critério de auto-identificação.
  • 6º. É direito do indígena ter a presença de representante do órgão indigenista federal, quando preso em flagrante, para a lavratura do auto respectivo, e nos demais casos, a sua comunicação expressa. (parágrafo retirado do Estatuto dos Povos Indígenas aprovado pela CNPI)

Existe também a sugestão, no mesmo artigo 36, de se incluir a obrigatoriedade do laudo antropológico, nesse caso, ao invés do texto ser:

Art. 36. Aplicam-se as regras do erro sobre a ilicitude do fato ao índio, quando este o pratica agindo de acordo com os costumes, crenças e tradições de seu povo, conforme laudo de exame antropológico.

Sugere-se:

Art. 36. Aplicam-se as regras do erro sobre a ilicitude do fato ao índio, quando este o pratica agindo de acordo com os costumes, crenças e tradições de seu povo, o que deverá ser obrigatoriamente aferido por meio de laudo antropológico.

Ressalvados estes pontos, além de recomendarmos o envolvimento  e consulta aos povos e organizações indígenas nas discussões que lhes afetem, lembramos que outras matérias do PLS 236 implicarão mudanças diretas sobre os direitos dos povos indígenas, em particular, os itens relativos às penalizações sobre interdição da vida, manejo ambiental e crimes contra humanidade.

Além da temática indígena e correlata identificada acima, estão em discussão na nova proposta de Código Penal uma quantidade significativa de temas que incidem sobre as pesquisas e sobre os direitos dos grupos sociais estudados pela antropologia brasileira. Entre eles podem ser destacados:

  • meio-ambiente;
  • mineração;
  • estrangeiros;
  • crianças e adolescentes;
  • sexualidade;
  • gênero;
  • homofobia;
  • racismo;
  • drogas;
  • saúde reprodutiva;
  • terrorismo;
  • ciência e tecnologia;
  • família;
  • prostituição;
  • tráfico de pessoas;
  • trabalho escravo;
  • exploração sexual;
  • pedofilia;
  • tráfico de órgãos;
  • servidão;
  • violência sexual;
  • trabalho;
  • violência doméstica;
  • agravamento de penas.


Desse modo, compreendemos que o “Novo Código Penal” constitui tema de urgente acompanhamento por parte da comunidade antropológica implicada nestas discussões.

Márcia Anita Sprandel

Cristhian Teófilo da Silva

Gustavo Hamilton Menezes

[1] Fizeram parte da Comissão de Juristas o Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro José Muiños Piñeiro Filho, a Defensora Pública Juliana Garcia Belloque (Relatora da Parte Especial), de São Paulo, a Procuradora de Justiça Luiza Nagib Eluf, de São Paulo, o Procurador Regional da República Luiz Carlos dos Santos Gonçalves (Relator Geral), de São Paulo, e o Promotor de Justiça Marcelo André de Azevedo, de Goiás e o Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Marco Antonio Marques da Silva; os Advogados Antonio Nabor Areias Bulhões, do Distrito Federal, Marcelo Leal Lima Oliveira, do Distrito Federal, Emanuel Messias Oliveira Cacho, de Sergipe, Técio Lins e Silva, do Rio de Janeiro, Marcelo Leonardo, de Minas Gerais e Gamil Föppel el Hireche, da Bahia; o Professor Luiz Flávio Gomes, de São Paulo e o Consultor Legislativo do Senado Federal, Tiago Ivo Odon.

[2] Cálculo da pena – Art. 68 – A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Parágrafo único – No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

[3] Art. 48. Cabe à União Federal indenizar as benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé, nos termos do art. 231, §6º, da Constituição Federal.

  • 1º. Consideram-se de boa-fé as benfeitorias existentes até a expedição da Portaria do Ministro de Estado da Justiça declaratória dos limites da terra indígena.
  • 2º. Não se aplica aos ocupantes não-indígenas o direito de retenção por suas benfeitorias.

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