Evento inédito reúne cinco mil mulheres indígenas em Brasília para discutir políticas públicas, direitos e futuro dos territórios

Cerimônia de abertura da 1ª Conferência Nacional das Mulheres Indígenas. Foto: Rony Eloy/MPI

Pela primeira vez na história das políticas públicas brasileiras, milhares de mulheres indígenas se reuniram em um espaço institucional criado especificamente para escutá-las, acolher suas propostas e promover o diálogo direto com o Estado. Começou nesta segunda-feira (04), em Brasília, a 1ª Conferência Nacional das Mulheres Indígenas, com o tema “Mulheres Guardiãs do Planeta pela Cura da Terra”. O evento, que segue até sexta-feira (08), é coordenado pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e o Ministério das Mulheres (MMulheres), com a parceria da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).

A abertura da conferência foi marcada por manifestações culturais e discursos de lideranças indígenas e representantes do Governo Federal. Participam do encontro cerca de cinco mil mulheres vindas de todos os biomas e regiões do Brasil. A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, abriu a conferência e destacou a força histórica do momento. “Estar aqui hoje é renovar a força da luta coletiva. É honrar o caminho aberto por nossas anciãs, reconhecer a ousadia das mais jovens e fortalecer o presente com a coragem de quem nunca se calou. Sem a sabedoria das mais velhas e a ousadia das mais novas, é impossível a continuidade da nossa caminhada”, afirmou.

“Proteger o clima e a biodiversidade começa por garantir justiça para as mulheres indígenas que lutam pelas suas terras e pelos seus biomas”, declarou a ministra. Para ela, o evento também fortalece a “quarta marcha contra o racismo, contra o colonialismo, contra o machismo, que ainda tentam silenciar nossos corpos e nossos territórios ancestrais”, completou Sonia Guajajara diante da plateia, que encheu a plenária.

A ministra reforçou a importância de ter espaços de comunhão e união entre os povos, principalmente diante das ameaças que violam os direitos dos povos indígenas em curso no Congresso Nacional. Segundo Guajajara, “lamentavelmente” os indígenas precisam “conviver com muitas medidas legislativas que tramitam no Congresso Nacional que retiram direitos conquistados”. Em seu discurso ela citou como exemplo o PL da devastação, que fragiliza o licenciamento ambiental, que enfraquece órgãos técnicos e permite que empreendimentos sejam liberados sem a consulta aos povos indígenas e comunidades tradicionais.

Ela também citou o PDL 717, que busca sustar a homologação das terras indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos, em Santa Catarina, e o marco temporal, “que dificulta o avanço das demarcações das terras indígenas”. “Tudo isso representa uma grande violação dos nossos direitos constitucionais e dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil”, afirmou. “Então, mulheres, nós precisamos continuar juntas lutando contra o avanço de todas essas medidas que afetam não só os nossos direitos, mas também os nossos corpos e nossos territórios”, chamou para a ação a ministra.

A ministra das Mulheres, Marcia Lopes, também participou da abertura e destacou o papel central da conferência na construção de uma agenda comum. “Esta conferência tem um papel fundamental. Vocês vão, nesses dias, trocar os saberes tradicionais. Vocês vão alimentar a história de vocês desde que começaram, muito antes de nós, neste país que é tão grande, que é tão lindo, que é tão diverso e que cabem todos os nossos sonhos, cabem as nossas liberdades, cabem as nossas culturas e as nossas diversidades”, afirmou.

Lopes defendeu a união entre os movimentos sociais e o diálogo constante como caminhos para o avanço de direitos. “Nós temos que dialogar, nós temos que nos reunir entre todos os movimentos. Os movimentos sociais são fundamentais. Nós não podemos fragmentar as nossas lutas. Essas mulheres estão aqui para dizer isso. Nós queremos construir uma agenda comum e a conferência serve para isso”, completou.

A presidente da Anmiga, Jozileia Kaingang, lembrou que a conferência é um desdobramento da Marcha das Mulheres Indígenas iniciada em 2019, e que este ano está na sua quarta edição. Segundo ela, o esforço para a realização desta conferência é fruto de um processo político robusto e da aliança institucional entre o MPI, o MMulheres e a Anmiga. Antes da plenária nacional, foram realizados eventos preparatórios regionais em todos os biomas do Brasil.

