– Foto: André Corrêa
Organizado pela Secretaria Executiva, a programação foi composta pelas mesas Indigenismo brasileiro e suas antropologias; Formação do Estado e as Políticas públicas para os povos indígenas; Constitucionalização de Direitos e Povos Indígenas; e temas contemporâneos sobre povos indígenas
OMinistério dos Povos Indígenas (MPI) realizou, entre quinta e sexta-feira (11 e 12), o Seminário Formativo em Direitos, Gestão e Política Indígena e Indigenista voltado para os novos 40 servidores efetivos da pasta admitidos via Concurso Nacional Unificado (CNU). O evento ocorreu no auditório do Edifício do Ministério da Pesca e Agricultura (MPA), em Brasília, e teve como objetivo fornecer bases conceituais sobre a história, os direitos e os temas contemporâneos dos povos indígenas, alinhando a atuação técnica da burocracia federal às demandas do movimento indígena.
De acordo com o secretário executivo, Eloy Terena, o intuito do evento foi promover uma formação específica para esses profissionais. “Considera-se que, no MPI, lidamos com a construção de políticas para povos indígenas, e os novos servidores não necessariamente possuem formação prévia para atuar com essas temáticas. Para isso, estamos reunindo alguns dos maiores especialistas nas áreas de antropologia, indigenismo, direito e políticas públicas para povos indígenas”, informou Terena.
O objetivo é capacitar os servidores que atuarão no cotidiano do ministério, elaborando notas técnicas, pareceres jurídicos e técnicos, impulsionando a rotina administrativa do MPI. “Para nós é fundamental formar quadros, tendo em vista que eles são servidores permanentes do Ministério dos Povos Indígenas. Então, é um investimento que o Ministério está fazendo e nós entendemos que quem vai ganhar com isso são os povos indígenas.”
A iniciativa partiu da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, em conjunto com a Secretaria Executiva. A programação foi composta por cinco mesas que abordaram o Indigenismo brasileiro e suas antropologias; a formação do Estado e as políticas públicas para os povos indígenas; Constitucionalização de Direitos e Povos Indígenas; e duas sessões sobre temas contemporâneos sobre Povos Indígenas”.
O seminário está inserido no contexto do conceito de “reflorestar de mentes”, ou seja, o objetivo é estabelecer uma nova relação do Estado com os povos indígenas e dialogar com os servidores efetivos que compõem o quadro permanente do ministério.
A formação visa complementar a atuação técnica dos servidores com conceitos fundamentais originados do movimento indígena. Os participantes, em maioria aprovados no Concurso Nacional Unificado (CNU), já atuam no MPI desde maio e vivenciam a rotina administrativa da pasta.
Beatriz Matos, Diretora do Departamento de Proteção Territorial e de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato do MPI, participou do seminário para apresentar aos novos servidores uma pauta específica e crucial. Ela enfatizou que a difusão do conhecimento sobre essa política é, em si, um ato de proteção.
“Participar dessa formação, falando especificamente sobre a política para povos isolados e de recente contato, é muito importante porque o conhecimento da pauta promove a proteção desses povos. Quanto mais os servidores e a sociedade conhecerem as especificidades desse atendimento, mais apoio essa proteção terá. Nosso grande desafio no MPI é fortalecer as políticas públicas já existentes e avançar na garantia de direitos, sempre com o protagonismo indígena como mote central.”
A programação abrange temas introdutórios e essenciais para as atribuições do MPI, incluindo:
- Educação escolar indígena;
- Política de gestão ambiental e proteção territorial;
- Direitos constitucionais dos povos indígenas;
- Política indigenista;
- Conceito de bem-viver;
- Povos indígenas isolados e de recente contato;
- Convenção 169 da OIT, que trata da consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas em temas que os afetam.
As atribuições administrativas do MPI, definidas no Decreto 11.355, consolidam demandas históricas do movimento indígena, elaboradas durante a transição de governo.
Composição e organização – A programação foi estruturada para garantir equilíbrio em dois aspectos: equidade de gênero e representatividade indígena, com quase o mesmo número de palestrantes indígenas e não indígenas. O corpo de palestrantes reúne especialistas, antropólogos, pesquisadores e advogados.
