Na etapa Sul da iniciativa, representantes do movimento indígena do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul consolidam direcionamentos e prioridades para participarem da COP 30
– Foto: Ascom I MPI
Finalizada na terça-feira (6), em Florianópolis-SC, a etapa Sul do Ciclo COParente definiu uma série de encaminhamentos para viabilizar a participação dos povos indígenas da região Sul do Brasil na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Representantes e lideranças indígenas dos Kaingang, Guarani, Charrua, Xetá e Xokleng utilizaram a etapa para trazer visibilidade para a proteção, preservação e restauração dos biomas da Mata Atlântica e Pampa.
“Nossos biomas são de fundamental importância, mas sabemos que muitos dos investimentos de fundos climáticos são direcionados ao bioma amazônico. Assim, a Mata Atlântica e o Pampa acabam ficando de fora. Uma das lutas que travamos é para que a verba de financiamento climático seja melhor distribuída porque todos os biomas estão relacionados e se complementam”, alertou Kretã Kaingang, coordenador-executivo da APIB pela Arpinsul.
Em uma carta aberta entregue pela Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ARPINSUL), pela Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) e pela Articulação das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA) ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI), as organizações se responsabilizaram pelas indicações referentes aos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
Como critérios para a escolha de representantes indígenas da região que irão compor a delegação para a COP 30, foi estipulada a necessidade de representações para cada um dos estados do Sul e representações étnicas que contemplem os cinco povos indígenas mencionados, bem como a garantia de participação de mulheres, jovens, lideranças e indígenas LGBTQIAPN+ e de coletivos em contexto de retomada.
Para tanto, foi acordado que os selecionados devem se comprometer para fazer o passaporte no prazo de um mês e devem avisar sobre possíveis desistências com dois meses de antecedência. A carta também trouxe recomendações, como o número mínimo de 500 vagas para representações indígenas brasileiras na COP 30, a possibilidade de tradução de idiomas estrangeiros para o português ou línguas indígenas e a promoção de oficinas para qualificar os delegados escolhidos.
O documento apresentou a importância de garantir o financiamento de projetos de cunho socioambiental junto aos povos indígenas, com fomento de políticas, programas e projetos de proteção e gestão ambiental e territorial nos territórios indígenas da Região Sul, e que os demais territórios e biomas para além do contexto amazônico, sejam contemplados. A demarcação das Terras Indígenas no Sul, e no Brasil, também foram ressaltadas como prioridade dentro do contexto da COP.
Com suas 14 etapas, o Ciclo COParente promove a escuta ativa e fortalece o protagonismo indígena ao criar um espaço de diálogo, formação e consulta aos povos indígenas de todas as regiões do país e assim fortalecer a atuação junto aos atores centrais da política global de enfrentamento à crise climática na COP 30. A primeira etapa foi em abril, no Pará.
A iniciativa reflete o compromisso do governo federal com a democracia, os ritos coletivos e a valorização dos povos indígenas como parceiros indispensáveis à construção de soluções sustentáveis para o enfrentamento da crise climática no planeta. Como a COP será no Pará, cada um dos nove estados brasileiros localizados no bioma amazônico terá um encontro. A próxima fase, a terceira, será realizada em 20 e 21 de maio em Recife, em Pernambuco. A Conferência será em novembro, em Belém, no Pará.
Descarbonização e financiamento climático
Jozileia Kaingang, diretora executiva da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), reforçou ao público presente a necessidade do preparo de documentos com demandas e análises dos indígenas para entregar aos negociadores da COP 30 por meio da Comissão Internacional Indígena, lançada em abril durante o Acampamento Terra Livre.
Ela citou que a COP 28, realizada em Dubai, em 2023, teve como principal debate o Acordo de Paris. Já na COP 29, feita no Azerbaijão no ano passado, o financiamento ambiental direto para países desenvolvimento realizarem transições energéticas, cessarem a emissão de gases poluentes e protegerem a floresta foi o foco. Para Jozileia, o grande marco de debate da COP 30 serão as negociações sobre a descarbonização e o financiamento climático, classificado como o tema principal dos povos indígenas.
“Precisamos de documentos sobre a Mata Atlântica e o Pampa, biomas mais esquecidos pelos impactos das mudanças climáticas. Queremos que por meio da COP 30 sejamos reconhecidos como defensores da floresta, como uma solução para emergências climáticas e que temos modelos sustentáveis de vida devido às nossas heranças e tradições para recuperar nosso ambiente”, disse Jozileia Kaingang.
Plano de adaptação
Marquito, deputado estadual, relatou que atualmente a Assembleia Legislativa de Santa Catarina possui um núcleo indígena e um Fórum Parlamentar das Populações Indígenas com o intuito de valorizar e proteger povos que sofrem pressões do agronegócio, da mineração e da especulação imobiliária.
O deputado relatou que vem dialogando com a Defesa Civil dos estados do Sul para garantir um plano de adaptação climática que atenda os indígenas e vem desenvolvendo um debate para definir áreas indígenas como setores sob risco ambiental permanente. Ele mencionou a Terra Indígena de Morro dos Cavalos, situada no município de Palhoça e pertencente a quatro aldeias Guarani, como exemplo de disputa fundiária de um território responsável por abastecer quase dois milhões de pessoas da Grande Florianópolis.
“Os biomas do Sul, em especial o da Mata Atlântica, são muito degradados e precisam de mais atenção. O Morro dos Cavalos é prova que o trabalho realizado em comunidades indígenas garante a preservação do meio ambiente e ninguém melhor do que eles para mostrar como indígenas e preservação estão ligados na próxima COP”, avaliou o parlamentar.
Contexto das enchentes no Sul
A 2ª etapa do COParente foi realizada um ano após as enchentes que ocorreram no Rio Grande do Sul e evidenciaram ainda mais os efeitos avançados das mudanças climáticas que afligem o país, que prejudicam ainda mais populações vulneráveis, como indígenas, quilombolas e povos tradicionais.
De acordo com o Informe Técnico nº 19, de maio de 2024, da Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), no âmbito do Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS), 84 comunidades ligadas ao Distrito Sanitário Especial Indígena Interior Sul (DSEI/ISUL) foram afetadas direta e indiretamente pelas cheias no estado. Isso impactou aproximadamente 16.691 indígenas, o que corresponde a 5.183 famílias.
Já a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) lançou a publicação “CAs Enchentes no Rio Grande do Sul – Lições, Desafios e Caminhos para um Futuro Resiliente” na quarta-feira (30). O levantamento foi produzido por membros do Grupo Técnico de Assessoramento para Estudos Hidrológicos e de Segurança de Infraestruturas de Reservação e de Proteção das Cheias no Estado do Rio Grande do Sul (GTA RS), coordenado pela ANA.
A publicação é um diagnóstico técnico-científico sobre as enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul, destacando seus impactos socioeconômicos e ambientais no estado. Analisando as enchentes históricas de 2024 no território gaúcho, o levantamento indica que esse foi o maior desastre natural da história do Rio Grande do Sul e um dos maiores do Brasil, com chuvas com duração, intensidade e abrangência territorial jamais observadas no Brasil.
Com isso, a enchente fez o nível do lago Guaíba atingir o máximo histórico de 5,37m na capital Porto Alegre, superando em mais de 60 cm o recorde anterior registrado em 1941: 4,76m. Os impactos desse evento foram catastróficos e abrangentes, afetando cerca de 2,4 milhões de pessoas em 478 municípios, causando 183 mortes e prejuízos econômicos estimados na casa dos bilhões de reais.
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