Um dos principais temas foi a consulta prévia, livre e informada a que povos indígenas têm direito de acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
Representantes de cerca de 25 povos indígenas que vivem em territórios de ocupação ancestral na região conhecida como calha norte amazônica, na margem esquerda do rio Amazonas, entre o Pará e o Amapá estiveram reunidos em assembleia geral, na aldeia Tawanã, no rio Mapuera, dentro da Terra Indígena Katuxyana-Tunayana. O Ministério Público Federal (MPF) participou dos três dias de debates, entre 14 e 16 de maio de 2018. Um dos principais temas foi a consulta prévia, livre e informada a que povos indígenas têm direito de acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
O procurador da República Camões Boaventura e o assessor do MPF Rodrigo Magalhães Oliveira conduziram uma oficina sobre o direito de consulta e consentimento em caso de obras e projetos que afetem povos indígenas. A oficina trouxe relatos de casos concretos de construção de protocolos, como o que foi elaborado pelo povo Munduruku, do Tapajós, em que estão estabelecidos os princípios pelos quais eles devem ser consultados. A oficina teve tradução simultânea nas línguas waiwai e tiriyó e teve o apoio do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé).
Os povos da região da calha norte estão discutindo internamente a elaboração de seus próprios protocolos de consulta e apresentaram, durante a assembleia, a memória das obras e projetos impostos pelo regime militar brasileiro com graves danos, incluindo a remoção forçada de indígenas para o Parque do Tumucumaque pela Força Aérea Brasileira. De acordo com dados dos próprios indígenas, são 25 etnias que vivem em seis territórios ao longo das calhas dos rios Mapuera, Trombetas, Katxuyru, Kaxpacuro, Nhamundá, Paru D’Oeste e Paru D’Leste.
Além dos debates sobre consulta prévia, livre e informada, foi discutida a questão da demarcação da Terra Indígena Katxuyana-Tunayana. Parte das famílias desse território sofreu deslocamento compulsório pela ação do governo ditatorial e de missões religiosas, mas retornaram à calha do rio Trombetas, retomando territórios de ocupação tradicional. Os estudos para a demarcação dessa terra se iniciaram em 2003 e o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) foi publicado em 2015. O relatório não teve nenhuma contestação e tem parecer favorável da procuradoria federal especializada da Fundação Nacional do Índio (Funai). O procedimento de demarcação ficou parado na presidência da Funai com a recente troca de comando, mas após ofício do MPF (veja aqui), foi encaminhado esta semana para o Ministério da Justiça, que dá a palavra final sobre a demarcação,
Ângela Katxuyana afirmou que a resistência do povo Kahyana começou em 26 de setembro de 1968, data em que houve o deslocamento compulsório para o Parque Indígena do Tumucumaque.
Emocionada, a liderança lembrou: “Nos separaram do Kuhá (rio Trombetas), nos separaram
de nossas terras, dos nossos parentes”, “lá não tinha floresta”, “passamos a viver de favor na
terra dos parentes Tiriyó, e isso foi muito duro”. Com pesar, lembrou que sua avó morreu de
depressão ao chegar em uma terra muito diferente da sua, sem a densa floresta. Destacou que
o episódio está na memória dos antepassados e das gerações presentes.
Saúde indígena – O terceiro dia da assembleia foi dedicado às questões da saúde indígena, com a apresentação do projeto de construção da nova Casa de Saúde Indígena (Casai)e de um novo Pólo Base para o atendimento da saúde indígena em Oriximiná, que já foi aprovado pelo Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) e está em fase de elaboração dos projetos estrutural, elétrico e terraplanagem. A obra está avaliada em R$ 4 milhões. Também foi informada a construção de um posto de saúde na aldeia Mapuera, para atendimento dos indígenas da região.
Em julho de 2017, o MPF fez uma inspeção surpresa nas instalações da Casai e do Polo Base do Distrito Sanitário Indígena em Oriximiná e constatou uma grave situação de precariedade, com falhas graves na infraestrutura dos prédios, no serviço nas aldeias, insuficiência das equipes de atendimento, riscos de atraso na execução do plano distrital de saúde indígena, entre outros pontos críticos. A inspeção resultou em um relatório (confira aqui) que ajudou a apressar o encaminhamento das obras para as novas estruturas, agora prestes a começar.
Os indígenas destacaram a precariedade do transporte até as Aldeias Ayaramã (mais a montante no rio Trombetas, leva-se até cinco dias e 250 litros de gasolina para chegar a partir da aldeia Mapuera) e Turuni. Os Tiriyó informaram que o acesso às aldeias do parque do Tumucumaque é feito exclusivamente por transporte aéreo, e que várias aldeias estão sem cobertura para casos de emergência, porque as pistas de pouso não estão regularizadas. Os indígenas solicitaram a contratação de agentes indígenas de saúde para as Aldeias Ayaramã e Tamiuru, bem como de barqueiros para as aldeias Ponkuru, Tamiuru e Inajá. Nos dois primeiros casos, os indígenas pleitearam também a construção de postos de saúde, uma vez que os atendimentos estão sendo feitos em locais precários e improvisados.
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