No local disponibilizado pela Vale para realocação provisória, há famílias morando em um curral e em construção sem janelas debaixo de caixa d’água

Em atendimento a pedido do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU), a 12ª Vara Federal de Belo Horizonte determinou que a Vale prorrogue por um ano o contrato firmado com a assessoria técnica independente (ATI) escolhida pelos indígenas pataxó e pataxó hã hã hãe da Aldeia Naô Xohã, no processo de reparação dos danos socioeconômicos e socioambientais decorrentes do rompimento da barragem do córrego do Feijão, em Brumadinho, em janeiro de 2019. O Instituto Nenuca de Desenvolvimento Social (Insea) é a instituição escolhida pelos indígenas em dezembro de 2019, e que vinha desempenhando as atividades de apoio à comunidade, mas que desde janeiro deste ano não teve o contrato renovado pela mineradora Vale. A prorrogação do contrato deve ocorrer até a conclusão do processo reparatório integral. Na mesma decisão, foi determinado que a mineradora, em até 60 dias, faça a adequação do plano de trabalho do instituto, de modo a que uma entidade, que seja autônoma em relação à Vale, proceda à análise das prestações de contas da ATI.

A assessoria técnica independente tem a finalidade de apoiar a comunidade, de maneira a permitir sua participação qualificada durante todo o processo de reparação, o que foi previsto no Termo Acordo Preliminar Emergencial (TAP-E), firmado em abril de 2019 entre o Povo Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe e o MPF, com a Vale, e interveniência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Nos termos da decisão judicial, “ao contrário do que afirma a Vale, a comunidade indígena encontra-se atualmente totalmente desprovida de assessoria técnica independente (ATI), não obstante tal direito tenha sido assegurado expressamente no acordo celebrado entre as partes, denominado TAP-E, firmado pelo MPF, em 05/04/2019”.

Isso porque o contrato firmado pela Vale com a ATI Insea deveria ter sido prorrogado, até a conclusão da reparação integral, em janeiro de 2023. Desde então, a comunidade indígena não vem contando com o apoio da ATI, pois a mineradora prorrogou o contrato, até abril deste ano, unicamente para fins de prestação de contas pelo Insea, sem incluir a realização de novas atividades de campo.

“Entendo que a interrupção, neste momento, das atividades da assessoria técnica independente (da escolha dos atingidos, frise-se) configura patente descumprimento do título executivo, prejudicando a comunidade indígena no processo de reparação integral que ainda está longe de se findar e, a toda evidência, por demora da própria Vale – causadora do desastre”, conclui a decisão judicial.

Diagnóstico de danos – A mineradora ainda deverá contratar, no prazo de 60 dias, a entidade que será responsável pelo diagnóstico dos danos sofridos pela comunidade indígena. Após ter sido firmado o TAP-E, os indígenas e a Vale acordaram com a escolha do Instituto de Estudos de Desenvolvimento Sustentável (Ieds), para realizar, como entidade independente, o diagnóstico dos danos causados pelo desastre. O segundo aditivo ao TAP-E, que passou a contar também com a participação da DPU e firmado em agosto de 2021, previu a viabilização do início das atividades do Ieds, como entidade responsável pelo diagnóstico dos danos socioeconômicos.

“A contratação de consultoria socioeconômica independente, em conformidade com a Cláusula 8ª do TAP-E, objetiva o diagnóstico completo e atual dos danos, mas a Vale jamais cumpriu essa parte do acordo judicialmente homologado, o que impede a realização do estudo multidisciplinar que seja capaz de identificar completamente os danos e impactos sofridos pelos atingidos, abrangendo-se os impactos socioeconômicos, a saúde física e mental, culturais e socioambientais, assim como seus efeitos sobre a comunidade indígena”, afirma a decisão judicial.

Em caso de descumprimento da decisão, a Vale fica sujeita a multa diária de R$ 500 mil, até o máximo de R$ 20 milhões.

