Na última etapa do curso preparatório para indígenas atuarem em negociações internacionais, estudantes selecionam temas em que irão incidir na COP 30
– Foto: Gustavo Alcântara
No último dia do Programa Kuntari Katu: Líderes Indígenas na Política Global, que ocorreu no Instituto Rio Branco, em Brasília, na sexta-feira (23), os alunos da iniciativa conjunta entre os Ministérios dos Povos Indígenas (MPI), do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e das Relações Exteriores (MRE) tiveram aulas sobre os temas sobre Perdas e Danos, Mitigação, Adaptação, Gênero, Financiamento, Plataforma de Povos Indígenas e Comunidades Locais, Agricultura, Artigo 6 do Acordo de Paris e Transição Justa para seguirem com uma formação voltada para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
Iniciado em agosto de 2024, o primeiro módulo foi focado na COP da Biodiversidade e o segundo em elaboração de projetos. O módulo três trouxe quatro temas e o módulo quatro trouxe cinco temas que serão objetos de negociação em Bonn, na Alemanha, em junho, e em Belém, sede da COP 30, em novembro de 2025. Cada um dos estudantes seguirá aprimorando o conhecimento específico sobre o tema selecionado com o auxílio de mentores e acompanhamento do ciclo de negociação do assunto.
O processo foi pautado por regras para que nenhum dos nove temas ficasse sem representação ou excesso de participantes. Pelo menos dois alunos foram destinados para cada assunto. Com isso, a formação presencial com o Instituto Rio Branco foi finalizada. No entanto, a preparação segue por meio de um quinto módulo virtual como reta final para a COP 30, com a possibilidade de um módulo de avaliação após a Conferência.
“Kuntari Katu tem quatros grandes eixos que se complementam: os módulos presenciais realizados no Instituto com interações com diplomatas, o curso de inglês online que se encerra em novembro, a mentoria que trabalha a especialização de cada um com apoio da academia, acompanhada da mentoria com quatro lideranças do movimento individuais trabalhados academicamente com a dinâmica dos territórios e uma experiência internacional”, informou o chefe da assessoria internacional do MPI, Francisco Filippo.
Alguns dos alunos estiveram em Cali, Colômbia, para a COP 16 da Biodiversidade, outros foram para Baku, no Azerbaijão, para a COP 29 de Mudanças Climáticas, ambas em 2024. Os demais devem comparecer em junho à Bonn, na Alemanha, sede do Secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), como antecipação para a COP 30 e para colocar em prática o conteúdo absorvido no programa.
Segundo Mariana Moscardo, diretora adjunta do Instituto Rio Branco, a ideia é que haja uma continuidade do programa para seguir estimulando o interesse por atuação em política externa por parte dos indígenas. Além de definir a COP 30 como apenas um começo na presença indígena na política internacional, ela classificou a iniciativa como pioneira e responsável por trazer um ganho para o próprio Instituto, tamanha a riqueza em termos de sabedoria, diversidade e valores trazidos pelos indígenas.
“Vamos olhar para trás com orgulho desse momento, assim como olhamos para a Ação Afirmativa para Negros e Pardos, que começou em 2002. Na esteira desse êxito, decidimos ampliar esse contato com outras parcelas da população, notadamente com os indígenas. Com a criação do MPI, houve uma convergência no anseio de criar o programa, uma vez que já tínhamos a ideia de convidar a pasta para uma ação afirmativa, mas o MPI trouxe a ideia do Kuntari Katu. Todas as ideias foram felizmente conduzidas de forma fluída, com muita participação de todos os lados. Um exemplo de trabalho em equipe e construção conjunta”, analisou.
Depoimentos
Para Wasady Xakriabá, de Minas Gerais, o quarto módulo esmiuçou os temas da COP em detalhes e cumpriu com o propósito de aproximar mais os estudantes do programa do objetivo final, que é chegar dentro dos espaços de negociações que serão discutidos na COP 30. Ela escolheu o tema Plataforma de Povos Indígenas e Comunidades Locais, um mecanismo de consulta que consolida o protagonismo indígena na Convenção de Mudanças Climáticas da ONU.
“Nossa presença dentro desses espaços de negociação com incidência e fala garantida representa a ocupação de indígenas em tomadas de decisões. Queremos de fato que nossa voz ativa ecoe as questões de nossos territórios porque não há ninguém melhor para falar por nós do que nós mesmos. É um orgulho carregar o nome do meu povo ao caminhar nestes espaços”, comentou.
Jana Pankararu, de Pernambuco, escolheu Transição Justa porque muitas empresas eólicas e hidrelétricas impactaram o território que ela e seu povo habitam sem nunca haver um repasse de recursos ou nem sequer um olhar para os povos indígenas que habitam a bacia do Rio São Francisco.
“O que mais me marcou no curso é que estamos em um lugar que os indígenas não ocupavam, mas os diplomatas foram muito receptivos, demonstraram sensibilidade com a causa indígena e preocupação com o quanto as questões climáticas nos afetam. Eles são diplomatas do governo e nós somos diplomatas dos nossos territórios”, afirmou.
Eliel Xokleng, de Santa Catarina, selecionou o tema Adaptação porque vem de uma região em que seu povo sofreu diversos processos de mudança climática e de adaptação devido à colonização no Sul do país. “O tema já é discutido no território em que vivo. Assim, todo mundo sai daqui com uma direção aprofundada de como inserir os temas debatidos no Instituto em nossos territórios e em situações de governança com discussões internacionais”.
Participam do Programa 30 indígenas, representando diversas regiões do Brasil: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal.
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