O seminário é direcionado aos servidores efetivos do MPI, mas participaram também servidores de outros órgãos, como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI).
Relação Estado e povos indígenas
Rita Potiguara, diretora da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO Brasil), organismo internacional cuja missão é colaborar, a partir das ciências sociais, para o desenvolvimento e a integração da América Latina e Caribe e que atua no país nos campos da cooperação técnica, do ensino de pós-graduação e da pesquisa
Ao abrir o seminário com a mesa Indigenismo brasileiro e suas antropologias, Rita Potiguara abordou a necessidade de compreender a relação histórica do Estado brasileiro com os povos indígenas, especialmente quando essa relação se materializa em políticas públicas. Ela destacou a importância de os servidores refletirem criticamente sobre a finalidade, a forma, o objetivo e a efetividade dessas políticas.
A diretora partiu da análise do indigenismo no país, lembrando períodos em que os povos indígenas foram considerados legalmente incapazes e tiveram negados direitos como a educação básica completa e a auto-representação, sendo submetidos a uma tutela estatal e não estatal.
Embora a Constituição Federal de 1988 tenha rompido formalmente com o regime tutelar, Potiguara apontou que práticas nesse sentido persistem. Para ela, a ocupação de espaços de gestão e formulação de políticas pelo movimento indígena – como no MPI e na Funai – abre um novo campo de possibilidades que beneficia toda a sociedade brasileira.
A diretora ressaltou a relevância central da formação. “É importante conhecer de fato que o Brasil é plural. Que o Brasil é um país pluriétnico, multicultural e multilíngue. É importante para que você também se perceba como brasileiro e qual é o projeto de nação que se quer.”
Ela defendeu que os servidores precisam compreender essa pluralidade para superar a ideia cristalizada de um Estado-nação com identidade única, enfatizando que os povos indígenas são constitutivos da riqueza e da diversidade do país.
Depoimentos
O antropólogo João Pacheco de Oliveira, professor titular do Museu Nacional da UFRJ, destacou a importância da incorporação de novos servidores ao MPI como um momento revolucionário. Ele enfatizou que a formação deve ir além do ambiente de gabinete para construir uma nova relação de trabalho.
“É uma experiência nova e impactante. É crucial que esse momento recupere o melhor da agenda indigenista, ou seja, o espírito de uma ação efetivamente associada aos indígenas, com contatos diretos. Para isso, é fundamental que os novos funcionários tenham vivência nas aldeias, conhecendo os povos não apenas como demandantes de direitos, mas em sua realidade concreta, para que criem relações genuínas de lealdade e parceria.”
Já Tonico Benites, coordenador regional da Funai em Ponta Porã (MS) e do povo Guarani Kaiowá, trouxe ao seminário sua experiência como gestor que lida diretamente com servidores. Seu objetivo foi apresentar a realidade prática em que os novos profissionais do MPI atuarão.
“Vim trazer minha experiência como gestor para que os novos servidores tenham acesso ao contexto em que vão atuar, lidando com temas variados como educação, saúde e conflitos fundiários. É importante estabelecer uma relação social e humana com quem vai dialogar e trabalhar. Muitos chegam de formações diferentes, como Direito ou Biologia, sem contato prévio com a questão indígena, por isso essa formação é essencial.”
Por fim, Carolina Esteves Rolon, analista técnico-administrativa lotada no Gabinete da ministra dos Povos Indígenas, ingressou na pasta em maio de 2025. Embora possua formação em Ciências Sociais e uma pós-graduação em história e cultura afro-brasileira e indígena, ela destaca a importância fundamental da formação presencial oferecida pelo seminário para o seu trabalho.
“Fazer essa formação é muito importante para escutarmos os indígenas e quem está produzindo sobre a política indigenista. Ter esse contato face a face, poder fazer perguntas, poder discutir, é essencial para a informação e a sensibilização, para saber com quem e para quem estamos trabalhando. Há uma diversidade enorme de povos e regiões, e hoje o protagonismo indígena é muito maior, com eles mesmos falando e produzindo sobre suas realidades. Esse entendimento agrega diretamente à nossa atuação dentro do ministério.”
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