Moradia em curral – Em recente visita, em fevereiro deste ano, à Chácara São Dimas (área provisória disponibilizada pela Vale a uma parte da comunidade), o procurador da República Edmundo Antonio Dias constatou a enorme precariedade das condições a que foram submetidos os indígenas, pois há famílias dormindo em um curral; uma gestante está longe de sua família, uma vez que a habitação reservada aos seus familiares é desprovida de janelas e fica debaixo de uma caixa d’água que transborda, não oferecendo espaço nem condições sanitárias adequadas. Como parte do grupo foi instalada em hotéis, distante do restante das famílias, as crianças ali acomodadas, e que estudam na escola indígena da Chácara São Dimas, precisam se deslocar por cerca de três horas por dia, para realizar os trajetos de ida e volta à unidade de ensino.

Diante dessa situação, em outro processo, a Ação Civil Pública (ACP) 1003397-62.2022.4.01.3800, o MPF e a DPU enviaram outra petição à 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, requerendo que seja determinado à Vale que ofereça, no prazo de dez dias, alternativa de território para realocação provisória da comunidade indígena que disponha de moradias suficientes para acomodar todos os integrantes da Aldeia Naô Xohã que manifestem a intenção de ser provisoriamente realocados juntamente com o respectivo grupo, podendo para tanto ser disponibilizada a área que já foi indicada pela comunidade indígena como sendo aquela que entendem adequada à realocação definitiva.

Enquanto não for implementada a nova realocação provisória requerida pelo MPF e pela DPU, as instituições requerem que seja determinado à mineradora Vale que instale, em até 72 horas, moradias provisórias que permitam acomodar todos os integrantes da Aldeia Naô Xohã que manifestem a intenção de ser provisoriamente realocados juntamente com o respectivo grupo, devendo as moradias ser instaladas em número suficiente a receber as famílias que atualmente estão morando em um curral na Chácara São Dimas; as famílias que se encontram morando em uma construção sem janelas, debaixo de uma caixa d´água, também na Chácara São Dimas; as famílias que foram acomodadas em hotéis, longe de seus familiares, o que tem trazido dificuldades para suas crianças estudarem; e as famílias que tiveram de se deslocar para a Bahia, em decorrência do insuficiente espaço na Chácara São Dimas.

MPF e DPU também requerem que as moradias provisórias sejam em quantidade suficiente para acomodar as famílias de outros grupos, que desejem ser realocadas com o restante da comunidade. Isso porque as instituições apontam que a forma como a Vale vem conduzindo a reparação acarretou um quadro de desagregação da comunidade indígena, agora dividida em seis grupos, em diferentes localidades.

“Diante da demora na contratação, pela Vale, da consultoria responsável pelo diagnóstico dos danos sofridos pela comunidade indígena, mostrou-se necessária sua realocação, ainda que em caráter provisório, uma vez que, quando da inundação do território da Aldeia Naô Xohã pela cheia do Rio Paraopeba, os indígenas voltaram a conviver com novos riscos de contaminação por metais pesados e outros poluentes, oriundos do rompimento da barragem ocorrido em janeiro de 2019. Isso porque a enchente não apenas inundou a Aldeia Naô Xohã, como provocou o revolvimento dos sedimentos, oriundos do desastre, que haviam se depositado no leito do Rio Paraopeba, e carreou consigo, para o interior do território indígena, os metais pesados e outros poluentes nele existentes desde a época do rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão. A contratação da consultoria responsável pelo diagnóstico dos danos poderá, enfim, destravar a reparação integral aos Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe”, afirmaram os procuradores da República Edmundo Antonio Dias e Helder Magno da Silva, e os defensores públicos federais João Márcio Simões e Murillo Martins, que assinam as petições.

Íntegra da decisão judicial no processo 1063985-69.2021.4.01.3800

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Fonte: https://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/noticias-mg/mpf-e-dpu-obtem-decisao-para-que-a-vale-mantenha-assessoria-tecnica-independente-e-contrate-consultoria-para-elaboracao-do-diagnostico-de-danos-sofridos-por-indigenas-atingidos-em-brumadinho-mg

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