“Chegamos até aqui para fazer valer o lugar nas políticas públicas. Esta conferência, ela não é apenas um espaço de escuta, é um espaço de decisão, de proposição e de protagonismo das mulheres indígenas na construção da política nacional das mulheres indígenas.”, afirmou a dirigente da Anmiga.

A solução é feminina

A ministra foi enfática ao defender a ampliação da presença de mulheres indígenas em posições de poder. “Nós enfrentamos retrocessos, ataques e tentativas de apagamento todos os dias. Por isso, nós precisamos de mais representação, mais proteção, mais direitos assegurados. Não basta existir. Nós precisamos influenciar, decidir e governar”, disse. Segundo Guajajara, é dever do Estado brasileiro desenvolver políticas públicas específicas de proteção e promoção dos direitos das mulheres indígenas.

A presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, reforçou o papel central das mulheres na construção de soluções para o país e para o planeta. “Essa conferência já está na história do Brasil. Ela está na história porque ela marca que as mulheres indígenas são fundamentais, não apenas para os povos indígenas, mas para o Brasil, para o planeta, porque as mulheres sabem as suas origens, sabem o seu papel e têm a força histórica da sua ancestralidade”, declarou.

Wapichana chamou atenção para o enfrentamento à violência e a ampliação da participação das mulheres indígenas em espaços de decisão, inclusive nas instâncias ambientais e legislativas. Ela afirmou que, sob sua gestão, a Funai tem fortalecido a presença de mulheres em eventos institucionais e reconhecido sua importância para o debate sobre mudanças climáticas. Também alertou para os riscos impostos por projetos de lei que fragilizam os direitos territoriais dos povos indígenas, como o marco temporal.

A deputada federal Célia Xakriabá também participou da abertura da conferência e fez um discurso contundente sobre o papel das mulheres indígenas na política e na preservação da democracia. Para a congressista, a ocupação de espaços de poder por mulheres indígenas representa uma reparação histórica e a devolução simbólica da terra aos locais de decisão. Segundo ela, as mulheres indígenas não buscam apenas representatividade, mas transformar os espaços que ocupam.

“Tem gente que tem medo de perder o verde e amarelo da bandeira do Brasil. Eu teria medo mesmo de perder meu cerrado e todas as nossas florestas. Tem gente que tem medo de perder a moradia. Eu tenho medo mesmo é de perder o território. Tem gente que tem medo de perder a política. Nós temos medo de perder a democracia e a força das mulheres. Nós chegamos para matriarcar a política”, afirmou Célia.

A conferência

A programação da conferência segue até quarta-feira com painéis temáticos, grupos de trabalho e plenárias deliberativas. Os debates abrangem temas como saúde, educação, participação política, enfrentamento à violência, segurança alimentar, meio ambiente, economia e territorialidade, com foco na construção coletiva de propostas que serão encaminhadas ao governo federal.

As discussões estão organizadas em cinco eixos: direitos e gestão territorial; emergência climática; políticas públicas e violência de gênero; saúde das mulheres indígenas; e educação e saberes ancestrais. Ao final do evento, será criada uma instância interministerial e interinstitucional com a missão de consolidar as diretrizes formuladas na conferência e elaborar a proposta de criação da Estratégia Nacional de Fortalecimento e Proteção dos Direitos das Mulheres Indígenas.

A realização da conferência representa um avanço institucional significativo na direção de políticas públicas com escuta qualificada e participação direta das mulheres indígenas. É, também, um gesto de reconhecimento da centralidade de seus saberes, lutas e existências na construção de um país mais justo, plural e comprometido com a justiça climática, social e de gênero.

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>> Leia mais: Marco histórico: 1ª Conferência Nacional das Mulheres Indígenas começa nesta segunda-feira (4)

Fonte: https://www.gov.br/povosindigenas/pt-br/assuntos/noticias/2025/08/proteger-o-clima-e-a-biodiversidade-comeca-por-garantir-justica-para-as-mulheres-indigenas-afirma-ministra-na-1a-conferencia-nacional