Na ação, MPF defende fornecimento de alimentação escolar diferenciada aos estudantes indígenas a fim de manter tradições e costumes das comunidades
O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a Justiça Federal julgue novamente o pedido de contratação de nutricionistas para escolas indígenas em Santa Catarina localizadas nas regiões de Chapecó e Xanxerê. O pedido havia sido negado nas instâncias inferiores, sob o argumento de que o Judiciário não pode interferir na implementação de políticas públicas do governo. Por unanimidade, a Primeira Turma do STF afastou esse entendimento e determinou o retorno da ação ao Tribunal Federal da 4ª Região (TRF4). Para a Corte Superior, o Judiciário deve intervir diante de omissão ou ineficiência em políticas públicas do governo a fim de garantir direitos constitucionais.
O caso foi julgado na última sessão do Plenário Virtual do primeiro semestre do ano, encerrado na sexta-feira (30). Na ocasião, os ministros confirmaram a decisão monocrática, proferida em abril deste ano pela relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, que aceitou o recurso apresentado pelo MPF. Na decisão, a Suprema Corte reiterou que a educação e a alimentação escolar de crianças é um direito fundamental assegurado constitucionalmente e que a omissão ou ação ineficiente na adoção de políticas públicas pelo governo, com potencial de violar direitos fundamentais assegurados constitucionalmente, pode ser cuidada pelo Judiciário.
Na ação, o MPF pede que o Estado de Santa Catarina seja obrigado a contratar, no prazo de 90 dias, de forma emergencial, nutricionistas para atuar exclusivamente nas escolas indígenas da região. Isso porque há em todo o estado apenas um profissional para cuidar de todas as unidades educacionais, o que viola de forma sistemática “o direito constitucional de fornecimento de alimentação adequada nas escolas indígenas”, segundo o Ministério Público.
Ao negar o pedido do MPF, o TRF4 considerou que a contratação criaria privilégios a um grupo específico, em detrimento de outros estudantes da rede pública catarinense, e que o tratamento especial garantido constitucionalmente aos indígenas não justifica “discriminação de tamanha grandeza”. Diante da negativa, o MPF entrou com recurso no STF contra a decisão.
Manifestação da PGR – Em parecer, a Procuradoria-Geral da República (PGR) citou jurisprudência da Suprema Corte ao defender que não viola o princípio da separação de Poderes a intervenção do Judiciário no caso, diante de injustificada omissão do Estado a fim de resguardar direitos constitucionais.
Quanto ao alegado tratamento privilegiado aos indígenas, a subprocuradora-geral da República Cláudia Sampaio Marques afirma que a Constituição conferiu aos indígenas tratamento diferenciado, rompendo com as ideias de aculturação até então vigentes para reconhecer aos indígenas o direito à vida em comunidade, com respeito aos seus costumes, crenças e tradições.
“É importante ressaltar que a Constituição reconheceu que os povos indígenas são detentores de garantias e direitos diferenciados diante da sua inegável vulnerabilidade e da consequente necessidade de maior amparo, proteção e preservação da sua cultura, costumes e tradições, resguardando-lhes em maior extensão a própria existência”, destaca trecho do parecer.
O MPF ressalta ainda que o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) estabelece a necessidade de nutricionista para elaborar programas alimentares específicos que observem os hábitos alimentares e culturais de cada região, utilizando gêneros alimentícios compatíveis com os costumes e tradições alimentares das comunidades. Nesse sentido, defende que a contratação de nutricionistas é medida indispensável e urgente para a garantia dos direitos aos indígenas.
“A medida assume contornos de imprescindibilidade e urgência como forma de estancar e paralisar a cultura da ‘invizibilização’ e do ‘apagamento’ dos povos indígenas e de suas tradições culturais, lamentavelmente projetada para os dias atuais, como é de conhecimento público e notório”, conclui.
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