Uma delegação de onze ativistas e lideranças sociais e de comunidades ameaçadas ou atingidas por empresas canadenses esteve em Genebra de 24 de agosto a 1 de setembro, para denunciar violações de direitos humanos cometidas em toda a América Latina, e corresponsabilizar o Canadá pelos crimes e ilegalidades. As denúncias foram feitas no marco da chamada Revisão Periódica Universal (RPU) do Canadá, processo no qual estados membros da ONU avaliarão as políticas e práticas de proteção e respeito aos direitos humanos do país.

Nesta última semana, ocorreu a chamada pré-sessão da RPU, durante a qual organizações da sociedade civil tiveram a oportunidade de apresentar suas denúncias e demandas a vários países, para que possam ser integradas às recomendações que serão feitas ao Canadá no final do ano.

Nesse sentido, a delegação latino-americana – da qual participam Josefa Oliveira, do Movimento Xingu Vivo, e Lorena Curuaia, da aldeia Iawa, representando a luta contra a mineradora Belo Sun na Vota Grande do Xingu – apresentou um relatório, construído por mais de 50 organizações, que sistematizou violações associadas a 37 projetos canadenses distribuídos por 9 países da América Latina e do Caribe. O relatório e as denúncias foram levadas às Missões Permanentes da Espanha, Portugal, Colômbia, Peru, Namíbia, México, Noruega, Suíça, Honduras, Equador, Bélgica, Irlanda, Cabo Verde e Brasil, além da Representação da União Europeia e dos Relatores Especiais da ONU para água & saneamento e para a alimentação. As denúncias foram apresentadas também à Sessão Américas do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU

Mineração, petróleo e perseguições
De acordo com o relatório “Desmascarando o Canadá às Nações Unidas: Violações de Direitos em Toda a América Latina“, dos 37 empreendimentos canadense denunciados, 32 projetos violam o direito a um ambiente limpo, saudável e sustentável, 26 desrespeitam o direito ao Consentimento Livre, Prévio e Informado de comunidades impactadas, 19 projetos infringem os direitos econômicos, sociais e culturais – como o impedimento ao acesso à alimentação e à manutenção de atividades econômicas tradicionais-, e 16 impactam os direitos políticos e civis, gerando situações de risco, como militarização dos territórios, abuso pelas forças públicas em prol dos interesses empresariais e a criminalização de lideranças comunitárias

A grande maioria dos casos envolve projetos de petróleo – como o caso da Frontera Energy, no Peru, responsável por 105 derramamentos de petróleo que afetaram 26 comunidades indígenas amazônicas – e de mineração, como o projeto de exploração de ouro Belo Sun, na Volta Grande do Xingu, que foi um dos destaques da delegação com denúncias apresentadas por três dos membros.

“Viemos aqui para denunciar o envolvimento das empresas canadenses em violações de direitos humanos no Brasil, particularmente o caso da mineradora Belo Sun, no Pará, que almeja estabelecer a maior mina de ouro a céu aberto do país”, afirmou Maurício Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e autor de um resumo recente dos problemas jurídicos do projeto minerário.

Já Lorena Curuaia, cuja aldeia está a cerca de 10 km do projeto Belo Sun, denunciou a descriminação sofrida pelos chamados indígenas não aldeados, que tiveram negado o direito à consulta prévia garantida pela Convenção 169 da OIT. A aldeia Iawa ainda espera a demarcação oficial pela Funai.

Por fim, representando o Movimento Xingu Vivo, a ribeirinha Josefa Oliveira falou sobre a sobreposição dos impactos da hidrelétrica de Belo Monte, que afetou milhares de famílias beiradeiras da Volta Grande do Xingu, com as ameaças de Belo Sun.  “O projeto prevê duas minas a céu aberto com mais de 150 m de profundidade, pilhas de material descartado de mais de 130 metros e um reservatório de rejeitos para mais de 35,43 milhões de metros cúbicos, tudo isso na beirinha do Xingu. Vão explodir as rochas com dinamite, o que pode afetar o paredão da barragem de Belo Monte, vão usar cianeto, que pode contaminar o rio Xingu, e o mais grave, querem tomar as terras da Vila Ressaca e dos assentados do PA Ressaca, e desmatar uma imensidão de floresta. Hoje já tem capanga armado da Belo Sun ameaçando os moradores da região, apesar de terem sido proibidos pela Justiça de fazer qualquer ação na área. Tem liderança ameaçada de morte que teve que fugir da região, tem perseguição, tem ação de despejo contra sem terra. Foi isso que a gente veio denunciar”, explica Josefa.

Organização parceira de vários movimentos em países afetados por empresas canadenses, a ONG Amazon Watch acompanhou as lideranças sociais em Genebra. “Nosso relatório revela a perturbadora realidade por trás dos empreendimentos corporativos do Canadá na América Latina. Enquanto o Canadá se gaba de uma conduta empresarial ética e se posiciona como ‘pró-clima’, as evidências documentadas revelam a proteção do Canadá às indústrias extrativas responsáveis por significativos danos aos direitos humanos e ambientais – onde o lucro é priorizado sobre as pessoas e o meio ambiente”, afirmou Gisela Hurtado, gerente de Incidência Política da entidade

De acordo com a delegação, o Canadá tem a obrigação legal e ética de regulamentar, mitigar e prevenir os abusos das empresas e responsabilizá-las por suas violações no exterior. Assim, a expectativa é que os Estados membros visitados considerem e incluam as recomendações feitas pela sociedade civil latino-americana na avaliação da conduta canadense no tocante aos direitos humanos. Dentre as sugestões apresentadas, destaca-se a necessidade do Canadá introduzir uma legislação vinculativa e abrangente centrada na devida diligência e responsabilidade corporativa. Isso inclui a supervisão de instituições financeiras e corporações canadenses ao longo de suas cadeias de fornecimento globais, com o objetivo de prevenir, mitigar e penalizar irregularidades corporativas, garantindo que vítimas dessas práticas no exterior possam buscar justiça e reparação completa.

Concretamente, entre as demandas apresentadas pelos movimentos está:
– Que o Canadá ratifique urgentemente a Convenção da OIT nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

– Que o Canadá desenvolva mecanismos de acesso à informação, transparência e participação social eficazes, acessíveis às comunidades afetadas, à sociedade civil e aos defensores dos direitos humanos. Esses mecanismos devem estar disponíveis no país, no estado onde as operações são realizadas e em todas as representações diplomáticas canadenses.

– Que o Canada se abstenha de implementar, participar ou financiar projetos quando Povos Indígenas e Comunidades Locais que vivem em áreas sob influência direta ou indireta do projeto não tenham dado seu Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) de acordo com as normas internacionais de direitos humanos e outras convenções internacionais relevantes.

– Que o Canadá estabeleça regulamentações que exijam que os fornecedores de ouro provem a legalidade da origem do ouro, bem como a capacidade de rastrear a origem do suprimento de ouro para o Canadá, especialmente quando o ouro vem de países amazônicos.

Relatórios
O material entregue às Missões Especiais em Genebra se divide em partes
Clique aqui para ler o resumo com as recomendações em inglês
Clique aqui para ler o relatório regional em espanhol

Fonte: https://xinguvivo.org.br/2023/09/mineradora-belo-sun-e-destaque-em-denuncia-na-onu-contra-o-canada/

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