​por​ ​Marcelo​ ​Zelic

O Ministério da Justiça estendeu a ação da Força Nacional em obras de linha de transmissão no estado do Pará, sinalizando que o governo buscará na força realizar seus projetos. O prefeito Dirceu Biancardi (PSDB) tentou proibir a discussão sobre Belo Sun na Universidade Federal do Pará, ocupando o auditório com mais de 40 pessoas, não permitindo a realização do evento  “Veias Abertas da Volta Grande do Xingu”, conforme relatou em entrevista a professora Rosa Acevedo Marin. Estes fatos solapam mais um pedaço de democracia no Brasil.

O enfraquecimento das instituições democráticas tem levado a população indígena a buscar garantir seus direitos na marra, em resposta a espiral de violência e desmandos que tomou conta do país. No estado do Pará os Munduruku resistem à ocupação de seu território. Não permitiram que a audiência pública que seria realizada na Faculdade de Itaituba fosse realizada, denunciando que não foram consultados sobre a construção da ferrovia, conforme determina a legislação.

Apesar do resultado das ações do povo Munduruku e do prefeito do município de Senador José Porfírio, na região do Xingu, serem iguais, ou seja, a não ocorrência dos eventos, os fatos guardam entre si larga distância e delimitam o sentido da ética e da democracia nestas ações, pois impedir um evento aos gritos e agressões, para que as denúncias da ação nociva das atividades da mineradora canadense sobre a população não sejam expostos e divulgados, visa impor o desenvolvimento e privilégios desta atividade para poucos, desrespeitando vários preceitos constitucionais, o bloqueio Munduruku na entrada da universidade para a não realização da audiência pública sobre a ferrovia, impediu que se avance formalmente um processo viciado, onde não tiveram participação efetiva e cujo projeto não aceitam, se contrapõe à retirada ilegal de direitos constitucionais.

As audiências públicas no Brasil sofrem de desvio de função, pois em vez de subsidiar decisões, são encaradas como uma etapa formal para a implementação de projetos, que na maioria das vezes chegam “imexíveis” nas comissões que teriam as funções de avaliá-los.

Um exemplo claro foram as audiências públicas sobre a PEC 215, que não alteraram em nada o texto, como a proposta de liberação do arrendamento de terras indígenas para o agronegócio, que é inconstitucional e uma grande irresponsabilidade com o patrimônio da união, pois como apresentado em audiência pública, com base em dados do Relatório Figueiredo, o arrendamento foi a porta de entrada para o esbulho das riquezas e terras indígenas, causando grande dano aos povos citados naquela investigação.

Na Câmara dos Deputados a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, dominada pela bancada ruralista e seus aliados, debate em audiência pública, nesta terça feira, medidas de incentivo à produção e ao consumo do etanol, mais monocultura, mais extensão de terras voltadas à commodities e ao lucro de poucos e o projeto que sairá deste processo já está pronto e em nada dialoga com as preocupações da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia, cuja audiência pública no mesmo dia  debate “os efeitos da variabilidade climática na Amazônia brasileira” e tampouco com as populações atingidas pelas propostas legislativas que querem implementar.

No senado a transposição das águas do rio Tocantins para o Rio São Francisco vai se gestando, como solução de infraestrutura de irrigação, que a pretexto dos municípios e população a serem beneficiados, terá como elemento chave a ampliação das áreas de expansão do agronegócio e da agricultura baseada na monocultura de commodities.

Uma árvore solitária interrompe o infinito padrão de linhas formado pelos brotos de soja, em Nova Mutum, no Mato Grosso. Ali não há mais lugar para a floresta.

O Greenpeace em recente artigo publicado em seu portal afirma que “o aumento na demanda por biocombustíveis pode ser uma pressão maior no desmatamento”, como ocorre no Cerrado brasileiro com a soja, que tem sido tomado pela monocultura e em função disso tornou-se um fator de risco ambiental e de conflitos, com efeitos em todo o país.

Enquanto no Congresso Nacional as medidas de viabilização de negócios segue os ritos num processo surdo aos direitos da sociedade e ao bem viver dos povos indígenas, a violência se impõe como atalho e atitude de viabilização de interesses, como a recente tentativa de assassinato da professora Elisangela Suruí, eleita há pouco educadora nota 10, quando voltava à aldeia Sete de Setembro, em Rondônia, na garupa da moto do cacique Naraymi Suruí, seu marido. Atentado ocorrido depois que a etnia Suruí proibiu a extração ilegal de madeira em suas terras.

A militarização das obras federais e a conduta truculenta daqueles que têm interesses em sua execução são dois lados da mesma moeda e pressionam a sua efetivação mediante a força e a intimidação, levam os povos indígenas a buscar na justiça seus direitos, obtendo alguns avanços, como a decisão da Justiça Federal no Amazonas, que acabou de suspender a construção do linhão sobre o território Waimiri-Atroari, justamente porque não houve consulta conforme determina a Convenção 169 da OIT, como também a resistirem com a auto delimitação de seus territórios como a ocorrida no assentamento do INCRA, onde “durante cinco dias, um grupo de moradores do assentamento, apoiados por guerreiros indígenas, percorreu 17,5 km de floresta para fazer a “auto delimitação” do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Montanha e Mangabal, bem como com as retomadas de terras originárias que ocorrem de norte a sul do Brasil.

Conforme carta do IX Encontro Estadual dos Operadores indígenas em Direitos, ocorrido em Roraima, “a proteção e vigilância dos territórios indígenas é extremamente necessária para assegurar o bem-estar, a tranquilidade, a posse e o usufruto exclusivos sobre a terra e os recursos naturais”.

A prorrogação da presença da Força Nacional no Pará para garantir obras e sua ausência em Rondônia para proteger o Território Suruí das rotineiras e já muito denunciadas incursões ilegais e violentas de madeireiros, retrata a desigual batalha que enfrentam os povos indígenas na luta por defender seus direitos constitucionais.

 


Resenha Indígena é uma publicação do Observatório dos Direitos e Políticas Indigenistas (OBIND), programa de extensão e ação continuada da UnB.

Marcelo Zelic – Membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e coordenador do projeto Armazém Memória, é um dos coordenadores do OBIND.

 

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