RIO – O número de mortes entre indígenas em razão da pandemia do novo coronavírus atingiu nesta sexta-feira a trágica marca de 1002 óbitos em todo o país, onde 163 povos já foram afetados pela doença. A média é de três mortes por dia, aponta levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Os dados da Apib mostram que o número de óbitos de índios é quase o dobro do que o divulgado pelo governo. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde, não contabiliza os casos de índios que vivem em contexto urbano ou não aldeados, e apresenta números quase 2 vezes menor do que os da Apib. No último boletim divulgado pela Sesai foram registradas 601 mortes e 44.571 casos de Covid-19.
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A taxa de letalidade (porcentagem dos que morreram após caso confirmado) da Covid-19 entre esses povos é de até 7%, três vezes maior do que a da população brasileira (2,4%), apontada como uma das mais altas do mundo. Entre os fatores que apontam para essa fragilidade está a grande vulnerabilidade social, com a falta de acesso à saúde, e o fato de esses povos terem uma resposta imunológica menos eficiente para combater infecções virais, como a Covid-19, e bacterianas.
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A primeira morte de indígena no país foi registrada no dia 20 de março do ano passado. Uma anciã borari, de 87 anos, em Alter do Chão, no Pará, também não notificado entre os casos da Sesai.
Com 240 mortes, o Amazonas é o estado que registra o maior número de óbitos (25%) seguido por Mato Grosso (153), Mato Grosso do Sul (107) e Pará (101). De acordo com os dados coletados pela entidade junto a organizações, distritos especiais indígenas e secretarias de saúde, 50.468 índios foram infectados no Brasil. Há, em todo o país, aproximadamente 850 mil indígenas distribuídos entre 305 povos.
Xavantes, os mais atingidos
A etnia xavante, que vive em Mato Grosso, é a mais atingida pelo vírus, com 68 mortes. Em seguida vêm os kokama, da região do Alto Solimões (AM), e os terena, habitantes do Mato Grosso do Sul, com 59 e 58 mortes, respectivamente.
A Apib afirma que a “falta de transparência” dos dados da Sesai impede a identificação de muitas cidades onde os óbitos aconteceram e por isso credita muitas mortes à sigla “SI” (Sem Informação).
– Esta marca trágica para poderia ter sido evitada. Desde o início, a posição negacionista do governo, mesmo depois das determinações do Supremo Tribunal Federal (STF), não tem adotado as medidas de proteção, não tem plano de enfrentamento, além do que as barreiras sanitárias não estão funcionando como foi determinado. A própria Sesai está numa posição extremante ruim porque não orienta e não passa informação para as lideranças indígenas – afirma Eloy Terena, advogado que representa a APIB nos processos em curso no STF.
Grande parte dos indígenas mortos identificados pela Apib são anciãos que traziam consigo conhecimentos ancestrais de sua cultura.
– Para nós, povos indígenas, é uma perda irremediável, pois são muitos anciões, são nossas bibliotecas, são os guardiões e detentores dos nossos conhecimentos ancestrais que estão indo embora. Então chamamos a atenção para essa política de extermínio que está em curso no Brasil – conclui Terena.
Procuradas, a Sesai e a Fundação Nacional do Índio (Funai) ainda não se manifestaram.
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